Culturas Populares e Identitárias, um Ganho para o Povo Baiano.



A Secretaria de Cultura do Estado da Bahia lançou o Centro de Culturas Populares e Identitárias. Este órgão, vinculado a SECULT, vai proporcionar que diversas manifestações culturais dialoguem com o governo do estado. O artigo abaixo, escrito pelo músico Fernando Monteiro, enumera as principais características do centro. Boa leitura.



Culturas Populares e Identitárias, um Ganho para o Povo Baiano

Recentemente a Secretaria de Cultura da Bahia (SECULT) foi reestruturada através da reforma administrativa do governo do Estado aprovada em abril deste ano. Com isto, mudanças significativas aconteceram como a criação do Centro de Culturas Populares e Identitárias, um marco que mostra não só o reconhecimento à cultura popular, sobretudo relacionada às questões de identidade, mas também por este reconhecimento apontar para políticas públicas aos que historicamente sempre foram excluídos desse processo. O governo da Bahia acerta ao fazer isso.
Na Bahia, a cultura popular e nossos símbolos sempre foram utilizados como produto ao turismo. A priorização deste tipo de política sem o devido fortalecimento da identidade cultural, aliado a falta de educação de qualidade, produziu fenômenos como o da falsa baianidade, assim como outros danos.

Arany Santana, gestora do CCPI.


É certo afirmar as peculiaridades do povo baiano como o sorriso fácil de uma gente de fácil amizade, que consegue apesar das dificuldades ser feliz. Mas também é fácil afirmar que esta forma de ser, quando passou a ser vendida como produto, sem cuidados necessários de preservação identitária, ou seja, sem o que é primordial; o cuidado com nossa gente, com nossa cultura, levou ao imaginário coletivo a idéia da Bahia como terra da felicidade, omitindo para dentro e para fora de nosso Estado as mazelas produzidas pela gritante desigualdade social.
A cultura é dinâmica e sofre permanentes interferências e transformações. É natural que a forma de ser do baiano, refletida em sua musicalidade, gastronomia, formas de falar, vestir ou fazer festa se modifique diante do que se rege também na esfera política. O que importa é qual forma de ser queremos.
Neste contexto, o Centro de Culturas Populares e Identitárias da SECULT tem grande papel na condução de um novo processo que viabilizará a importância da identidade como fator determinante na preservação da cultura seja ela popular ou não.






Longe do pensamento de um Estado paternalista, a maior função do Centro talvez seja o de proporcionar ao cidadão baiano ser o que é, aliás, algo complexo se pensarmos que o incentivo do Estado à espontaneidade, por si só já denota intervenção à cultura de forma a transformá-la. Porém, no caso em questão, cabe afirmar que apesar da dificuldade em encontrar qual o limite entre Estado e o espontâneo, fomentar a diversidade de manifestações culturais, difundir e fortalecer nossa cultura com conjunto de ações que valorizem este patrimônio identitário é necessário para autoafirmação e preservação cultural de nossa terra.
É na afirmação da identidade que nos tornamos um povo singular e com isso atrativo ao mundo. É também nesta afirmação que se potencializa a originalidade, personalidade, peculiaridade e consciência de sociedade e, por consequência cidadania.
Portanto, o novo Centro de Culturas Populares e Identitárias da SECULT é extremamente importante e simboliza novo trato à cultura de nossa terra. Sem dúvida um grande passo para o desenvolvimento de nosso Estado.

