sábado, 20 de agosto de 2011

Algumas considerações sobre a poética de Fernando Pessoa, através de "Isto"



Fernando Pessoa é conhecido como o poeta do pensamento. A emoção para ele nada mais é do que algo pensado, destituída de si própria. O próprio Pessoa declara: “O que em mim sente ‘stá pensando”. Isso porque de acordo com Moisés (1998) o grau da poesia de Pessoa é aquele em que o poeta, por causa da sua alta intelectualidade e do seu valor imaginativo, entra em processo de despersonalização, processo em que ele passa a “viver os estados da alma que não tem diretamente” (MOISES, 1998, p.21).

“Pessoa não consegue render-se à emoção pura, destituída de pensamento (...) o pensamento da emoção, como se experimentá-la consistisse em detectar as sombras de um corpo que desvelasse a medida em que vencêssemos a obscuridade que projeta e o que encobre” (MOISES, 1998, p.19).

Para ele, as sensações devem ser valorizadas e sentidas, mesmo que seja um “falso sentimento”, um sentimento ou sensação que ele procura imaginar.

“Dizem que finjo ou minto
Tudo o que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação”

Este fragmento do poema “Isto”, nos parece uma resposta a uma crítica sofrida pelo autor, crítica esta em que dizem que ele finge e mente tudo que escreve. Ao dizer que “Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação”, Pessoa postula que, ao escrever, ele não está mentindo, que seu sentimento provém da imaginação. Ele somente pensa em determinadas situações que não viveu ou que não pode viver em detrimento de outras e busca através do pensamento senti-las. O pensamento já é o bastante para que viver todas as situações que desejar.
Nos cinco versos posteriores o autor diz:

“Tudo  que sonho ou passo,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa que é linda”

Essa coisa linda a que Pessoa se refere nada mais é que a consequência de sua imaginação, a transfiguração da arte que ele opera através da imaginação. Ele, ao comparar o terraço com o que sonha ou passa, simboliza a realidade bela e exuberante que se esconde por trás das coisas que nunca imaginamos. Não se imagina que atrás de uma coisa insignificante possa haver realidades de um mundo maior. O poeta parece nos oferecer a ideia de que em toda sua imaginação está contida a essência da poesia do pensamento, a busca através do pensamento de algo maior, que pode estar contido em algum lugar inesperado. A impressão que temos é a de que o poeta inventa tudo: a emoção, o pensamento, os objetos que relata; mas no fundo, tudo o que ele relata nada mais é do que um fingir, até para si próprio; fingir emoções e sensações para que vivê-las em seus pensamentos.

“ Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
livre do meu enleio,
sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!

Ao dizer que escreve “em meio do que está ao pé”, ele parece nos dizer que escreve através de coisas, de sentimentos que não se pode alcançar facilmente, essas coisas que não estão ao pé são os próprios pensamentos, a própria poesia do autor que é desprovida de pensamentos e de sensações pelas quais ele já tenha passado, ele se concentra num mundo totalmente intelectualizado, quase impossível  de ser alcançado.

 Ao dizer “Sentir? Sinta quem lê!”, podemos notar que o autor está a dar a resposta, de forma irônica, em relação ao primeiro parágrafo em que diz: “Dizem que finjo ou minto tudo o que escrevo”. Para ele, não importa o sentir, que sinta então o leitor apreciador da sua poesia, apreciador do sentimento expresso nela, é o único que poderá sentir o texto, mesmo que a finalidade deste não seja a de ser sentido.

“O próprio poeta diz não lhe interessar mais o sentir.” Quando ele começa a pensar, o sentimento se esvai e o que resta a ele é somente se dividir, multiplicar as possibilidades do pensar a emoção. Com essa destituição do sentir o poeta perdeu não só a emoção diante das coisas, mas a própria identidade, talvez, por causa disso, nunca descobriremos o que pensava ou se existia um verdadeiro Fernando Pessoa (MOISES, 1998, p.23- 24).

 Pessoa, em sua poesia, rejeita o sentimentalismo, esse fato fez com que houvesse uma revolução em toda poesia portuguesa, principalmente pelo fato de o poeta entrar em plena despersonalização, não só a sentir, mas também vivendo os estados da alma que não possui diretamente. Ele faculta a seu texto expor diretamente o que desejar, suas ideias provêm da imaginação, que faz com que seja extremamente criativo (MOISES, 1998­­).

Referências:
MOISÉS, Massaud. .A Literatura Portuguesa. 19 Ed. São Paulo: Cultrix, 1998, p.235 – 254.
 Isto. In: PESSOA, Fernando. Obra poética: volume único. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007, p. 165.

Rodrigo C. M. Machado é Mestrando em Letras, com ênfase em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Viçosa.

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