sábado, 15 de outubro de 2011

Poesia e Música: o ser humano revelado



Olá companheiros de leitura! Ao pensar sobre o que escrever essa semana para a coluna “Escritos contemporâneos”, confesso que muitas ideias sobrevieram à minha mente. No entanto, passaram por mim, como o vento que beija nossos cabelos em uma tarde de verão.

Percebi que eu ainda não havia dado o valor merecido a uma das Artes que julgo mais belas, a música. Há vários tipos de músicos, canções, assim como de literatura. Se pensarmos atentamente entre uma possível relação existente entre as letras das canções que escutamos no rádio, na TV, no computador e a poesia intuitivamente vislumbraremos uma aproximação tão grande, a ponto de confundirmos as duas artes. O que diferencia a música da literatura, ou melhor, o que as aproxima?


Uma diferença interessante entre essas expressões artísticas é que a canção, não necessariamente necessita de uma letra a ser cantada, pode ser elaborada com o aspecto instrumental. Há várias divisões existentes em relação à Canção, como também à poesia. Em relação ao primeiro deles, destacamos: hino, balada, cântico, canção folclórica, canto gregoriano, canção de ninar, madrigal, canção popular, entre outras; Já na lírica encontramos sonetos, poemas em prosa, ode, sátira, idílio, elegia... Ambas possuem elementos em comum como a preocupação estética, o ritmo, rima, aliterações, assonâncias, discurso fragmentado, ambíguo, multideterminado.

A lírica, em sua gênese, era composta para ser cantada com acompanhamento de um instrumento chamado Lira. Os poetas compunham a fim de cantar a poesia que vislumbravam no mundo e também com intuito de difundir sua Arte, uma vez que apenas uma pequena parte da população era alfabetizada, utilizando a oralidade para  que a palavra permanecesse. Com o surgimento da escrita e sua difusão, o ser humano passou a, quase que exclusivamente, escrever seus poemas, relegando o cantar a um segundo plano.

O grande poeta de Língua Portuguesa, Camões, escreveu tanto poemas líricos, quanto canções belíssimas. Vejamos um estrofe da canção II camoniana (outras canções desse poeta podem ser acessadas aqui):

Se este meu pensamento,
como é, doce e suave,
de alma pudesse vir gritando fora,
mostrando seu tormento
cruel, áspero e grave,
diante de vós só, minha Senhora,
pudera ser que agora
o vosso peito duro
tornara manso e brando.
E eu que sempre ando
pássaro solitário, humilde, escuro,
tornado um cisne puro,
brando e sonoro pelo ar voando,
com canto manifesto,
pintara meu tormento e vosso gesto.

O ser humano utiliza a canção para variados fins como expressar o amor por alguém ou algo, apresentar o descontentamento com alguma situação, denunciar algo, dentre muitas outras coisas. É interessante notar como é abrangente a finalidade da canção. Ontem, ao acordar, escutei uma música de Vanessa da Mata (para mim uma das melhores cantoras e compositoras brasileiras) que com seu tom humorístico, denuncia o contexto contemporâneo de consumismo desenfreado. Tal música tem como título “Bolsa de Grife”:
Comprei uma bolsa de grife
Mas ouçam que cara de pau.
Ela disse que ia me dar amor
Acreditei, que horror
Ela disse que ia me curar a gripe
Desconfiei, mas comprei
Comprei a bolsa cara pra me curar do mal
Ela disse que me curava o fogo
Achei que era normal
Ela disse que gritava e pedia socorro
Achei natural

Ainda tenho a angústia e a sede
A solidão, a gripe e a dor
E a sensação de muita tolice
Nas prestações que eu pago
Pela tal bolsa de grife

Nem pensei
Impulso
Pra sanar um momento
Silenciar barulhos.
Me esqueci de respirar
Um, dois, três
Eu paro
Hoje sei que tenho tudo
Será?
Escrevi em meu colar
Dentro há o que procuro

Meu amigo comprou um carro
Para se curar do mal

A artista quando foi perguntada sobre o conteúdo da letra musical, disse que gostaria mesmo de retratar o consumismo humano, a necessidade que as pessoas têm de comprar para sentirem-se bem. É realmente isso que a letra musical nos passa após sua leitura. Ela aponta para o caráter supérfluo de comprar em que nos embrenhamos a cada dia em busca de sentimentos  que nos satisfaçam mental e corporalmente.

Tanto a música quanto a poesia são importantes maneiras de revelar a percepção humana de mundo, a memória cultural na qual as pessoas viveram e vivem. Enfim, são formas artísticas que além de agradar a olhos e ouvidos, tornam a todos mais críticos e perspicazes.





Rodrigo C. M. Machado é Mestrando em Letras, com ênfase em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Viçosa.

1 comentários:

Ciro disse...

Se é preciso um artista para criar uma poesia, um maior ainda é preciso para fazer dela música. Mas sem dúvida, quando isso acontece, tanto os amantes de música, quanto os de poesia são beneficiados.

15 de outubro de 2011 às 10:44

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