quinta-feira, 13 de outubro de 2011

São Paulo em Cena III – O RAP em SP


Este “São Paulo em Cena III” foi dedicado exclusivamente ao RAP, o ritmo e a poesia na toada de SP. O discurso sonoro surge com letras musicais que soam como manifestos embalados por ritmos bem marcados que são comandados por uma dupla composta pelo DJ  (efeitos sonoros e mixagens) e MCs (rimas cantadas).  O som que veio da periferia, de bairros pobres de Nova Iorque e se expandiu para subúrbios de outras metrópoles, chegou ao Brasil na década de 1980 sob os olhares desconfiados dos músicos e de todos seres que sentiam neste gênero a maldição do crime, da pobreza, da miséria e da escória da sociedade. O RAP elucida e sustenta um certo desconforto ao explicitar o abismo gerado pela estratificação social que fortalece a cada instante a máxima sartreana; “O inferno são os Outros”.  O “ver pra crer”, o testemunho do outro ou de si próprio é "a real". O que acontece longe dos olhos e portanto longe do coração não pode ser  "a real".  O RAP tem como compromisso levar o drama pra perto dos olhos e do coração.  Numa exaltação da auto-estima,  a manifestação da dor  também pode ser transformada em alegria, festa e protesto. O RAP abre os olhos e os ouvidos de todos para que, na "correria" do dia-a-dia, possam crer naquilo que  pensavam nunca precisarem ver.

Um dos primeiros LPs de RAP Nacional, fins de 1980  

HIP HOP em letras de TAG - forma de assinaturas dos grafiteiros
Minha experiência com o RAP aconteceu via filho e sobrinho, apreciadores  do movimento. Quando adolescentes grafitavam, cantavam e freqüentavam eventos do gênero. Nunca vou me esquecer a cena: eu na praça da Paz, no Ibirapuera, lotada vendo Thaide e DJ Hum, viajando .... vestida com uma camiseta da Janis Joplin num Show de RAP.... Coisas da vida.... 
Então, nada melhor do que ele, Leandro Daniel, meu filho, para contar um pouco sobre o RAP e  rappers de SP.

"Os gemeos", grafiteiros de SP - Dos muros para  o MASP 
Tudo começou em fins dos 1980. Era efervescência musical do funk e do som que rolava nos States: África Bambaataa, Grand Master Flash, Run DMC, Public Enemy. Essa cena que vinha de fora alimentava os pioneiros do Rap em Sampa. O movimento hip-hop como um todo criava suas raízes nesse chão de asfalto. São Bento era o pico. Dançarinos breakers (chamados b boys) giravam no chão e se trançavam no locking, misturados com os mcs, djs e grafiteiros de plantão.

Racionais MCs
Nelson Triunfo dançando na rua 24 de Maio

Gentes das periferias da ZL, ZS, ZN, ZO se encontrando no centro! Nasceu assim  o relacionamento! Seja na mensagem de protesto, seja cantando o rolê ou nas crônicas do dia a dia, o rap, gestado nas periferias de SP, mostrou que vinha pra ficar. Thaide e DJ Hum são um dos grandes ícones desse início, assim como Nelson Triunfo, Sistema Negro, Racionais Mcs e Possemente Zulu. Os primeiros Lps, bolachas (pra felicidade dos DJs nos scratches), como a coletânea “Consciência Black I”, já traziam um RAP de pegada, acertando a jugular dos que desacreditavam do movimento. A grande revelação foi um grupo chamado Racionais Mc’s, que hoje dispensa apresentações. Importante notar que o RAP era a única voz que relatava o cotidiano das periferias que, apesar de sua grandeza, viviam excluídas na sociedade paulistana.


Nos anos 90 houve uma profusão de grupos, de todos os cantos de SP. Alguns nomes como Visão de Rua, RZO (clipe acima), Consciência Humana, Realidade Cruel, DMN, RPW, 509-E, Facção Central provaram que era um caminho sem volta a epidemia do RAP. Foi no fim dessa década que comecei a acompanhar essa cena. Foi também quando ia à Galeria, que muitos diziam do rock, mas suas bases estavam no RAP, no valoroso subsolo. Cabeleireiros, lojas de roupas, CDs e vídeos, e com a freqüentação da fina flor dos adeptos desse estilo de vida. 

Sabotage

Cresceu o rap nas rádios, na noite, nas periferias, no centro. Uma verdadeira organização, manifestos em forma de música afirmavam a identidade da galera das quebradas. Vale lembrar que foi nessa década que as taxas de homicídio atingiram índices elevados nas periferias de SP; e lá estava o Rap (juntamente com o hip-hop) para denunciar essa situação e mostrar que aquelas pessoas tinham muito a dizer. Como dizia Mano Brown na música Capitulo 4, Versículo 3, “27 anos contrariando as estatísticas”, seguiu rimando a realidade.


Já nos anos 2000 o processo de fortificação e amplitude do RAP só aumentou. Viu-se surgir na cidade uma vertente mais ligada às batalhas de Mc’s, que ousavam nas rimas, não tão ligadas a temas sociais, e na produção das bases. Artistas como Kamau, SpFunk, 5º Andar, e já atualmente Emicida, Rashid, Flora Matos, somaram as forças já sem limites do RAP paulistano.

Flora Matos

Hoje não se pode falar de SP, sem falar “mano”, “quebrada”, “fita”, “é nóis” e muitas outras expressões que se fundiram na fala dos paulistanos. O RAP hoje tá no VMB da MTV, tá no Faustão, no Roda Viva, nos ouvidos e corpos dos seres noturnos de São Paulo. Mas ele não esquece de onde veio, e de todos aqueles nomes que afirmaram o RAP não só como um estilo musical, mas um estilo de vida.

Criolo 


Pra finalizar vou deixar uma letra aqui (novo hino!) do artista Criolo Doido, um cara que está há muitos anos na ativa e representa bem o que é o RAP paulistano: movimento, ponte de ligação, manifesto, diversidade.

Aproveitem os clipes e as mensagens que valem muitos quilates!


Não Existe Amor em SP

Não existe amor em SP

Um labirinto místico

Onde os grafites gritam

Não dá pra descrever

Numa linda frase

De um postal tão doce

Cuidado com doce

São Paulo é um buquê

Buquês são flores mortas

Num lindo arranjo

Arranjo lindo feito pra você
Não existe amor em SP

Os bares estão cheios de almas tão vazias

A ganância vibra, a vaidade excita

Devolva minha vida e morra afogada em seu próprio mar de fel

Aqui ninguém vai pro céu
Não precisa morrer pra ver Deus
Não precisa sofrer pra saber o que é melhor pra você
Encontro duas nuvens em cada escombro, em cada esquina
Me dê um gole de vida
Não precisa morrer pra ver Deus

Até a próxima,  assitam os videos, 
e descubram os encantos do RAP em SP,
Bjs a todos,
Katia e Leo


Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.
 Leandro Daniel é formado em Ciencias Sociais pela USP e cursa Relações Internacionais na Unifesp. Paticipou do Nucleo de Estudos em História Oral - NEHO/USP e realizou atividades no Núcleo de Estudos da Violência-USP. 



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