domingo, 24 de julho de 2011

Minha literatura




            Eu caminhava pelas ruas com profunda raiva da empresa telefônica que acabara de me iludir. O toque familiar do meu celular prenunciara a mensagem que chegaria, e eu, carente que sou, me remexi de imediato para colher as migalhas de atenção de um amigo fiel que se lembrasse de mim. Olhei famintamente a tela do aparelho, esperando mesmo alguém que me pedisse algo ou me cobrasse uma promessa da qual houvesse esquecido, mas o texto não denunciava cobrança ou raiva, amor ou desespero. Uma daquelas promoções – que se fossem realmente boas não precisariam ser tão divulgadas – estendia-se faceira pelo cristal líquido já danificado do meu telefone, desmantelando a esperança que eu tive de ser lembrado por alguém. Nas ruas, nas grandes ruas, a profunda indiferença recíproca que eu e o mundo cultivamos se tornava evidente e gorda. Apresso o passo, sem saber direito por quê.

            Abro a parte da frente da minha mochila pesada repleta de coisas que não usei durante o dia e tiro um biscoito barato que como sem fome. Poucas vezes obedeço o estômago em comer; me acostumei a obedecer aos músculos cervicais cuja tensão alivio na ânsia de engolir algo adocicado artificialmente. Sinto o mal estar habitual dessa hora do dia. O corpo pede urgentemente um banho.

            No meu estado de espírito, eu não estava preparado para o que eu iria encontrar naquela esquina. Limpando a boca de farelos ingratos, me surpeendi ao ver uma menina de pé, completamente imóvel – a não ser pelos globos dos olhos, que caminhavam para um lado e outro. A figura compunha-se de forma extremamente peculiar: usava um cachecol verde  lindo, um par de botas lindas, um casaco preto lindo e uma boina sofisticada e linda, que formavam uma imagem sobremaneira esquisita quando vistos em um só conjunto. E o mais interessante era que a menina segurava um livro.

            Diminuí o passo de forma quase maquinal e contemplei aquela cena. Meu pudor e minha fleuma social me impediam de parar e tentar ouvir uma palavra sua, e minhas pernas continuaram à contragosto. Admirei sucintamente sua coragem e concentração em ler no meio daquele caos frenético de uma esquina no centro da cidade. Não consegui perceber qual livro era. Não reparei no seu rosto nem eu seu corpo, mas tive a certeza absoluta de que era linda. O fascínio da imagem me cativara mais que tudo, e caminhei torcendo a cabeça para trás e vê-la, antes que nós dois nos perdêssemos para sempre de volta na imensidão da vida.

   Aquilo, para mim, foi literatura.
         



Waldyr Imbroisi Rocha, graduando do curso de Letras (UFJF). Realizou pesquisas nas áreas de Educação Bilíngue (BIC - UFJF) e trabalha atualmente com relações entre Literatura e História, dedicando-se especialmente aos contos maravilhosos. Atuou como professor de inglês para crianças e de português/literatura a nível de ensino fundamental e médio.


A Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.

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