Fernando Monteiro
Músico e membro da Coordenação do Setorial de Cultura do PT Bahia





Diogo Carvalho é Historiador pela Universidade Federal da Bahia e Mestre em Cultura e Sociedade (UFBA). Trabalha com os seguintes temas: História, cinema soviético, cinema, cultura digital, política, humanidades e literatura beatnik. diogocarvalho_71@hotmail.com





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HOMENS QUE USAM ROSA



A VIOLENCIA CONTRA HOMENS QUE USAM ROSA

O movimento feminista que se desenvolveu a partir dos anos sessenta em sociedades ocidentais levou a uma explosão de estudos sobre/das mulheres, os women´s studies, que constituiu um “importante territorio de empeno intelectual en sí mismo”, como pensou J. Weeks, e influenciou muitas disciplinas acadêmicas, especialmente no campo das ciências sociais e humanas. No calor do desenvolvimento dos estudos sobre as mulheres surgiu, há cerca 15 anos na academia norteamericana - e mais tarde na Europa, um tipo de estudo que ficou conhecido como men´s studies, dos quais podemos citar, à guisa de exemplos, autores como Michael Flood, Lynne Segal, Michael Kimmel ou Robert Connell.


Como ocorreu com os estudos feministas, mas agora focado na masculinidade, os estudos masculinistas "procuram transformar a nossa compreensão da masculinidade e fazê-lo de uma forma que é mais ou menos respeitável do ponto academicamente, mas se renunciar ao compromisso político de caráter antisexista.
Assim, os estudos masculinistas formaram um novo campo de pesquisa teórico-social e integrados em diferentes departamentos universitários, destinam-se a explorar novas visões de masculinidade com base uma nova forma de abordagem da leitura de textos. Quebrando o paradigma universalizante, o de que há uma única e verdadeira forma de ser homem, essas opiniões são críticas aos valores masculinos que, na sua maioria, os homens ocidentais incorporam e assimilam e mostram seu apoio às reivindicações feministas de caráter igualitária. Exemplo emblemático dessa nova postura, é o apoio que tem sido dado às mulheres na sua luta contra a violência género, haja vista o http://www.activate.org.uy/, cujo slogan é LA VIOLENCIA CONTRA MUJERES Y NIÑAS ES UN PROBLEMA DE TODOS.
Lembrei disso porque nos últimos dois meses dois fatos mui interessantes chamaram-me a atenção. O primeiro deles aconteceu com um parente próximo em Cuiabá (MT). Ele, pai recente, cheio de vontade de exercer uma paternidade contemporânea, assumindo papéis outrora atribuído, somente, às mães/mulheres, resolveu trocar a fralda do seu filho, Gustavo, que acabara de fazer cocô. Eis a surpresa, o fraldário do Shopping 3 Américas (http://www.shopping3americas.com.br) fica dentro do banheiro feminino, ou seja, reforça a norma binária, os papéis performativos de gênero, fechando as possibilidades de abordarmos de maneira mais pluralista a questão da masculinidade, afinal, quando falamos de homens e mulheres na contemporaneidade, devemos fazê-lo de maneira mais abrangente, plural, pois essas categorias expressam uma variedade que não se encaixa mais em um único padrão.

O que é ser homem hoje? Ou melhor, como deve ser um homem hoje? Se pensarmos como Simone de Beauvoir pensou sobre a mulher em sua famosa frase "a mulher não nasce, mas torna-se”, podemos dizer que os homens, também, são construídos. E o que parece que estamos construindo é uma linha de manutenção do macho épico, aquele que não precisa assumir outras funções além do proverdor, racional e autoritário. E que usa a cor azul.

Assim, passo para o segundo fato que me chamou atenção, dessa vez, comigo mesmo. Em recente vicita a Campina Grande (PB), onde fui participar de uma Banca de Doutorado, fiquei hospedado num hotel mui simpático, o http://www.gardenhotelcampina.com/campina/campina.html. Quando subi ao quarto, mal tinha colocado minha mala sobre a cama, fui surpreendido pelo atendente que disse terem se equivocado na recepção, que aquele não era o meu porque era um quarto feminino. Ora, pensei curioso, o que isso quer dizer? Externei meu pensamento e perguntei. A resposta, carregada de cuidado e desculpas, foi a de que aquele quarto guardava algumas características femininas, como a parede na cor rosa e um espelho que aumenta a imagem em muitas vezes, como se fosse para maquiagem ou coisa parecida.
Recusei a sair, disse que a caor rosa me atraia e que combinava com a or da minha camisa e, quanto ao espelho, seria muito útil, me ajudaria a tirar os pelos da minha orelha e do meu nariz.

