quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O Juízo Final de Lars Von Trier: “Melancolia” resolve os conflitos exterminando a humanidade


O planeta Melancolia.

No lugar de alienígenas que explodem a Terra ou de sobreviventes que andam se arrastando sujos e maltrapilhos em cenários insípidos, Lars Von Trier nos presenteia com duas belas mulheres (Kirsten Dunst e Charlotte Gainsbourg) as irmãs Justine e Claire, para levar-nos de forma incisiva ao “fim os tempos”. Lars explorou a sensualidade, o corpo nu e o olhar de Kirsten Dunst para construir Justine; linda, talentosa, bem empregada e prestes a se casar com um homem que a ama. De Charlotte Gainsbourg, o diretor explorou a delicadeza, a fragilidade e a meiguice, características estampadas nas feições de Claire. As duas personagens protagonizam a história trazendo uma oposição interessante à trama. Claire, por ser mais velha e casada com um homem muito rico, tenta cuidar de Justine, que parece frágil e inconseqüente. Nada mal para nós, espectadores, irmos ao encontro do fim do mundo acompanhados destas duas estrelas e ainda ter a oportunidade de vivenciá-lo num cenário amplo, com belas paisagens que circundam a mansão de Claire, lugar onde ocorre a maior parte das cenas. Tudo parece muito perfeito para Von Trier que, como sempre, zomba da burguesia e expõe as relações familiares com ironia e vigor. Aqui não é diferente, a beleza resvala na hipocrisia, na dor e na melancolia do ser. 

A bela Kirsten Dunst como Justine
Charlotte Gainsbourg como Claire

Protegidos pela fantasia 
A escolha deste lugar afastado do povoado, das metrópoles e sem qualquer intromissão midiática (raramente INTERNET), contribui muito para dar a “Melancolia” uma atmosfera de sonho, isolamento e algo de atemporal. Como numa historia infantil de contos de fadas, “Melancolia” nos remete a um tempo qualquer, em um lugar qualquer no meio do nada, em que o tempo caminha devagar e onde a rotina é sempre acompanhada de momentos de contemplação. Alias contemplar é a palavra do filme. Olhar atento as coisas, as relações, o céu, as paisagens e para nós mesmos.
O filme é composto por um Prólogo e duas partes, sendo uma dedicada a  Justine e outra a Claire. Logo no Prólogo é possível perceber que as belas imagens em câmera lenta, que se assemelham as pinturas de Rossetti (pintor pré-rafaelista), possuem algo de dantesco ao se moverem com dificuldade na imensidão da linda paisagem, sentimos logo que o filme irá explorar a contemplação. Nestas imagens, Justine aparece linda, de noiva, tentando caminhar na paisagem imensa e insólita, vencendo lentamente as cordas escuras e emaranhadas que repuxam seus passos. Desperta-se uma sensação de morbidez, que se completa com a cena da noiva imergindo em águas. A sensação de beleza é mesclada ao sentimento de perda e finitude, sugerindo dor, tristeza e melancolia. 


