domingo, 4 de março de 2012

Capitu traiu ou não traiu? de Raphael Reis




 Leaphar entrou na livraria S., localizada na cidade mais conhecida como Manchester Mineira, apesar de que, atualmente, suas fábricas e indústrias estão “pegando” as boas ondas nas praias do Rio de Janeiro.
   Observou a decoração em madeira, percorreu com o olhar as prateleiras. Queria algo de ficção científica, mas o que mais chamou sua atenção foi a seção de romances. Tomou em suas mãos o dvd de Tristão e Isolda; gostou da sinopse, qualquer dia o iria ver. Imediatamente lembrou-se, de relance, do caso do “Curioso Impertinente” – foi algo efêmero. Abriu o livro de Shakespeare, Romeu e Julieta, mas levou  mesmo foi Dom Casmurro, embora já o tivesse lido na época de vestibulando; gostava dos escritores nacionais.fast food e outros tipos de consumismos. 
   Saiu da livraria, andou pelo shopping, viu pessoas bonitas, a maioria fútil.

  Admirou esteticamente algumas garotas, até assobiou para algumas. Seu pescoço às vezes parecia entortar de tanto olhar para trás. Tenho para mim que esses comportamentos revelam a sensibilidade que o homem tem em apreciar o belo.
   Chamou-lhe atenção a promoção do vinho chileno, Santa Helena; saboreou-o em sua imaginação, paladar convidativo. Porém, levou mesmo foi o vinho argentino Trapiche, induzido pelo vendedor.
   Saiu naquela tarde chuvosa; desceu os degraus, satisfeito com suas compras. Combinação perfeita: leitura e vinho. Deixou o shopping pensando na namorada Geise. Talvez fosse mais interessante a companhia feminina para a degustação do vinho. Decidiu: foi para a casa da namorada. Lá chegou às vintes horas, no bairro nobre do Bom Pastor. Beijou-a e, em seguida, assentaram- se no sofá. Assistiram a qualquer coisa sem importância, programação de domingo.

   Leaphar lembrou-se do dia anterior; os dois haviam comprado algumas caixas de bis; duas de bis branco e duas de preto. Colocaram no pote da mesa de centro, variando bis preto e branco. Geise detestava bis branco; ele gostava.
   Leaphar abriu o pote e observou que só havia bis preto. Em um relance, pensou: quem teria comido os bis brancos, visto que Geise morava sozinha e possivelmente não recebia visitas? Logo, perguntou a Geise: alguém veio aqui? Quem comeu os bis brancos?
   Ela serenamente respondeu que deu vontade e comeu todos eles.
   Inconformado, incomodado e confuso, levantou-se do sofá, foi até a geladeira, guardou o Trapiche. Silencioso, ficou a olhar o vazio da geladeira. Pegou a garrafa de champanhe da noite anterior, um problema sensorial: a garrafa estava em um terço de líquido, embora tivessem deixado pouco mais de meia garrafa – ausência suficiente para duas meia taças.
   Voltou à sala, caminhou até a varanda, avistou a bela paisagem que lhe configurava. A pracinha do Bom Pastor estava linda naquela noite, dia de lua cheia. Lembrou-se de uma das aulas de história na qual o professor dizia, com certo ar romano, as palavras de César para sua esposa: – não basta que sejas honesta,
 tens que parecer honesta!
   Pensamentos flageladores, bis brancos e champanhe, honestidade e aparência da honestidade. Geise podia até ser honesta com ele, mas não estava aparentando ser.
   É saber que no contexto em que vivera, a traição era algo normal, perdoável e até justificável. Às vezes, a vítima é que era culpada, mas não para ele; tinha uma honra a zelar.
   Estava evidente: Geise tomou champanhe com alguém e esse desgraçado alguém comeu seus bis brancos. Pensamentos construíram a cena da traição. Os sorrisos de Geise com o anônimo, seguidos de seus olhos sedutores de cigana, o champanhe sedutor, a vestimenta e o que a teria levado a fazer aquilo. Ele era um bom rapaz, sempre a respeitou. Pode dizer a leitora maliciosa e feminista: mas ele mexia com as garotas, as devorava  com os olhares. Mas, desafio esse tipo de leitora: qual homem que não faz isso? Friso: essa atitude é mais estética do que outra coisa, acreditem!
   Enraivecido, rangeu os dentes. Deu vontade de chorar, não chorou. Geise, notando a tensão do namorado  perguntou, dissimuladamente, se havia acontecido algo e pediu para que ele se sentasse ao seu lado.
   Leaphar só escutou a primeira parte. Disse que estava com mal-estar, despediu-se e combinou que no outro dia ligaria. Entrou no elevador e notou que sua fisionomia não estava nada boa. Encarou sua imagem no espelho e percebeu-se um fracasso; envergonhou-se; imaginou como seria a reação das pessoas quando soubessem que ele fazia parte do clube dos cornos. Gritou, silenciosamente, filha da puta!
   Os sonhos, o dia de trabalho, foram intranqüilos.