Resultado, ainda hoje, sobre a página em branco da natureza, estamos imprimindo características e ações fortemente binárias, como se pudéssemos afirmar com uma certeza indiscutível que há papéis que pertencem unicamente a um ou outro gênero, ou seja, continuamos trabalhando mal para desconstruir padrões tão arraigados em nossa cultura. Os homens continuam usando roupa azul.



Djalma Thürler é Cientista da Arte (UFF-2000), Professor do Programa de Pós-Graduação Multidisciplinar em Cultura e Sociedade e Professor Adjunto do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA. Carioca, ator, Bacharel em Direção Teatral e Pesquisador Pleno do CULT (Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura). Atualmente desenvolve estágio de Pós-Doutorado intitulado “Cartografias do desejo e novas sexualidades: a dramaturgia brasileira contemporânea dos anos 90 e depois”.

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Sobre extremismos e afins



          A questão que envolvem grupos extremistas, incluindo de extrema direita, tem sua raiz nos mesmos pressupostos ideológicos que são os chamados elementos fascistizantes: anti-democráticos, anti-liberais, anti-comunistas e com matrizes calcados na dificuldade de se lidar com o outro, enquanto, diferente, ou seja, a difusão de preconceitos contra minorias que fujam a normatividade. Usam também da violência para externalizar seu ódio contra alvos pré-determinados. No caso do Brasil, isso acontece contra nordestinos, negros e homossexuais majoritariamente, minorias respectivamente étnicas e de gênero.

             No caso da Europa, os alvos principais são os imigrantes e pessoas que professam religiões diferentes da maioria. Porém, ao contrário do Brasil que os grupos de extrema-direita se constituem em grupos isolados, verificamos na Europa uma crescente representação de partidos políticos ostensivos de direita, o que preocupa mais, porque quando esses partidos tem uma representatividade no Estado a política de uma nação pode ser transformada e a democracia pode entrar em crise.
       Outro fenômeno ligado tanto a Europa quanto ao Brasil é a globalização e o uso de novas tecnologias para promover tanto a difusão de tais ideias extremistas quanto o intercâmbio entre tais grupos promovendo uma representatividade e poder que fogem das esferas tradicionais de poder de estado.
            Na década de 90, principalmente a partir do inverno alemão de 1991, momento marcado por atentados de violência de grupos neonazistas, a ameaça do ressurgimento do fascismo enquanto movimento de massa voltou a preocupar os defensores dos valores democrático. A exemplo do que aconteceu mundialmente, principalmente após o término da Guerra Fria, houve no Brasil o aparecimento de grupos neonazistas, dos quais citamos os Carecas do Subúrbio e o Poder Branco. Os grupos neonazistas tem muitas diferenças com relação a seu modelo original, o nazismo de Adolf Hitler. Uma diferença crucial é que os membros desses grupos não são alemães natos e no caso da ideologia nazista essa questão racial era primordial. Além disso, no caso brasileiro, não tem apoio institucional nenhum, constituindo-se em grupos isolados.
                 Acredita-se que seu aparecimento esteja ligado ao contexto do mundo pós-guerra fria em que o sentimento de xenofobia, a crise econômica advinda principalmente da desagregação da União Soviética e os efeitos disso uma população que seria convidada a adentrar ao mundo capitalista pelas portas dos fundos, ou seja, sem condições financeiras de aproveitar os frutos da economia de mercado. O ressurgimento de movimentos de extrema-direita e que tenham como forte componente o racismo, está associada, em um primeiro momento, a essa tendência mundial onde grupos com tais perfis aparecem em diversos lugares do planeta. Outro fenômeno é a desagregação do estado de bem estar social e o reaparecimento de políticas conservadoras e neoliberais que tiveram sua expressão mais contundente no governo de Margareth Tatcher e Ronald Reagan.
            O Estado perde seu papel ativo e passam a ter expressão grandes privatizações de empresas estatais, corte de despesas e de investimentos públicos. Não havia nesse momento tão importante para a ordem mundial, o plano Marshall, que serviu como instrumento de equilíbrio da economia no imediato pós-guerra.

