domingo, 25 de dezembro de 2011

Crônica da pelada perdida


Sair de sua cidade natal para ir morar em outra cidade é uma experiência ímpar. Ainda mais quando a mudança é de uma cidade de pouco mais de vinte mil habitantes para outra com pouco mais de meio milhão. Parece que é tudo novo. Outras pessoas, outros papos, outros lugares, outra vida. Só que não dá pra se esquecer de onde vem. E andando pelas ruas da nova cidade ainda me lembro de detalhes e nuances da velha cidade.

Na quadra da rua debaixo as crianças sempre jogam bola. E eu, sempre que passo por ali, não posso deixar de reparar nisso. Gosto mais quando são as criancinhas mesmo que jogam. Eles correm demais, sem pensar e sem se preocupar com esquema tático ou coisa parecida. Eles sorriem demais, sem pensar e sem se preocupar com os contratos milionários e o assédio da imprensa.

A leveza e a simplicidade dessas crianças me encantam. O eterno clichê da inocência infantil pode ser mencionado aqui. Eles são mesmo inocentes e estão sempre pedindo a bola, quase sempre levando tombos e quando marcam lindos gols comemoram com seus amigos e atingem uma felicidade lúdica e verdadeira.

É dessa felicidade, vivida em minha terra natal, que eu me lembro. Do tempo em que todo mundo tinha seu uniformezinho: camisa gigante que nossos pais colocavam dentro do short, tão gigante quanto, que caia até os pés, calçados por um meião e um tênis qualquer.

Era o tempo da escolinha de futebol. A escola que quase todos os meninos queriam ir. Tinham os mais marrentos, os mais chorões, os mais gordinhos e os mais valentes. Todos só queriam saber de correr, gritar e fazer gol! As disputas pra ver quem marcava mais gols, quem se assemelhava mais com o ídolo do time de coração e por aí vai.

Existiam dias que a animação era tanta que o jogo transcendia a escolinha. Alguém levava uma bola extra e depois da escolinha o pessoal ia pra rua jogar. Eram as primeiras peladas da minha vida. E talvez a primeira de todas elas já seja uma pelada perdida em minha mente. Lembro-me de flashes: amigos se machucando e chorando, meninos da rua pedindo pra jogar também, o que era sinônimo de rivalidade, de gírias e dribles novos. E como modéstia pouca é bobagem, se não me engano deixei meus gols também. Sempre lá na frente pedindo bola e trombando com os zagueiros adversários. Doces lembranças.

E assim a pelada perdida de outrora é hoje motivo pra contar histórias, pra lembrar-se de sentimentos e sensações da infância no interior. Quando olho pros meninos de hoje vejo a força dessa brincadeira chamada futebol, vejo o encanto dessa experiência existencial chamada infância e o poder dessa paradoxal experimentação que é a vida.






 Rogério Arantes Luis, nascido em 1992, em São Gonçalo do Sapucaí-MG, graduando em Filosofia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Cursa também disciplinas na Faculdade de Comunicação da UFJF. Tem textos e poemas publicados.

A Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.

1 comentários:

Ryan Mso disse...

Venho por aqui prestigiar esse que considero um dos grandes ascendentes no ramo da escrita. Rogério possui um diferencial interessante que se depara com uma peculiar leveza nos escritos. São textos leves e ao mesmo tempo fascinantes. Esse não é por menos. Vale a leitura e a contemplação, com toda a certeza. =]

25 de dezembro de 2011 às 14:27

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