sexta-feira, 15 de julho de 2011

ASPECTOS ANTIILUSIONISTAS


ASPECTOS ANTIILUSIONISTAS NA ENCENAÇÃO DE ANTOINE VITEZ


Essa semana vou apresentar algumas reflexões sobre a noção de antiilusionismo no teatro de Antoine Vitez (1930-1990) através da descrição de duas de suas encenações, ambas de 1971, sem pretensões, claro, de esgotar o assunto.

Nossa investigação sobre o antiilusionismo levou-nos à definição do épico e da evolução histórica do significado do termo. O teatro épico é um dos poucos casos, dos mais recentes, de teoria e prática que constituem uma nova concepção do espetáculo. A sua definição sugere, antes de tudo, a existência de algo essencial em sua arte: a verdade da mentira. Não se pretende mais reproduzir a realidade. Este novo teatro despreza a ilusão de realidade. O palco não é mais a caixa iluminada das ilusões. “O teatro é teatro mesmo, é mentira, portanto, uma mentira essencial, porém mentira. A quarta parede tendo sido derrubada, agora o teatro é disfarce, fingimento, jogo, aparência, parábola, poesia, símbolo, sonho, canto, dança e mito”, como diz Rosenfeld.

Quando entramos num espaço cênico, tomamos consciência de uma perturbadora riqueza de significados. Um mundo se abre para nós. Um mundo de segredos, de surpresas, de intimidade. Quantas vezes se renasce naquele espaço - profundo e escuro, que verticaliza, contrai e elastica, reduz e amplia, - luzes, sombras, seres, objetos, imagens.

Antoine Vitez é um desses diretores que acreditam que o sentido real do teatro está no espetáculo que há dentro. Esse cofre de cenas que aguça nossa percepção. O passado, o presente, o futuro nele se condensam.

O que mais caracteriza o teatro épico, além dos seus meios, é o seu fim, o seu objetivo, muito concreto e imediato: a ruptura de qualquer encantamento e do chamado realismo cênico, utilizando diversos recursos sobre os quais falarei agora.

ANDRÔMACA
autor: Racine
estréia: 26 de janeiro de 1971

“(...) É a sua concepção de poesia e de teatro, é a eficácia de seus princípios pedagógicos (Vitez é professor do Conservatório desde 1969) que o espetáculo que nós acabamos de ver nos faz apreciar: um mínimo de acessórios (mesas, cadeiras, escadas), modo de vestir descontraído (os “Jeans”), troca de papéis e variações em uma mesma cena interpretada diversas vezes. E esta ‘despersonalização’ da personagem não impede que um fluido emocional passe em alguns momentos.(...) Racine poupado? Não, restituído à sua complexa ambigüidade.”


ELECTRA
autor: Sófocles... e Ritsos
estréia: 16 /10/1971

“(...) Os versos de Yannis Ritsos intervêm na tragédia de Sófocles como colagens, mas não daquelas que a provocam. Eles são representados em consonância, trama dentro da trama, mais amarração que incrustação, e tão hábil que a passagem se opera insensivelmente e produz, quando se revela então que a ligação já foi feita, um choque emotivo que eu compararia a um sinal luminoso que anuncia, um clarão fugitivo repercutido.
- Este novo espetáculo você o faz para os parênteses? perguntam a Vitez.
- Não para os parênteses, mas por causa deles, respondeu.
Esses parênteses - assim são definidos os empréstimos a Ritsos - servem com muita exatidão, conforme o diz Vitez, “para fazer vibrar o texto de Sófocles.”
(...) Aqui intervêm a necessidade do dispositivo cênico pedido por Vitez a este outro grego, que não faz a sua primeira cenografia inventiva, Yannis Kokkos, e que representa sobre a proximidade do ator e do espectador para uma participação distanciada; aí está o paradoxo, mas as coisas se passam de fato assim.


Imaginem a planta de uma igreja. Os espectadores, uma centena, sentam sobre os bancos orientados em direção ao corredor central, os braços mais curtos do transepto cortando a nave ao meio. Assim eles dominam mas por pouco, sobre seus quatro estrados por andar, a área de representação, longo assoalho de ripas vermelho-escuro. As entradas e saídas dos atores são laterais. Quando a ação não lhes diz respeito, eles vão simplesmente sentar-se em um banco na extremidade do caminho de flores. Essa referência ao teatro japonês justifica-se pelo fato de um certo estilo de representação, e a expressão poder ser utilizada literalmente, já que as flores, verdadeiras, recém colhidas, vêm atapetar as oferendas e, metaforicamente, Electra, em sua desolação, pisa-as, mata-as. As mulheres estão vestidas com vestidos perolados mas franjados, luxo decadente. (...) Os rostos são untados de um fundo de tinta azul-acinzentado que lhes compõem máscaras mas não de ouro como aquela de Micenas, mas de cofre oxidado.
(...) Os parênteses não facilitam o acesso ao texto. Eles introduzem com felicidade outros planos; ainda é preciso para se emocionar com eles ser especialista em uma ginástica do espírito. Há ainda a duração do espetáculo; perto de duas horas e meia de tensão que é preciso poder sustentar. Admito, claro, que ele possa tocar acidentalmente uma sensibilidade, uma inteligência não educada. Então, que recompensa! Mas que Vitez queira ou não, Electra é um espetáculo “elitista”. Longe de mim a idéia de reprová-lo. Ele visa mais alto. É, entretanto, assim que o nível do público tem alguma chance de se elevar. Popular, não. Político, sim, e feito por mãos operárias. Mas em suma, o que é um espetáculo popular? Um termo a ser definido.


Djalma Thürler é Cientista da Arte (UFF-2000), Professor do Programa de Pós-Graduação Multidisciplinar em Cultura e Sociedade e Professor Adjunto do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA. Carioca, ator, Bacharel em Direção Teatral e Pesquisador Pleno do CULT (Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura). Atualmente desenvolve estágio de Pós-Doutorado intitulado “Cartografias do desejo e novas sexualidades: a dramaturgia brasileira contemporânea dos anos 90 e depois”.

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