Justine corre para se libertar das amarras 
“Melancolia” não é, em tese, um filme sobre o fim do mundo. Não é essencialmente fatalista, pois está recheado de questões que abrangem as relações humanas, como a família e o trabalho, tendo como foco o sofrimento humanitário de todos, sejam eles ricos, pobres, bonitos ou feios, todos são igualados por esta essência humanitária que parece maior, muito mais relevante que o próprio fim do mundo.
É evidente que Lars faz referência a “Festa em Família” (1995) de Thomas Vinterberg, seu companheiro no Dogma 95, para tocar e discutir  sentimentos como hipocrisia, covardia, ciúmes e mesquinhez, ilustrados como um rejunte às avessas das relações familiares. São pessoas ligadas por algum sentimento, nem que seja o mais execrável deles. De forma complementar, Von Trier trata da esfera do trabalho, ressaltando o domínio hierárquico e calculista que o mesmo impõe ao individuo.
Justine entregue ao planeta Melancolia
Justine, linda e deslumbrante em seu casamento é acometida por uma supra consciência que a faz pensar e rever seu posicionamento mediante o mundo, enquanto Claire admite que a família, seu marido rico e o seu lindo filho, poderão lhe orientar e lhe dar segurança para continuar sem pensar muito sobre si mesma e seus medos. Outros personagens colaboram com a trama, representando a covardia, a indiferença e o desencantamento. A hipocrisia é um traço forte de John (Kiefer Sutherland), a indiferença está em Dexter (John Hurt) e o desencantamento em Gabi (Charlotte Rampling). Como numa “Commedia dell’Arte”, Von Trier traça o perfil dos personagens sem receio de parecerem chapados ou superficiais pois seus sentimentos são extremamente autênticos. Lembrei-me de Fellini e de Almodóvar, ambos possuem esta mesma maneira, este mesmo movimento caricato em direção ao personagem. Execução de extrema maestria. 
No dia de seu casamento Justine encontra no céu,  Melancolia 
Imagens de sonho lembram as pinturas pré-rafaelistas. A imensidão do universo perante a fragilidade humana
Algumas cenas me emocionaram muito como a que Claire delicadamente tenta convencer Justine, em extrema depressão, a entrar na banheira para banhar-se.  Justine tenta mas, num momento de extrema fraqueza, se recusa e solta o corpo devagar e um grito débil de dor sai quase sem propósito de dentro do seu ser. Outra cena que me tocou foi a da limusine branca, enorme, perfeita entalada nas alamedas lindas e floridas do caminho por onde Justine e seu recém marido precisam passar.
As imagens de “Melancolia” são fortes, representativas e amarradas pela musicalidade de partes da ópera “Tristão e Isolda” de Wagner. A escolha desta Trilha Sonora fortaleceu a dramaticidade do filme. Confesso que o filme me emocionou pela grandiosidade das imagens, pela interpretação dos atores e pela sensibilidade de Von Trier em não condenar apenas um ou outro personagem, mas sim a todos.
O sofrimento extremo sofrido por Selma Jekzova (Björn), personagem de “Dançando no Escuro” (2000)  punida duramente por tentar salvar o filho da cegueira, é incomensurável. Para ela lhe sobrou apenas a sentença de morte. Grace (Nicole Kidman)  em “Dogville” (2003), sofre muito por se doar sem limites, ela é punida duramente pelos atos de extrema bondade. Em “Melancolia”, Lars é mais democrático com o sofrimento, pois condena a todos à pena de morte. O que fica do filme pra mim: O extermínio da humanidade, da forma como Lars pressupôs, seria um lindo presente do Universo - do Planeta Azul Melancolia.
O fim dos tempos



“Nove dias antes de sua morte, Emmanuel Kant recebeu a visita de seu médico. Velho, doente e quase cego, levantou-se da cadeira e ficou de pé, tremendo de fraqueza e murmurando palavras ininteligíveis. Finalmente, seu fiel acompanhante compreendeu que ele não se sentaria antes que sua visita o fizesse. Este assim fez e só então Kant deixou-se levar para sua cadeira e, depois de recobrar um pouco as forças disse: “Das Gefühl für Humanität , hat mich noch nicht verlassen” _ ‘O senso de humanidade ainda não me deixou’” (PANOSFSKY, 2001:20,21).
Leandro Daniel (Musseque)
Para Leandro Daniel , Melancolia está em forma de poesia.
Poesia realizada após assitir o filme

"Melancolia"

Melancolia

Em instantes repetitivos
selados por passos desconhecidos
uma gama de personagens posta-se
em volta
de volta
em círculos concêntricos

FúriaDecepçãoAutopuniçãoRancorDorFatalismoMelancolia


cada vez mais próximos de si
em laço de forca
vão de encontro ao pescoço macio
destruir a traquéia e cessar a fala
causando uma embolia externa
um cérebro desoxigenado
um coração petrificado pelo veneno
composto de enzimas

Sentimentos que combinam um encontro
no fundo do poço
que atravessa a superfície material
e aloja-se na caverna da alma

 quando comunarem-se
nesse infame local
gerarão certezas, teses, antíteses
e em uma síntese magnânima
deliberarão pela destruição
 que findará a idéia de tudo que existe
Protestos?
As vozes vão ficando cada vez mais longe
silenciando em pensamentos
inúteis

ver mais poesias de Leo Musseque:   http://musseque.blogspot.com/

 Bom Filme!!!!!! Vale muito, muito a pena conferir "Melancolia"



Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO, na FPA no Curso de Artes Visuais e na UNIP nos Cursos de Comunicação. É integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.


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