Com a entrada do capital estrangeiro nos antigos países socialistas, o padrão de consumo típico dos ocidentais rompeu as últimas fronteiras do mundo no final dos anos 80 e começo dos 90. Completava-se assim, a globalização que junto com o neoliberalismo, marcou a passagem para o novo século. As nações do leste europeu abandonaram o modelo socialista e acabaram introduzindo reformas de cunho neoliberal, bem como os países da América Latina, como é o caso do Brasil. (TEIXEIRA, C., 2006: 2).

            No Brasil, houve uma grande repercussão dessas novas políticas econômicas e que foram implementadas pelos governos Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. A privatização da economia brasileira ajudou a aguçar o quadro de desigualdade social que o país tem como uma característica crônica e os grupos neonazistas aparecem como a face de não aceitação mais violenta dessa nova conjuntura.
      Outra interpretação para o aparecimento de tais grupos está relacionada a questões identitárias. Segundo Alexandre de Almeida (2004), eles aparecem como uma forma de reação diante do processo de fragmentação da identidade e de instituições no último quarto do século XX. É interessante observar, ao analisar os dados coletados por Almeida sobre o movimento denominado como Poder Branco, que existe um grande distanciamento do ideário nacional-socialista original. Segundo ele, sempre pautados na questão da violência e da ação das massas, eles se baseavam nos seguintes princípios: a supremacia da raça branca. Porém, ao contrário da ideologia nazista que pensava a raça definido por relações hereditárias, no caso dos neonazistas pertencentes ao Poder Branco, para eles o que basta é a aparência – a tonalidade da pele e a composição do corpo.
            Não há como negar que também existem aproximações entre o movimento neo-nazista e seu original, como por exemplo, sobre a propagação da idéia que os judeus são o grande problema da sociedade. Enquanto na sociedade do III Reich se divulgava que existiria um complô judaico e que esse complô era o responsável pelo quadro de crise econômica e inflacionária que a Alemanha passava, com os representantes do Poder branco se divulga que os judeus estão infiltrados nas novas mídias globalizadas, televisão, internet, cinema, e que dominam por assim dizer tais meios de comunicação com o objetivo obscuro de “destruir a raça branca”.
                     Ações como a da atual tragédia na Noruega, centralizadas na patologia de um indivíduo e potencializadas pelo poder de destruição advindo das novas tecnologias da contemporaneidade são possíveis em qualquer lugar do planeta. Para mim, essas ações são apenas a ponta do iceberg de distúrbios comuns à sociedade contemporânea, que, com o advento da globalização e das novas tecnologias, sofreu profundas modificações na maneira de pensar e os paradigmas que atravessam profundamente a percepção do mundo como o tempo e o espaço foram radicalmente transformados. Não temos ainda –enquanto estudiosos das Ciências humanas – ideias tangíveis em que tudo isso vai desembocar.
           Um outro ponto de vista é a questão de uma expressividade maior de movimentos de resistência de caráter minoritários, basta citar o movimento LGBTT, o movimento negro entre outros, se tornando a expressão do que é politicamente correto assim como a ideias multiculturalistas, tudo isso com uma grande visibilidade. Isso causa uma reação forte de movimentos reacionários que não admitem tal diversidade e recrudescem seu ponto de vista expressando sua negação por meio de ações violentas como essa.
           O grupo mais expressivo do ponto de vista nacionalista no Brasil dos anos 30 e 40 foi a Ação Integralista Brasileira. Não agiam com violência e em alguns casos, no sul do Brasil, chegaram a agir conjuntamente com o movimento nazista no Brasil, que se desenvolveu no seio da comunidade alemã.

