segunda-feira, 11 de julho de 2011

Perdemos o Poeta Mário Chamie!


MORRE O POETA MÁRIO CHAMIE!
Por Altair de Oliveira


Entristecidos, noticiamos que faleceu neste último dia 03 de julho, aos 78 anos, no hospital Oswaldo Cruz em São Paulo, o poeta, crítico literário e ex secretário de cultura de São Paulo, "Mário Chamie". O poeta sofreu falência múltipla de órgãos durante um tratamento de quimioterapia, ele sofria de cancer pulmonar desde 2010.


Mário Chamie nasceu em Cajobi-SP em 1933, formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo, onde foi colega de Lígia Fagundes Teles, publicou o seu primeiro livro de poemas "Espaço Inaugural" (1955) e uniu-se ao grupo literário de vanguarda "Poesia Concreta". Seguiram-se os livros "O Lugar" (1957) e Os Rodízios (1958) e em 1961 abandonou o grupo do concretismo. Em 1962, o poeta publicou o livro "Lavra Lavra", que instituiu o grupo literário "poema-praxis", do qual ele foi o mentor e principal teórico. Assim como o grupo "Neo-concreto", instituído pelo poeta Ferreira Gullar, o movimento "Instauração-Praxis", de Chamie, era também dissidente e criticava a Poesia Concreta. O livro Lavra Lavra recebeu o prêmio jabuti de 1963 e o movimento literário fundou a revista Praxis.

A partir de 1963 Chamie iniciou uma série de conferências sobre a "nova literatura brasileira" na Itália, Alemanha, Suíça, Líbano, Egito e Síria. Também ministou palestras sobre "problemas da vanguarda artística" nas universidades de Nova York, Colúmbia, Harvard, Princeton, Wisconsin e Califórnia, nos Estados Unidos, em 1964. Em Harvard, o poeta deu aulas para o astro da música Jim Morrison, vocalista da banda The Doors, de quem se orgulhava em conservar uma coleção de cartas que o músico posteriormente lhe enviara.

O poeta escreveu ainda vários outros livros de poesias e de ensaios literários e recebeu vários prêmios, destes destacam-se o prêmio "Prêmio de Poesia" que recebeu em 1977 pelo livro "Objeto Selvagem", concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte e o terceiro lugar que recebeu no "Prêmio Portugal Telecon" de 2003, pelo livro "Horizonte de Esgrimas".

No período de 1979 a 1983, Mário Chamie foi secretário municipal de Cultura, onde ele foi um dos principais responsáveis pela criação do Centro Cultural São Paulo e da Pinacoteca do Estado.
Desde 1992, o poeta ocupava a cadeira de número 26 na Academia Paulista de Letras (APL), onde era tido como um dos mais brilhantes e participativos membros.




O que Já Disseram dele:


- "Não resta dúvida que Lavra Lavra se tornará um marco ns história da poesia brasileira. Atribuo-lhe grande importância. É uma realização. Finalmente chegamos à prática da nova concepção de poesia. Cada poema tem ao mesmo tempo uma linha de rigidez e de elasticidade. O leitor entra ali dentro e gira como o manipulador da obra. As Geórgicas da era industrial." - Murilo Mendes, sobre o livro "Lavra Lavra", de Chamie;

- "Mário Chamie... é a grande voz poética brasileira deste final de século." - Leo Gilson Ribeiro;

- "A obra de Mário Chamie constitui uma saudável exceção em nossa poesia de vanguarda. Em seus livros, a linguagem experimental, em vez de se comprazer em ensinamentos gratuitos, dá sempre a palavra ao objeto. Desde a fábula (O Cão sem Plumas) ou o apólogo (O Rio) cabralianos, nossa musa social não se exprimia com tal vigor." - Jose Guilherme Merquior;

- "Mário Chamie, inspirador e principal teórico do grupo Práxis, tentou de certo modo preservar a estrutura do poema, além de manter um forte lastro de realidade. As suas experiências são interessantes como tentativa de manter a tradição do Modernismo sem renunciar o espírito de vanguarda." - Antônio Candido;

- "Chamie foi uma das grandes figuras culturais de São Paulo surgidas na metade do século 20. Foi um imenso poeta, um originalíssimo ensaísta e um dos mais marcantes secretários de Cultura que a cidade já teve" - Amir Labaki, articulista da Folha de São Paulo.

- "Altamente consciente da revolução da linguagem que se vinha operando na poesia brasileira desde as conquistas de 22, Chamie assume-a como 'revolução do conhecimento' e como 'consciência política' " - Nelly Novaes Coelho.


