quinta-feira, 1 de março de 2012

JANELAS PARA A HOLANDA


        
"Que vêem meus globos oculares? Ah- o céu azul. Meu grande amigo! E as janelas, também – você já parou para curtir as janelas? Vamos lá, vamos falar sobre janelas. Tenho visto algumas verdadeiramente muito loucas, que até fizeram caretas para mim, e algumas estavam com as cortinas cerradas e mesmo assim piscavam para mim." 
         (On the Road, Jack Kerouac)     

               
                                                               
Conhecer a Holanda sempre despertou em mim grande interesse e curiosidade. As referências eram muitas: amigos holandeses, a influência que exerceram sobre o Nordeste do Brasil no período colonial, as realizações fantásticas de Maurício de Nassau sempre me encantaram.

                                          "Reflexos na Estação"

As obras de seus pintores famosos: Vermeer, Rembrandt, Van Gogh e Mondrian também marcaram para sempre em minha memória as aulas de História da Arte. Acompanhava com interesse reportagens sobre a evolução de sua Engenharia na luta constante com as águas, sua cultura ao mesmo tempo arrojada e de preservação de valores.


                                                                         "Welcome"


Não é à toa que no brasão do país estão inscritas as palavras: "Je maintiendrai", um teimoso "eu perseverarei", característico de um povo de mentalidade liberal mas profundamente ligado à sua história e tradição.

                                                                         "Arquitetura"

Quando cheguei ao Aeroporto de Schiphol em Amsterdam, chovia muito e fazia frio, e assim permaneceu quase todo o tempo de minha estada, no início do outono europeu. Despida de idéias preconcebidas do que fotografar, fui andando ao acaso pelas ruas e fotografando cenas comuns, retalhos do cotidiano, pessoas que achava interessantes.

                                            "A dama de vermelho"

Quando alguém me perguntava porque  estava fotografando, respondia simplesmente "I'm learning". Em vários sentidos. Sabia, no entanto, o que eu não queria: fotos convencionais de revistas de turismo, paisagens e arquitetura deslumbrantes.

   "Crianças na Escola"

Concentrei-me nas coisas que meu feeling apontava, e aí surgiu a paixão pelas janelas das casas e escritórios e por extensão das vitrines de lojas e vidraças de bares: amplas, decoradas com generosidade. Andando na chuva com minha sombrinha de folhas de cannabis recém-comprada, olhava para as casas através de suas janelas e tudo me parecia aconchegante e intimista.

                                                               "Escada para o Infinito"

Tornou-se quase uma obsessão fotografar janelas: graciosas, com grades, criativas ou até mesmo quebradas, mas em sua grande maioria muito belas. Atrás delas muitas vezes havia personagens curiosos: o cão dentro de um carro, as crianças em uma escola de arte, o velho em um bar.


"Bar doce Bar"

E por extensão, comecei a fotografar toda superfície que espelhasse ou refletisse objetos e luzes: perseguindo poças de água da chuva, vidros de carros, trechos do canal de Singel e até mesmo bicicletas que lado a lado, pareciam uma imagem multiplicada em milhares.

                                                                   "Depois da Chuva"

Neste processo surgiu uma interação entre observador e observado, e o tema subjetivo do ensaio fotográfico: descobrir quem estava por detrás das janelas, quem era o outro. Os vidros, embora transparentes, se interpunham e impediam uma completa comunicação.

                                                   "Fera Aprisionada"

Indo nesta direção, termino fotografando minha própria imagem refletida em uma vitrine de uma casa de jogos: nas máquinas vazias, luzes se multiplicavam, imagens se fundiam formando um caleidoscópio. Simbolicamente compreendo que na busca de entender o outro, acabamos buscando respostas para nossas próprias questões essenciais.

                                        "Paisagem Tridimensional"

Editando o material obtido nesse ensaio fotográfico - aqui estão apenas algumas das centenas de fotos feitas - e refletindo posteriormente à respeito, percebo que o fotógrafo constrói a sua imagem, aquilo que ele quer dizer através do instante fotográfico, da concentração das diferentes temporalidades em um único momento, o chamado tempo da fotografia.

                                          "Paisagem no Espelho"

Assim, a documentação visual, especialmente a fotografia nunca pode ser tomada de forma ilusória como um documento socialmente realista e objetivo, ela é muito mais um meio de compreensão imaginária da sociedade.


                                                                   "Vista do Trem"

Assim como se pode falar em imaginação sociológica, pode-se também falar em imaginação fotográfica que nesse caso envolve todo um modo de produção de imagens, como a composição, a perspectiva, os recursos técnicos para escolher e definir a profundidade de campo, e principalmente aquilo que vai fazer parte e o que vai ser excluído do campo visual, enfim todo um modo de construir a fotografia.

                                                                    "Olhar fixo"

A fotografia é documento de estranhamento do fotógrafo em relação àquilo que vê, assim sendo as fotografias de rua que são o locus do meu ensaio, representam um duplo estranhamento, uma intensificação desse sentimento, já que as ruas são o espaço das cidades onde normalmente estranhos se cruzam: como testemunho do encontro físico entre fotógrafo e fotografado no momento da tomada, e pelo estranhamento do fotógrafo em relação ao objeto fotografado.