            O fato do Brasil ser uma país com uma variedade de povos e etnias não o deixa livre de o aumento de movimentos de extrema-direita que são transmutados para nossa realidade. No caso, por exemplo, o ódio aos nordestinos se refere a uma processo histórico de cunho local, ou seja, faz parte da nossa história brasileira e está ligado aos processos migratórios de nordeste para o sudeste nos anos 70 e 80. Acredito que um componente essencial na análise seja a desigualdade social que faz com que se cresça o ódio às minorias. Estão em jogo não somente a questão racial que foi a base ideológica do nazismo em sua forma original, mas outros tipos de exclusão: econômica, política, social, de gênero, de classe. Os alvos desses movimentos são variados e dependem de elementos da realidade local, no entanto, a forma é sempre a mesma: a dificuldade de se lidar com o diferente e o uso da violência para conseguir uma maior expressividade e visibilidade.

A          A internet é um terreno fértil para isso. Porém, vejo como necessidade políticas de informação que poderiam fomentar a denúncia da veiculação desse tipo informação ajudariam a punir o crime pela internet e racismo no Brasil é crime.








Ana Maria Dietrich é professora adjunta da UFABC e coordenadora da Contemporartes - Revista de Difusão Cultural - junto a Rodrigo Machado.




AGENDE-SE 








Abertas as pré-inscrições para o Curso de Extensão "Cenário Mundial e Atualidade: Os dilemas do mundo contemporâneo em questão", oferecido pelo LEPCON ( Laboratório de Estudos e Pesquisas da Contemporaneidade - Vinculado a importantes Universidades públicas como Universidade Federal de Viçosa/UFV e Universidade Federal do ABC/UFABC ), e também pelo Núcleo de Ensino Professor João Martins
O curso será gratuito, ministrado quinzenalmente aos sábados a tarde e direcionado a estudantes do Ensino Médio e Superior.
A data de início é 20 de agosto de 2011 em Caratinga (MG)
Entre os temas a serem trabalhados nas Oficinas que compõem os 8 módulos do Curso estão Terrorismo; Conflitos Étnicos; Fundamentalismo Religioso; Questão Ambiental; Diversidade Sexual e Indústria Cultural; dentre outros.
O objetivo será realizar uma viagem reflexiva e discussiva pelos principais temas do Cenário Mundial na Atualidade, fazendo uso de uma abordagem inovadora e profunda.






IX Encontro Regional Sudeste de História Oral
“Diversidade e Diálogo”


16, 17 e 18 de agosto de 2011


Universidade de São Paulo

FFLCH - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas





Inscrições abertas até o dia 12 de agosto ou até o encerramento das vagas.

Acesse o site para se inscrever: 
http://each.uspnet.usp.br/gephom/encontroregional2011/





Três dias de programação com:



- Conferências de Luisa Passerini e John Kotre



- Debates com profissionais de todo o país e do exterior, incluindo: Alice Beatriz da Silva Gordo Lang, Ana Maria Mauad, Antonio Torres Montenegro, Carla Muhlhaus, Daphne Patai, José Carlos Sebe Bom Meihy, Karen Worcman, Lígia Maria Pereira Leite, Luciana Quillet Heymann, Maria de Lourdes Mônaco Janotti, Maria Paula Nascimento Araújo, Marieta de Moraes Ferreira, Olga Rodrigues de Moraes von Simson, Sara Albieri, Tânia Regina de Luca



- Três diferentes minicursos sobre diversos aspectos do trabalho com história oral e memória



- Mais de 150 comunicações orais e pôsteres



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A BAILARINA NOTÍVAGA


Todos os dias, quando a noite cobre o sol com sua capa negra, Sofia, uma poodle de catorze anos de idade, aguarda a pontual visita de uma osga. Ela vem dançando pelo vidro da janela da sala. A cachorra rebola o rabinho e dá boas-vindas à bailarina notívaga.No início, ela latia e tentava pegar a novidade. Mas novidades, com o tempo, tornam-se rotina; e assim, inteligente e resignada, ela hoje se alegra com a chegada da antes inimiga.

