terça-feira, 30 de agosto de 2011

A VOLTA DA CEGONHA




Houve apenas um disparo e a cegonha caiu ferida na asa. Não foi apanhada pelo caçador porque um homem bom a socorreu primeiro. Dela cuidou até que o ferimento desaparecesse, mas ela ficou inválida para voar. Seu parceiro, a fiel cegonha com quem viajava todos os anos da Croácia até a África do norte, ficou atordoado com a nova situação. Sabia que o inverno o aniquilaria. Não tinha entendimento de que o bicho-homem que a aprisionou cuidaria dela no inverno e faria um novo ninho a cada primavera. Assim, com o peso da mão da mãe natureza, se foi em busca de sobrevivência em outro continente, atravessando 13 mil quilômetros de intempéries e desafios.

Mas voltou. Voltou e procurou por ela, sua Malene, sua cegonha esposa, que ficara para trás um ano antes. E quando a encontrou, jubilando de alegria, a ela se aninhou, e dela cuidou, trazendo alimento, cobrindo-a com seu calor, cuidando dos ovos e caçando para os filhotes, sem ela.

Há nove anos essa história se repete. Ela espera. Ele volta. Ele cuida dela. Ela alimenta-o de amor. Eles procriam. E quando a hora chega, ele parte e ela se recolhe.  Enquanto isso, pessoas procuram por pares e, ano após ano, enfeitam ninhos e ensaiam danças com suas asas coloridas. Esquecem que uma cegonha é apenas mais uma cegonha; que nada pode ser comprado ou simulado para atrair um parceiro de volta após um inverno cortante, senão a união de almas; que, como o vento, o amor somente é visível aos olhos do coração; que o amor verdadeiro é mais forte que toda e qualquer dificuldade; que é na hora da doença que se descobre o quanto somos amados – não nas horas de verão e fartura. Nessas horas, muitas cegonhas se aproximam. Mas somente uma será a escolhida e insubstituível.

Após ensinar os filhotes a voar, sob a observação da atenta cegonha mãe, o pai, Rodan, os guiará até a África. Ela, Malena, mãe, novamente sozinha, padece da maior dor do mundo, a de ser prisioneira da crueldade humana. Impossibilitada de cuidar da prole, chorará a despedida até perdê-los de vista.


Até quando o homem será a maior das bestas, aquela que caça por prazer de comer sem fome, ou para apreciar uma bela espécie tristemente vivendo sem liberdade, ou, ainda, para observar o sofrimento de um ser vivo?


Simone Alves Pedersen nasceu em São Caetano do Sul e hoje mora em Vinhedo, SP. Formada em Direito, participa há três anos de concursos literários, tendo conquistado inúmeros prêmios no Brasil e no exterior. Tem textos publicados em dezenas de antologias de contos, crônicas e poesias. Escreve para jornal, revista e diversos blogs literários. Escreveu o primeiro livro infantil em 2008, o “Vila felina” seguido de Conde Van Pirado, Vila Encantada, Sara e os óculos mágicos, Coleção Pápum e Coleção Fuá. Para adultos lançou “Fragmentos & Estilhaços” e “Colcha de Retalhos” com poemas, crônicas e contos: http://www.simonealvespedersen.blogspot.com

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