   O celular tocou, era Geise. Disse a Leaphar que algumas meninas da universidade a convidaram para ir a uma churrascaria e fez questão de deixar bem claro que não havia nenhum garoto na turma. Leaphar ficou mais desconfiado e irritado, embora tranquilo por uma suposta ausência masculina, isto é, claro, se fosse verdade. Respondeu que estava tudo bem, que poderia ir sem problemas, porém, não queria que ela fosse de jeito algum.
   Às vinte e três horas ligou para a casa de Geise, só chamava, ela não tinha voltado. Desesperado, ficou a sua espera no outro lado da rua. Ficou à espreita. Quem iria trazê-la para casa, pensou. Passaram-se mais trinta minutos; ligou para o celular da namorada. Depois de três chamadas insistentes, Geise atendeu.
   Leaphar não escutou uma palavra da namorada, só ouviu uma voz masculina que ria ao fundo. Desligou  tremendo de raiva e suas suspeitas já eram a mais pura realidade.
   O ódio e a imaginação lhe tomaram conta. Não aguentava mais esperar, seria insuportável ver a traição. Angustiado, lamentava
o que estava acontecendo com ele. Os fatos já indicavam tudo. Percebeu as polaridades do ser humano: o amor e o ódio, a traição e a fidelidade, instinto animal e comportamento padronizado. Foi para casa.

   O racional virou irracional e o irracional virou racional. Desprezou Geise, rechaçou todos os telefonemas, não queria mais conversar com ela, ignorou-a completamente.
   Após o sexto dia, a convite de um amigo, foi a um churrasco. Claro, sem Geise, nem comunicou a ela que iria. Lá encontrou Paula, mulher de fascínio e qualidades mil. Um metro e setenta de altura, cabelos lisos pretos e compridos, olhos escuros, roupa sedutora e salto alto com estampa de onça, unhas pintadas
da cor que ele mais gostava – o vermelho.
   Contudo, entre todas essas qualidades, o que mais chamou a atenção de Leaphar foi a boca e o sorriso. Gostava de mulheres que tinham boca grande e lábios carnosos, apesar de que os de Paula eram leves e finos.
   Primeiro, disfarçou. Colocou a aliança de compromisso em um dos bolsos da calça, aproximou-se, conversou alguns minutos e finalmente se beijaram.
   Para Paula ele foi apenas mais um e para Leaphar foi a glória, sentimento de alívio, de vingança, de revanche. Suas angústias foram desaparecendo aos poucos; afinal, para ele, os dois
estavam, agora, quites.
   Chegando a sua casa, tomou uma ducha refrescante. Antes de dormir, foi até sua mini-biblioteca. Pegou em mãos o livro machadiano que comprara na livraria; estava no último capítulo, “E Bem, e o Resto”?
   Como se algo estivesse errado, leu, desconfortavelmente: “não tenhas ciúmes de tua mulher para que ela não se meta a enganar-te com a malícia que aprender de ti”.
   Fechou o livro apressadamente, o desassossego lhe reinou. Foi ao telefone, ligou para Geise.

Este conto faz parte da obra "Contos que Machado de Assis e Jorge Luis Borges Elogiaram", de Raphael Reis
 
Raphael Reis
 
Livro "Contos que Machado de Assis e Jorge Luis Borges Elogiaram", de Raphael Reis. Confira no blog www.donraphaelreis.blogspot.com os pontos de vendas, críticas literárias e outras informações.

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