"NEDERLAND,
RIMA COM FANTASIA.
ESSA,
A MINHA LICENÇA

POÉTICA".



Texto e Fotos: Izabel Liviski

Agradecimentos: À Rosa Bruinjé (in memorian) e Toni Bruinjé (Consulado da Holanda) que gentilmente patrocinaram a Exposição "Janelas para a Holanda", na Biblioteca Pública do Paraná, em Curitiba.

Referências:
KEROUAC, Jack - On the Road -tradução de Eduardo Bueno, L&PM, 2011.
MARTINS, José de Souza- Sociologia da Fotografia e da Imagem- Editora Contexto, 2008.






Izabel Liviski é professora e fotógrafa,  doutora em Sociologia pela UFPR. Escreve a coluna INcontros desde 2009, e é Co-editora da Revista ContemporArtes.

Contato: <bel.photographia@gmail.com> 









ContemporARTES - Revista de Difusão Cultural, interdisciplinar e mensal com Qualis Capes B3 em Ensino, com registro no ISSN sob nº 2177- 4404.

5 comentários:

Ana Dietrich disse...

Publicamos o comentário de um leitor abaixo

> "Já havia visto a primeira edição desta apresentação das janelas holandesas.
> Desta vez, à medida que imagens/texto deslizavam, fui me dando conta que as
> janelas eram um portal - como nos filmes mágicos - onde a imagem real se
> encontrava com a virtual que era refletida. Fiquei encantado. Qual era a
> imagem real? A que eu colapsava (como nos informa a Física quântica) e me
> parecia "verdadeira", ou a que se refletia? Quem era real: a dama de
> vermelho ou os gatinhos na cortina branca?
> Parece loucura, não? Mas é profunda questão para a filosofia da ciência,
> hoje quântica.
> Parabéns!".
> Pucci:.
>

19 de março de 2012 às 23:16
Anônimo disse...

"Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim." Cecília Meireles
Parabéns querida amiga,
suas palavras como sempre
nos fazendo refletir.
Mônica Munhoz

3 de maio de 2012 às 10:27
San disse...

Professor Izabel Livinski, what a charming photo essay! envolvente, simpático, técnico na medida certa para nao se tornar acadêmico, pessoal e cativante. seus pontos de vista falam para mim, adorei tudo. kudos!

6 de março de 2017 às 12:33
Anônimo disse...

Fotos lindíssimas. Parabéns.

Anônimo disse...
As janelas das residências em países europeus de clima frio, são a única possibilidade de externalizar uma marca individual, que serve de ponte entre os anônimos atrás de paredes e o mundo lá fora. Belo insight o seu interesse! Eu quando estive na Holanda, tirei fotos só dos macacos do santuário Appeldorn . Nunca havia estado num local em que animais fossem tratados com respeito, já que só conhecia zoológicos.Simone

Carlize disse...
E não há de ver que a moça é boa de foto e também de escrita?
Parabéns

Bárbara Lia disse...
Delírios em Amsterdan! Muita poesia nas imagens, parabéns Izabel...
abraços

Anônimo disse...
Izabel, parabéns pelas lindíssimas imagens e trabalho!Continue a trabalhar com muito amor, dedicação e inspiração, esta é a chave do sucesso. Abraço,
Michele

Joana Maria Pedro disse...
Muito lindas as fotos.
Conheço Amsterdan, achei linda a cidade mas não vi esta beleza que viste.

Unknown disse...
I love the pictures, they are beautiful. Odd I live in Holland and have never looked at it the way you captured it.

Abraço.

Kim

Márcia disse...
Oi Izabel...
Muito bom ler teu relato... Relato de andanças de olhar... As imagens são muito belas em sua singeleza.
Parabéns!
Márcia

Anônimo disse...
Oi Izabel,
Adorei!
Bjos,
CGioppo

marilda confortin disse...
Olá Izabel. Fotos maravilhosas. E o texto foi escrito com olhar de poeta. Adorei.

Eleonora Gutierrez disse...
Olá, Isabel
Sua sensibilidade para captar o ser indivíduo seu meio e as subjetividades que envolvem seu contexto, revelam o olhar apurado e generoso do artista voltada às questões da vida em sua celebração e energia pulsante.abço. Eleonora

25 de abril de 2020 às 22:49
Anônimo disse...

Bel,
adorei a matéria, texto interessante, fotos que despertam o olhar. A escolha de fotografar cenas comuns, "retalhos do cotidiano" me fez lembrar a o que atraía Roland Barthes nas fotografias: os pequenos detalhes a que o olhar do fotógrafo deu significância. A atração pelas janelas estabelece o sentido de diálogo entre o fotógrafo e o fotografado. O olhar de quem se debruça na janela cruza com o olhar que espia pelo olho da câmera. E tudo que a câmera cristaliza em foto é o real transfigurado pela câmera clara do olhar que se revela no que vê. Interação em que o eu do fotógrafo transforma o visto na medida em que o assimila, sendo por ele transformado.
Viajei muito? Bom, é porque gostei muito do que li e do que vi.
Beijo.
Afonso Guerra-Baião.

28 de abril de 2020 às 10:12

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