Selton Mello dirige e atua em “O Palhaço”
Tenho um carinho especial pelo circo. Quando pequena cheguei a ter medo de palhaço, como muitas crianças, mas superei esta fase. Lembro-me de um fato intrigante que aconteceu quando fui apresentar o “Ciclo Fellini” na PUC SP e um dos filmes exibidos seria “I Clowns”, 1970, de Fellini. Um colega da Bahia, ator clow, teve uma idéia interessante; sair pelo campus da PUC vestido de palhaço, fazendo piadas e chamando os alunos para assistirem o filme de Fellini. Para minha surpresa a maioria dos jovens reagiram com extrema reserva e não entraram nas piadas do colega que estava impecável como palhaço. Muitas meninas ainda guardavam o tal medo do palhaço e se assustavam ao serem abordadas por ele. Outros, irritados, fechavam a cara, desprezando a atuação. Tudo bem, depois do susto os jovens se soltaram um pouquinho e alguns admiraram a coragem do ator em adentrar o campus da universidade vestido de palhaço.
Selton como Benjamin (Pangaré) e Paulo José como Valdemar (Puro Sangue) |
Participação especial de Jackson Antunes |
Os palhaços me encantam.... ver Selton Mello de palhaço seria uma linda aparição!!!!
Ótima atuação da dupla de clowns |
Então resolvi ir ao cinema para ver Selton Mello como palhaço. Não me decepcionei. O ator encarnou muito bem a personagem, atuação alvidada pela química perfeita entre ele e seu parceiro Paulo José, respectivamente, Pangaré (Benjamim) e Puro Sangue (Valdemar). Este é o segundo longa dirigido por Selton; o primeiro, “Feliz Natal”, 2008, não teve muito público mas levou o prêmio de melhor diretor no “Festival de Paulínia” na edição de 2008. “O palhaço”, exibido em aproximadamente 258 salas, já fez 569 pessoas rirem e se emocionarem. Um sucesso!
Trailer do filme:
Teuda Bara encanta como Dona Zaira ( um Tableau Vivant ) |
O filme retrata as histórias do Circo Esperança que surgem a cada parada, a cada cidadezinha do interior de Minas Gerais onde a trupe ergue sua lona. A história do circo é incrementada pelas histórias dos integrantes da trupe: o casal de acrobatas, os irmãos músicos, o ilusionista e sua filha, Lola, Dona Zaira e outros. São cenas que evidenciam a dura vida dos artistas nômades circenses. Benjamin (Selton Mello), sente o peso de dirigir o circo e atuar como palhaço, pois é responsável desde o alvará de funcionamento do estabelecimento até pelos enormes peitos de Dona Zaíra (Teuda Bara), que ficam sem proteção durante uma de suas atuaçoes.
Trupe circense do filme |
Selton Mello diz que somente cogitou a possibilidade de atuar como protagonista quando o convite feito, primeiramente a Rodrigo Santoro e depois a Wagner Moura, foram recusados, pois estavam envolvidos em outros projetos. O fato é que o filme foi feito por Selton e para ele. E isso fica claro do início ao fim do filme, pretensão chapliniana. Confesso que em alguns momentos este egocentrismo me incomodou. As participações da Velha Guarda do humor televisivo formam ínfimas. Moacyr Franco fez uma das melhores cenas e contou uma das melhores piadas do filme; porém teve uma cena curtíssima. Longe de mostrar os reais percalços pelos quais os artistas circenses passam, o filme é mais para evidenciar o talento de Selton do que para homenagear o palhaço.
Muitas cenas lembram os Tableaux Vivants do séc. 19 |
O tema do filme expõe um dilema complexo e batido da humanidade: o palhaço que faz todos rir é triste e chora por dentro. Este é o dilema do cotidiano humano, não somente do personagem palhaço, mas de todos nós, cidadãos comuns que encarnamos o personagem lúdico para continuarmos a vida danada e sofrida que temos; afinal, o humor ainda é a melhor forma de lidar com as dores internas e externas da espécie.
Alguns propósitos são enlatados, forçando a barra para que o filme seja politicamente correto. Isso é facilmente percebido em alguns momentos como nas pequenas participações de comediantes antigos da televisão, esquecidos no decorrer da fraca memória dos brasileiros, passando a sensação de boa ação do diretor e soando como um argumento bobo. Outra falácia é tentar levantar a bandeira de que o circo mambembe ainda vive, fortalecendo a verve meio calhorda da mídia televisiva. Talvez seja por este viés que não consegui, de fato, acreditar na história. Para encenar um palhaço é preciso mais do que fazer laboratório com um ator circense ( Selton pediu ajuda a Cochicho para construir o personagem). É preciso ter coragem de sair de cena e ceder a ocupação ao outro, ao palhaço. E isso, o diretor não conseguiu fazer.
Valorizo o cinema nacional e sei que ele melhora a cada filme, mas tenho de confessar que o sucesso do cinema brasileiro ainda está à bela e frondosa sombra da televisão brasileira, principalmente da Rede Globo.
Vale a pena assistir "O Palhaço", o filme tem lindas imagens que fazem os espectadores rirem, chorarem e viverem momentos de emoção, cenas que me fizeram lembrar de “I Clowns” de Fellini como um dos melhores filmes de palhaço de todos os tempos.
E, para terminar fiquem com um pouco de Fellini (I Clowns) :
Bons filme!!!!
Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO, nos curso de Artes Visuais da FPA e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.
1 comentários:
Não sei porque, mas sempre achei o palhaço a parte mais triste do circo. Nunca consegui ver felicidade em um palhaço, só tristeza. Quanto mais a piada era forçada mais eu via o cara vestido de palhaço fazendo força pra ser engraçado.
15 de novembro de 2011 às 22:57Toda vez que penso em um palhaço vejo duas coisas distintas: uma pessoa macabra, no caso de um palhaço do mau (menor parte das vezes), ou uma pessoa triste, mas nunca vejo um palhaço alegre.
Engraçado que o palhaço, ao invés de me fazer rir, me faz lembrar do ser humano. Ele era a única representação da humanidade no meio de sobre-humanos, quase heróis.
Eu sentia nele todas as aflições, tristezas, felicidades (meio forçadas) - eu sentia ele humano. Isso me faz até hoje, meio curiosa e meio triste - eu tenho um certo desdém por palhaços porque tenho esse desdém pela humanidade.
O ser humano me dá tristeza, e acho o palhaço triste por ser humano demais - o mais humano do circo. Mas junto com a humanidade dele eu vejo uma história, uma vida, uma pessoa frágil, como uma pessoa normal, e por isso o palhaço é aquele que eu mais me identifico no circo.
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