 Eu também me afeiçoei por essa bichinha acrobata. Se me dissessem antes que alguém gostava de um réptil, eu riria debochada. Com os anos, aprendi que tudo tem sua beleza, até uma albina miniatura de jacaré.

Nessas noites quentes de verão em erupção, tenho aberto a vidraça. A lagartixa surge encantadora como uma noiva em seu branco vestido bordado com estrelas cintilantes e comprido véu dançante, descansa na lateral aberta, mas não adentra. Nós duas sabemos que para coexistirmos em paz temos que respeitar limites.

Em alguns meses, mudarei de casa, na mesma cidade. A distância de poucas ruas será uma muralha chinesa entre o antigo e o atual ciclo de vida. Um divisor de eternidades. Sei que sentirei falta da diária visitante, a quem batizei de “Oito Horas”. Quando os ponteiros anunciarem o espetáculo da pequena bailarina, estarei tão perto ainda, mas impossibilitada de assistir a ela.

Não ouvirei mais os latidos conhecidos, a voz do jardineiro do vizinho, cujo exemplo de vida, vencendo doenças e inúmeros aniversários, me sorria bom-dia. E Carlos, o carteiro, que tantas alegrias, notícias e pacotes de conhecimento me trouxe... Será que um dia o encontrarei pelos caminhos futuros? Será que, com o passar do tempo, de imensos sorrisos e acenos afeiçoados, apenas nos cumprimentaremos com um levantar de esquecidas sobrancelhas? Outras lagartixas talvez morem na nova casa. Mas são apenas “outras”. Cada vez que eu vir uma delas, lembrar-me-ei de Oito Horas, que fez parte da minha vida.

Ela simbolizou uma era, um período de infância de meus filhos, que, exaurido, só trará cores aos retratos em preto e branco na estante das lembranças vividas. Outros endereços virão em nossas vidas. Será que ainda seremos os mesmos, como cantava Elis, quando nossas histórias forem empacotadas e levadas de caminhão? E quando o passado virar mais uma página em nossas biografias de papal amarelo?

Nenhuma casa, por maior ou mais bonita que seja, tem o poder de colorir nossa história como a casa onde vivemos a infância. Um dia meus filhos se recordarão de passagens nesse lar. Sofia não mais estará aqui nem Oito Horas. Talvez nem eu, nem você. A natureza é assim, precisa fechar um ciclo para iniciar outro. Precisa da morte para começar uma nova vida.

Mas as lembranças da infância, do amor vivido entre quatro paredes, dos filhos que nunca crescem, do melhor amiguinho do filho que sempre chorava de madrugada porque queria os pais, da primeira boneca da filha, do dia em que eles aprenderam a andar de bicicleta, da procura desesperada pelas pegadas do coelho da Páscoa, da esperança na fada que troca um dente por um brinquedo, da gargalhada quando soltavam balões coloridos e os viam voar até as nuvens de algodão... Ah, essas lembranças são eternas.





Simone Alves Pedersen nasceu em São Caetano do Sul e hoje mora em Vinhedo, SP. Formada em Direito, participa há três anos de concursos literários, tendo conquistado inúmeros prêmios no Brasil e no exterior. Tem textos publicados em dezenas de antologias de contos, crônicas e poesias. Escreve para jornal, revista e diversos blogs literários. Escreveu o primeiro livro infantil em 2008, o “Vila felina” seguido de Conde Van Pirado, Vila Encantada, Sara e os óculos mágicos, Coleção Pápum e Coleção Fuá. Para adultos lançou “Fragmentos & Estilhaços” e “Colcha de Retalhos” com poemas, crônicas e contos: http://www.simonealvespedersen.blogspot.com



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Um Pouco da Poesia de Astrid Cabral


ALGUNS POEMAS DE ASTRID CABRAL
por Altair de Oliveira

Nesta semana apresentamos aqui um pouco do trabalho poético desta grande poeta e escritora brasileira, a amazonense Astrid Cabral, que foi também esposa do falecido poeta Afonso Felix de Souza.