O que Ele já Disse Sobre a Poesia:

Chamie - "Penso que a poesia é a linguagem das linguagens, pois é nela e por ela que o inesperado dizer sobre as coisas se anuncia. Ela é sempre inaugural e desconcertante. Não se domestica com poéticas a palavra imprevisível do poema. Platão rejeitou a presença dos poetas em sua República por desconfiar da força desestabilizadora de suas transgressões. Hoje, a República que tenta descartar a poesia é outra. É uma república de mil faces, sob a regência de um deus único e poderoso: o Mercado. Este tem na mídia o espaço específico para o funcionamento de sua lógica, que privilegia a mercadoria, o consumo ou as falsas objetividades, divididas entre a "auto-ajuda" e o entretenimento massificante. Ora, sem valor mercadológico e longe de ser entretenimento ou auto-ajuda, a poesia não cultiva igualdades apaziguadas. Ao contrário, ela devassa discursos, libera diferenças, não pacifica e traz inquietude. Utopia incessante de si mesma, a poesia sopra sobre as repúblicas estáveis do consenso os ventos do dissenso, com que cada poeta dita a própria singularidade. Baudelaire emblematizou essa singularidade na figura do flaneur ou do apache, ou seja, na figura daquele indivíduo que, mesmo fazendo parte da massa urbana padronizada, reconhecia-se único e solidário, ao mesmo tempo. A lição permanente de Baudelaire é esta: no horizonte da poesia não há lugar para a mesmice multiplicada ou repetida. Que todo poeta seja singular e faça a sua diferença!" - numa entrevista ao escritor e jornalista José Castello para "O Estado de São Paulo" em 2001.


Principais Livros de Poemas de Mário Chamie:


* 1955 - Espaço Inaugural
* 1957 - O Lugar
* 1958 - Os Rodízios
* 1962 - Lavra Lavra
* 1963 - Now Tomorrow Mau
* 1967 - Indústria
* 1974 - Planoplenário
* 1977 - Objeto Selvagem
* 1978 - Sábado na Hora da Escuta
* 1986 - A Quinta Parede
* 1993 - Natureza da Coisa
* 1998 - Caravana Contrária
* 2002 - Horizonte de Esgrimas.


Principais Livros de Ensaios de Chamie:

- Intertexto - 1970;
- ATransgressão do Texto - 1972;
- Instauração Praxis - 1974;
- A palavra inscrita - 2004.





POEMAS DE MÁRIO CHAMIE



CERTO ANTÔNIO CONSELHEIRO


Cândido. O Antônio das mortes
conselheiras
não é antes de tudo
um forte.
Carregado de frases
e paráfrases,
suas alheias ideias
presas
avançam às avessas
com as lesmas
de suas próprias mortas
letras.
É brando
o antônio destas mortes
sorrateiras
com as armas e as prisões
assinaladas na colméia
de outras tantas presas
ideias alheias.

Mais que brando
é cândido
esse antônio das mortes
sertanejas,
quando
de chicote na algibeira
abate,
sob patas e alpercatas
de sua igreja acadêmica,
o corpo santo da controvérsia
seja nas gueras
de sua lisonja lisonjeira,
seja
contra a teia e a trama,
a aranha e a areia
de outras suas medianas
frases feitas.

Não é antes de tudo
um forte
esse antônio de mortes
tão anêmicas.
Nessa esteira
de tantas outras
mortas letras,
avança sombranceiro
para trás,
sorrateiro capataz
das mesmas lentas lesmas
de suas alheias ideias caranguejas.


***


FORCA NA FORÇA


a palavra na boca

na boca a palavra: força

a força da palavra força

a palavra rolha fofa



a rolha fofa sem força

a palavra em folha solta



a força da palavra forca

a palavra de boca em boca



na boca a palavra forca

a palavra e sua força


***


RODÍZIO DO CORPO




Dia. A avenida jaz num leito

quando sou inerte neste reino

de dormir. Pedra sobre pedra,

seus andores duram em terra

e são chamados casa, edifício.

Movo os olhos e contudo rijo

meu corpo imóvel nunca leva

às duras alamedas graça aérea.

Necessário que o físico (cabeça,

feixe de ossos e ágeis peças)

permaneça rodízio senão moto-

­contínuo onde ruas sejam o foco

de luz na sombra e vice-versa.



Eis mover. O movimento humano

das coisas que animo, se amamos.


***


Para ler mais:

- Biografia do poeta Mário Chamie: http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1rio_Chamie
- Entrevista concedida a José Castello: http://www.revista.agulha.nom.br/disseram36.html


***


Ilustrações: 1- foto do poeta Mário Chamie; 2- foto da capa do livro "Caravana Contrária", de Chamie; 3- "Forças da Natureza" de Di Cavalcanti.
***

Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve quinzenalmente às segundas-feiras no ContemporARTES a coluna "Poesia Comovida" e conta com participação eventual de colaboradores especiais.

0 comentários:

Postar um comentário

Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.