quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Sobre a transgressão da representação: fotografia de Auschwitz




Ao se observar registros fotográficos e imagéticos sobre a II Guerra Mundial, em especial fotografias referentes ao holocausto, questiona-se o status de veracidade de tal registro analisando a relação com a(s) memória(s) relacionada(s) a tais acontecimentos. Porém, não há como negar a convergência entre os dois conceitos: fotografia e memória.  Entende-se que, embora circulem sob diferentes teias de representações, a primeira que guarda o potencial de fixar o passado, a segunda, envolvida no véu subjetivo e impreciso da lembrança, representada em sua dimensão nebulosa e afetiva, têm mais semelhanças do que poderia se imaginar.



Essa foto registra (acima) a entrada do campo de concentração de Auschwitz, hoje museu.  Também é uma foto muito divulgada e sua força imagética está principalmente na inscrição em ferro “Arbeit macht frei”- que traduzida significa, “Só o trabalho liberta”.
Registra-se a circulação de visitantes em um gélido dia. Fica-se evidente o contraste entre o branco da neve e o negro da placa e da roupa das pessoas: a morte, aqui, encontra sua representação no frio, na ordem gravada em ferro e no isolamento. Estima-se que um milhão de pessoas – judeus, ciganos entre outros - foi morta nesse campo.
A inscrição é bastante contraditória, pois se refere à liberdade, palavra com uma expressiva força semântica em países ocidentais principalmente os marcados pelos ideais da revolução francesa – igualdade, fraternidade e liberdade. Ainda que associada ao trabalho fica o estranhamento de seu uso para descrever um local onde milhares de pessoas foram prisioneiras, sofreram toda a sorte de experiências médicas antiéticas e foram mortas em câmaras de gás, além de serem também vítimas de trabalho escravo compulsório. Utilizando o conceito de representação analisado por Chartier, a contradição entre representação e referente da palavra liberdade se faz, nesse caso por transgressão, ou seja, a liberdade representa de forma desviante o que aconteceu no campo. São amplamente conhecidas as atrocidades lá perpetradas de modo que existe atualmente o uso da palavra Auschwitz como sinônimo de extermínio. Assim, no caso a inscrição “só o trabalho liberta” representa nesse caso o seu oposto, que a liberdade, nesse caso, é sinônimo de confinamento, exclusão e morte.
Chartier , utilizando os pressupostos de Port Royal, identifica duas condições necessárias para que a relação entre imagem e objeto ausente (representação e referente) seja inteligível: o conhecimento do signo como signo, no seu desvio em relação à coisa significada, e a existência de convenções regulando a relação do signo com a coisa. Nesse caso em específico, as duas condições são dadas: há uma considerável circulação de signos sobre o que seria a realidade do holocausto e a representação da liberdade associada a isso aparece em um sentido irônico, o que causa o choque e explica em parte a grande difusão de tal imagem atualmente.


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RADAR CONTEMPORARTES






Amanhã começa o I Simpósio de Pós Graduandos em História Social da Universidade Severino Sombra (USS-RJ). Estarei presente e coordenarei uma mesa junto ao meu orientando André Mattos.

Mais informações

Mesa XV - 24 e 25/08 - 15h
Memória e identidades nos espaços urbanos

Coordenador: André Mattos (USS)
Debatedora: Profª Dra. Ana Maria Dietrich (UFABC)

O presente Simpósio objetiva fomentar análises historiográficas numa perspectiva interdisciplinar, que reflitam os processos e estratégias de apropriação e utilização dos espaços urbanos e seus reflexos na formação e afirmação da identidade dos indivíduos em seus grupos de relação. Os espaços urbanos neste são entendidos como lugares de lembrança relacionados a todas as representações a estes associadas, sejam pelas histórias de vidas, sejam pelos monumentos arquitetônicos; entendendo memória como o conjunto de lembranças preservadas e esquecidas de um indivíduo ou de uma coletividade, estando em um processo contínuo de construção e reconstrução. Fatos e paisagens, espaços urbanos de relação, desaparecem no esquecimento (transformados, substituídos) quando não existe interesse em rememorá-los por perda de valor para determinado grupo ou coletividade.
Desta maneira estarão em discussão as relações de poder e resistência causadora de embates sociais diversos. “A reflexão acerca dos conflitos sociais... tem no exame da construção e reconstrução da memória social e da identidade um suporte extremamente valioso”, tendo, tanto a memória quanto a identidade, papeis fundamentais, entendidos ao mesmo tempo, como “local de controle e resistência, palco de práticas de homogeneização e lugar de afirmação da diferença... Assim, pensar as formas de elaboração da memória e dos processos identitários – [nos espaços urbanos de relação] é lançar luz, de uma perspectiva particular, sobre o conflito social, seus discursos e suas práticas, construídos social e historicamente”.

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Aproveitando a oportunidade de estar em Vassouras, ministrarei uma oficina gratuita sobre Oralidades.
Mais informações abaixo:





Sobre extremismos e afins...
veja mais em minha coluna no Jornal O Dia de Jaú (SP)






Ana Maria Dietrich é professora adjuntado Bacharelado de Ciências e Humanidades da Universidade Federal do ABC e coordenadora da Contemporartes - Revista de Difusão Cultural junto a Rodrigo Machado.



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