Astrid Cabral Félix de Souza nasceu em Manaus - AM, em 25 de setembro de 1936, onde fez os primeiros estudos e integrou o movimento renovador Clube da Madrugada. Na adolescência mudou-se para o Rio de Janeiro, diplomando-se em Letras Neolatinas na atual UFRJ, e mais tarde como professora de inglês pelo IBEU. Lecionou língua e literatura no ensino médio e na Universidade de Brasília, onde integrou a primeira turma de docentes saindo em 1965 em conseqüência do golpe militar. Em 1968 ingressou por concurso no Itamaraty, tendo servido como Oficial de Chancelaria em Brasília, Beirute, Rio e Chicago. Com a anistia, em 1988 foi reintegrada à UNB. Ao longo de sua vida profissional desempenhou os mais variados trabalhos, fora e dentro da área cultural. Detentora de importantes prêmios, participa de numerosas antologias no Brasil e no exterior. Colabora com assiduidade em jornais e revistas especializadas.



O QUE JÁ DISSERAM DELA
:


"Astrid Cabral combina com rara propriedade verso e sentimento e mesmo em seus momentos mais íntimos, os poemas mais doloridos, não denotam exclusividade, são da ordem da dor de existir. Em Astrid as aparências enganam. A poeta guarda os segredos de uma simbologia muito particular, no entanto à disposição de quem interessar possa. Raros são os poetas capazes de agilizar o pensamento através da linguagem, deixar claro a vivacidade da memória que desfila frente ao leitor. A poesia, e Astrid e os grandes poetas sabem disso, está muito mais comprometida com a vida que qualquer outro gênero. Da escolha das imagens à criação, a construção, do poema, ao som. Astrid lapida palavras para serem lidas em voz alta, transcenderem os segredos do papel. Sua poesia fala. Por vezes, grita. Sem necessidade de lágrimas, pois em seus versos não há padecimento, lamúria, transita a vida com suas armas de combate. " - Luiz Horácio Rodrigues, jornalista, na jornal "Poiésis".


"Por fim, resta observar que, no panorama atual da literatura brasileira, Astrid Cabral ocupa um lugar privilegiado, por expressivo motivo: ela mantém viva a tradição da poesia meditativa (às vezes, filosófica mesmo), evita as invencionices (senis ou pueris) e, sobretudo, cultiva valores estéticos contemporâneos, sem se deixar escravizar pelos grilhões do neo-parnasianismo, que tem confundido fulgor estético com rigor mortis." - Antônio Paulo Graça, para a revista Agulha.


"O livro Rasos d´água, de Astrid Cabral é um exemplo deste comportamento autoral. Trata-se de poesia de alta qualidade, carregada de emoção, de sofrida experiência e de quotidiana vivência de pequenas e grandes dores, tudo vindo expresso com aberta franqueza É livro marcado pela dor de viver, entre as alegrias que todos temos, marcado pela sobrevivência enfrentada à morte de outros. A fugacidade, a perda, a velhice são mostradas às claras. Com pudores e delicadezas, mas ditas sem artifício." - Izacyl Guimarães Ferreira, para o Jornal de Poesia.


Livros de Poemas de Astrid Cabral:

- Ponto de cruz - 1979;
- Torna-viagem - 1981;
- Visgo da terra - 1986;
- Lição de Alice - 1986;
- Rês desgarrada - 1994;
- De déu em déu - 1998;
- Intramuros - 1998;
- Rasos d´água - 2003;
- Jaula - 2006;
- Ante-sala - 2007;
- 50 poemas escolhidos pelo autor - 2008;
- Antologia pessoal - 2008.





