segunda-feira, 2 de maio de 2011

TRÊS POEMAS GAUCHESCOS


TRÊS POEMAS GAUCHESCOS
por Altair de Oliveira


Numa missão quase especial, nesta semana apresentamos 3 poemas de formas diversas, mas que tem em comum as características da poesia regional que é praticada por muito tempo no sul do Brasil, a poesia dita "gauchesca", visto que hoje em dia ela é divulgada em todo o país pelos gaúchos, principalmente através dos CTGs (Centros de Tradições Gaúchas).

Se poesia fosse algo comum, nós poderíamos dizer que a poesia dita gauchesca diferencia-se da poesia comum praticada no Rio Grande do Sul (Mário Quintana, Carlos Nejar, Carpinejar, etc) principalmente pelo apelo popular, que normalmente trata de cenas e de histórias da vida comum, por trabalhar uma linguagem com tendências regional e pelo apelo histórico de marcantes acontecimento passados, nitidamente tentando preservar a tradição do povo gaúcho. Além disto, ela é uma poesia feita principalmente para ser declamada. Alguns destes poemas são tão conhecidos pelos frequentadores de CTGs que já são considerados clássicos do nativismo.

Um dos tipos de poesia gauchesca é a "Pajada", onde o poeta repentista canta os seus versos de improviso, em versos Décima Espinela, acompanhado por um violão que normalmente executa uma milonga. Para se ter uma idéia da importância dada no Rio Grande do Sul à poesia, existe uma lei estadual que determina o "Dia do Pajador Gaúcho", quando várias celebrações e encontros de pajadores são realizados.

Entretanto, não ressaltamos aqui nenhum sentimento patriótico ou tradicionalista regionais, mas sim à beleza de certos versos ou certos poemas que fazem de seus poetas populares, uns Jaymes Caetano Braun ou Patativas do Assaré, tão importantes no coração do povo quanto os autores consagrados da dita literatura culta brasileira, algumas vezes poetas impopulares. A todos uma leitura deliciosa e uma semana bem bacana!


***


OS POEMAS GAUCHESCOS



HERANÇA


Naqueles tempos, sim,
naqueles tempos as casas já nasciam velhas.

Naqueles tempos, sim, naqueles tempos, sim,

naqueles tempos as casas já nasciam velhas.
Eram uma casas cálidas, solenes

sob as telhas portuguesas, maternais.

Em pálidos azuis eram pintadas

e em brancos, em ocres e amarelos.

Algumas nem mesmo tinham reboco.

Na carne dos tijolos mostravam-se nuas,
abertas em janelas que espiavam

da sombra verde para o sol das ruas.


Naqueles tempos, sim,

naqueles tempos
tinham balcões e sacadas essas casas
e úmidos porões e sótãos com fantasmas.
E tinham jasmineiros sobre os muros

e acolhedoras latrinas de madeira
disfarçadas entre as plantas dos quintais.

E laranjeiras e galos e cachorros
um barril barrigudo cheio d'água

e uma concha de lata para a sede.

Nas varandas que eram frescas e abertas

a moleza da sesta numa rede...

Naqueles tempos, sim,
naqueles tempos

as portas eram altas

e alto o pé-direito das salas dessas casas.

Mas eram simples as pessoas que as casas abrigavam.

Os homens chamavam-se Bento, Honorato, Deoclécio,

as mulheres eram Carlinda, Emerenciana, Vicentina.

Os homens usavam barbas e picavam fumo em rama,

as mulheres faziam filhos, bordados e rosquinhas.
Os homens iam ao clube, as mulheres À missa,

e hom
ens e mulheres aos velórios.
Morriam discretamente e ficavam nos retratos.


Naqueles tempos, sim,

naqueles tempos
a igreja tinha santos nos altares

e havia mulheres rezando ao pé do santos.

O padre usava uma batina cheia de manchas e botões,

batizava crianças, encomendava os mortos,

rezava a missa em latim: "Agnus Dei"...

e comia cordeiro gordo na mesa do intendente.

Os homens ajudavam nas obras da igreja,

mas acreditavam mais nas armas que nos santos.


Naqueles tempos, sim,

naqueles tempos

os chefes eram chamados "coronéis".

Ganhavam seus galões debaixo da fumaça
em peleias a pata de cavalo,
garruchas de um tiro só e espadas de bom aço.

As mulheres plantavam flores e temperos

pois tinham mesma valia o espírito e o corpo.

