quinta-feira, 24 de novembro de 2011

“A Pele que habito” de Almodóvar, traz o conflito do outro em sua própria pele.




Sensações à flor da pele. Corpo como objeto de apreciação, desejo, possessão. Cárcere que guarda de forma asséptica um corpo aprisionado pelos desejos oprimidos do outro. Pele perfeita, indestrutível, objeto precioso, resultado de anos de experiências proibidas com transgênicos. O voyeurismo é o único contato permitido com este corpo esculpido,  alvo e macio no qual habita um outro ser; escondido, perdido e amedrontado. “A Pele que Habito” de Almodóvar está em cartaz nos cinemas do Brasil mostrando o lado clean do diretor espanhol.
 O filme é uma releitura do livro “Tarântula” do romancista francês Thierry Jonquet que faleceu em 2009. Antonio Banderas está impecável no papel de Robert Ledgard, um cirurgião plástico  obcecado pela perfeição.

Almodóvar, genial, conserva a submissão e o encarceramento vividos pela personagem principal do livro mas subverte a história ao discutir  a identidade do ser humano e a sua impermeabilidade gerada por traumas sociais. Numa mistura de Frankenstein e  Pigmaleão, “A pele que Habito” traz à tona um conflito identitário do ter e ser; ter um corpo perfeito, construído pelo outro,  mas que é habitado por um ser seu, desconhecido. Até que ponto o criador tem domínio da criatura? A submissão é incurável? Penso na relação das personagens Luck e Pozzò, em "Esperando Godot" de Beckett, a submissão e a escravidão estão acompanhadas da fragilidade. Fragilidade que gera medo, medo que gera passividade e dor.
Corrente simbiótica encontradas nas relações de poder.

A construção do meu corpo pelo outro
O criador e a criatura
Um lugar asséptico para o corpo habitar
Vera (Elena Anaya) e Marília (Marisa Paredes)
Esta discussão perpassa pelo desejo, pela sexualidade e pela prisão que o comportamento sociabilizante exige do corpo, submetendo-o a signos construídos por entidades de fora dele, por preceitos dogmáticos preconcebidos e pressupostos. Mesmo com muita seriedade ao questionar o ser, Almodóvar não abandona seu estilo. É possível ver no filme o suspense à la Hitchcock; o voyeurismo, expondo uma realidade diegética da sociedade do espetáculo, o sadismo leve e irônico e os costumeiros estupros cômicos e sem importância, que muitas vezes nem são consumados como tal.

Kika em "o estrupo inconsistente"
Áta-me e por favor, não desate-me jamais
Momento de descobrimento da sexualidade é interrompido pelo padre em "Má Educação". Trauma e violação.

Lembro-me de “Kika”, 1993, outro filme do diretor que mostra um estupro pouco convincente transmitido em uma Rede Nacional de televisão por Andrea Caracortada, uma jornalista de um reality show que anda com uma câmera de TV sobre sua cabeça para filmar as bizarrices do dia-a-dia. Paul Buzzo, um ator pornô, passa horas na cama com  Kika em um ato interminável de estupro (inconsistência de consumação). Já em “Ata-me”, 1989, Rick, recém saído do hospital psiquiátrico, vai atrás de sua ex-namorada, Marina Osório, em seu apartamento; amarra-a para fazer um pedido de casamento desejando que seja mãe de seus filhos. Em “A Pele que Habito”, os estupros são definitivos pois realinham a história, desde o não realizado até o leve e cômico praticado pelo perverso Tigrão. 

Zeca, criado na Bahia, fala português com sotaque espanhol ( Roberto Álamo )
O personagem Zeca aparece para gerar  um grande ponto de virada na trama. Zeca (também conhecido como Tigrão), criado na Bahia,  fala português com um sotaque bem espanhol, momentos impagáveis do filme.
Só em “Má Educação”, Almodóvar coloca o ato de violar o corpo com uma carga traumática e irreversível; dolorido, problemático, traumatizante, àquele sofrido pelo menino na escola de padres e que muda toda a sua vida.

Antonio Banderas e Almodóvar, invensíveis ..... o tempo não apagou essa amorosa e ardente paixão cinematográfica.

Almodóvar e Antonio Banderas estão ótimos. Dupla infalível que leva-nos a momentos de questionamentos com cenas intensas e apaixonantes. Almodóvar mistura melodrama com suspense, comédia e ao mesmo tempo instiga o espectador, derramando sua genialidade superando os gêneros cinematográficos.
Vale muito a pena assistir “A pele que Habito”. Fiquem com o trailer.


Até o próximo filme! 


 Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega. 

3 comentários:

Ed Designer disse...

Muito boa a forma como o assunto e o tema do filme foi abordado e os links com outros filmes de Almodovar... Se eu soubesse de seu blog antes, o teria lido mais cedo rsrs
Saudades de suas aulas no Ceneart e de suas viagens rsrs
Abraço professora!
(Quer saber quem sou? veja meu blog também!)

27 de novembro de 2011 às 23:05
Fanzineviagens disse...

Ed Designer, que legal que gostou, entrei no seu blog e lá está a descrição de vc. Vamos continuar trocando figurinhas.
Abraços

29 de novembro de 2011 às 16:35
Anônimo disse...

OI querida,
bela analise do filme, esse foi um dos que mais gostei do Almodovar, sou fã de carteirinha. parabéns .
beijo.
Jacó

23 de dezembro de 2011 às 10:28

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