ALGUNS POEMAS DE ASTRID CABRAL


JOGO DE CASA



Sob telhas
centelhas fagulhas borralho
olhos d'água água na talha
Sob telhas
galhos alhos coalhos
molhos repolhos toalhas
Sob telhas
agulhas retalhos
malhas fitilhos ilhoses
Sob telhas
rodilhas presilhas
palmilhas sapatilhas
Sob telhas
mulheres abelhas
colheres talheres
Sob telhas
parelhas filhos filhas
espelhos ilhas
Sob telhas
armadilhas navalhas
batalhas partilhas mortalhas


***


POR TODA PARTE O RIO


Por toda a parte o rio
solta serpente a rojar-se
na paisagem da planície
cobra domada à força por
barrancas e algemas de pontes
ou cativo fragmento no pote
na palma côncava do púcaro
no copo translúcido e mínimo
leite a pojar o seio das cuias.
Em águas batismais comungo
e mergulho o arcaico corpo de
remotíssimo passado anfíbio
nós todos tão sáurios tão
irmãos de peixes e quelônios
e espelho o rosto em fuga por
águas igualmente fugitivas
e comigo vai o rio rente rindo
roendo ruindo riando submim
num subsolo de sonhos.


***


A PALAVRA NA BERLINDA



As palavras se contaminam
de cada um de nós.
Bebem nosso único sangue.
Engravidam das vivências
de específicos destinos.
Quando alçadas em abstrações
prévias estagiaram no cerne
de nossa própria carne.
Por isso descaminhos se traçam
e se cavam abismos e abismos
entre bocas e ouvidos.
O que se expressa e vigora
em aparente senha comum
não cintila a sua aura
e de nós o essencial ignora.


***


AMOR NO PÍER



Confesso: o amor por ti
não atravessou o mar.
Só molhou as pernas na espuma
e temendo vagas, dunas
não quis cavalgar o vento.

Confesso: o amor por ti
deixou-se ficar no píer
sem percorrer ponte alguma.
Acenavas terra ao longe
a ventura de outra margem.

Meu amor ficou no meio
refém do medo de risco.
Queria apenas passeio
a bordo escuna sem lastro.
Nunca a viagem de fato.


***


CANÇÃO TRÔPEGA



A vida não tem volta.

Sobra o séquito de sombras

e uma canção trôpega

atravessada no peito:

espada, rubra espada

cravada de mau jeito.

Aqueles rapazes esbeltos

ai, estrangularam-se

nas gravatas da rotina.

Ai, crucificaram-se

no lenho das doenças.

Aqueles rapazes tão belos

não fazem mais acrobacias

nem discursos inflamados

Arrastam chinelos e redes

ruminam silêncio amargo.

Um dia fui bela, filha,

digo a surpreendê-la.

Devo provar com retratos

o que tem ar de mentira.



***


BOCA


Boca
livre trânsito
de vocábulos e aves
fruições e frutos.

Boca
sede de gozo e poder
pombos lhe pousam
entre os dentes ávidos
pêssegos se imolam
cindindo-lhe os lábios.

Boca
sítio de martírio
se a contragosto
de fome se fecha
ou em pânico se cala
atrás de uma mordaça.


***


Para Ler mais:

- Entrevista com a poeta Astrid Cabral: http://antologiamomentoliterocultural.blogspot.com/2009/09/momento-litero-cultural-entrevista-com.html
- Poemas de Astrid: http://www.revista.agulha.nom.br/astridcabral.html



***


Ilustrações: 1- foto da poeta Astrid Cabral; 2- foto da capa do livro "Antologia Pessoal", de Astrid Cabral; 3- foto do rio Amazonas no amanhecer.


***
Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve quinzenalmente às segundas-feiras no ContemporARTES a coluna "Poesia Comovida" e conta com participação eventual de colaboradores especiais.
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