Sabiam receitas de panelas fartas,
faziam velas de sebo e tachadas de doce

e de graxas e cinzas inventavam sabão.


Naqueles tempos, sim,

naqueles tempos

os bois mandavam nos homens,

e por isso a vida era mansa na cidadezinha

arrodeada de ventos, chácaras e estâncias.
Os touros cumpriam devotamente o seu mister

e as vacas, pacientes,

pariam terneiros e terneiros
e terneiros.
O campo engordava os bois,
as tropas de abril engordavam os homens

e os homens engordavam as mulheres.


Por isso a cidade chegou até aqui.

Por isso estamos aqui

- netos e bisnetos desses homens,
dessas mulheres, netas e bisnetas.


Por isso um berro de boi nos toca tanto

e tão profundamente.

Por isso somos guardiões de casas velhas,

almas de sesmarias e de estâncias,

paredes que suportam seus retratos.


O músculo do boi na força que nos leva.

A barba dos avós como um selo no queixo.

O doce das avós na memória da boca

e nela este responso:


- Naqueles tempos, sim, naqueles tempos...





Poema de Aparicio Silva Rillo. Martins Livreiro Editor. 1981.



***

QUERO-QUERO

Que é que tu queres, quero-quero? Implico
Com teu grito, que aos tímidos maneia,
Pois vêem fantasmas de que o pampa é rico,

Quando tu gritas numa noite feia.


Aborrecido, quando te ouço, fico,
E uma grande saudade me esporeia,

Porque dizem que gemem no teu bico

Os gaúchos que morreram na peleia.


És a ronda do pampa com teu bando...

A noite tôda passas denunciando

Cruzada de viajante ou de índio vago.


E os mistérios das lendas entropilhas,

Quando gritas na dobra das coxilhas,

Sentinela perdida do meu pago.




Poema de Vargas Neto, In: "Tropilha Crioula e Gado Xucro", editora Globo, 1955, que juntava os 2 livros publicados pelo autor em 1929.

***

LAVADEIRAS


Na singeleza do ritual da lida
ela matiza ao sol dias inteiros,
e o rio que faz possível seu labor

recebe em oferenda roupa e cor

nas pedras do "Porto dos Aguateiros".

Na mão sofrida da mulher morena
o suor da trouxa enorme ganha o rio

e é ele que de noite, feito pão,

vem para a mesa pela mesma mão

que acende a lamparina de pavio.


Na madrugada, quase por silêncios,

o rio faz serenatas nas cachoeiras,

e os cantos que ele tem não são das águas

são dos ranchos costeiros, são das mágoas,

que
embalam o lavar das lavadeiras.

Sonhando um mundo melhor

vai ela estendendo a vida,

nestes poemas de cor

com a cor da roupa estendida.



Poema de Gilberto Carvalho, In: "Negro da Gaita" - Porto Alegre: Edição do Autor,1981

***

Para ler mais:
- Poesias gauchescas: http://www.paginadogaucho.com.br/poes/index.htm
- Sobre o "Dia do Pajador Gaucho": http://www.leouve.com.br/vidaelazer/cultura/bento_gonaalves/ver/bento_sedia_maior_espetaculo_de_pajadas_do_rs-72658.html



***

Evento Literário da Quinzena:Lançamento
do livro "Poesia Sem Pele", de Lau Siqueira.


O poeta gaúcho, radicado na Paraíba, "Lau Siqueira" estará em Curitiba no dia 10 de maio de 2011, a partir das 19 hs, autografando o seu novo livro de poemas "Poesia Sem Pele" no Café Brooklyn" (http://www.brooklyncoffeeshop.com.br/site/?page_id=2) Este quinto livro de Lau Siqueira foi publicado pela editora gaúcha Casa Verde. Não percam!


***


Ilustrações: 1- foto do pajador gaúcho José Estivalet; 2- foto do poeta, escritor e compositor gaúcho Aparicio Silva Rillo; 3- capa do livro "Tropilha Crioula e Gado Xucro", do poeta Vargas Neto; 3- capa do livro "Negro da Gaita", do poeta Gilberto Carvalho.


Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve quinzenalmente às segundas-feiras no ContemporARTES a coluna "Poesia Comovida" e conta com participação eventual de colaboradores especiais.

1 comentários:

Anônimo disse...

legal muito bom

4 de setembro de 2013 às 09:15

Postar um comentário

Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.