Oscar merecido; “A separação” trata de conflitos universais em terreno iraniano
Peyman Moaadi, Farhadi e Leila Hatami na festa do Oscar 2012 |
A separação é uma problemática do mundo contemporâneo
que envolve questões sociais, culturais e religiosas. Em muitos lugares do
mundo as pessoas tem livre arbítrio para escolherem sua cara metade, no entanto, nem sempre a escolha poderá perpetuar até que a morte os separe. Casamento é
cumplicidade, abnegação, companheirismo, mas não é só isso; é preciso que duas
pessoas também queiram coisas semelhantes para terem objetivos comuns. Por
quanto tempo isto será possível? O tempo pode mudar os interesses destas
pessoas, os lugares que freqüentam, os amigos, a profissão? Como então
conservar amigos semelhantes, objetivos e vontades em comum? Qualquer um da
dupla em questão pode cansar de conviver com os amigos do outro, com os familiares do outro, com as
vontades do outro. Será que há esperança para o casamento? A solução estará no
amor?
O amor platônico
O amor é vivência e convivência. Mas amar inclui, às
vezes, fazer o que o outro quer,
abrir mão da própria vontade em prol do ser amado. Até que ponto é possível
amar um ser e compartilhar momentos comuns e felizes sem sentir-se sufocado ou
prejudicado?
O amor está dentro de cada um dos amantes assim, o
outro é sempre o objeto de seu amor. Platão, o mais importante discípulo de
Sócrates, na obra “Timeu”, estabelece a famosa diferença entre o mundo sensível (o concreto em que vivemos)
e o mundo das idéias, lugar da perfeição onde acontece o amor platônico,
fantasiado e idealizado, que objetiva um ser perfeito.
Para nós, mortais e reais, o amor é compromisso e esse compromisso é muitas vezes selado
pelo casamento. Voltamos ao casamento, que pode ser conseqüência do amor. As
culturas judaico-cristãs ou até as egípcias tem nas alianças um símbolo semiótico de enlace e perfeição que expõem as pessoas que as usam a deveres e obrigações. Quem as usam, devem satisfações de seus atos para o ser amado e vice-e-versa. Como num
lacre supremo segurado pela fidelidade austera, casar é mais que prova de amor,
é responsabilidade e juramento severo. Um juiz de paz, um
padre, um rabino ou seja lá quem presencie e sele o pacto de amor, testemunha o
acontecido. Um pacto financeiro, social, cultural, de bens, de fidelidade e religiosidade.
Um amálgama de quereres e deveres.
O amor shakesperiano
Shakespeare imortalizou o amor de Romeu e Julieta matando os amantes, assim, o amor não precisaria ser gasto com a convivência, com os
filhos, com os problemas de amigos diferentes, de ciúmes, de familiares... Para
conservar o amor perfeito, o dramaturgo inglês preferiu matar os objetos do que o
amor.
a morte de Romeu |
É, de cara o filme “A separação”, do iraniano Asghar Farhadi,
que ganhou o Oscar 2012 na categoria melhor filme estrangeiro, conseguiu tratar de um tema universal, polêmico e
atemporal pelo viés iraniano. Com um roteiro simples mas instigante, o filme
conta a história do
divórcio de Naader (Peyman Moaadi) e
Simin (Leila Hatami). Ao que tudo indica o motivo da separação é a
incompatibilidade de objetivos; enquanto Naader precisa cuidar do pai com
Alzheimer, Simin quer deixar o país para que a filha do casal não cresça no Irã.
Pessoas que se amam e desenvolvem ideais diferentes costumam se separar; o fato é, Naader não pode deixar o pai doente e
seguir para uma vida com sua mulher e filha fora do Irã. Já Simin, não consegue
continuar cuidando do sogro. Assim o casamento está em cheque, a solução é ir cada
um pro seu lado. É, mas as coisas
não são tão simples assim, eles tem uma filha que fica dividida e sofre por ter
de escolher entre o pai e a mãe.
Farhadi constrói personagens complexos com sentimentos
e emoções imprevisíveis, colocando nós, expectadores, diante de um jogo
antagônico de tomada de decisões. Estamos presenciando testemunhos dos
personagens diante da justiça do Irã, peculiarmente estranha para nós
brasileiros, tentamos nos posicionar querendo achar os culpados, as vítimas, mas
sabiamente Farhadi nos conduz para o universo das possibilidades. Sem a intenção
maniqueísta do diretor não é possível tomar as razões e as dores de um só personagem.
Apesar de terem sido colocados um contra os outro é muito difícil para nós concluirmos quem é o vilão e quem é o mocinho desta história.
Algumas características típicas dos filmes iranianos
são conservadas como: as crianças em cena, o naturalismo quase documental e a câmera na mão. No entanto, é notório observar como o diretor trabalhou a montagem, muito bem cuidada com planos bem pensados
e com supressão de cenas chaves
que instigam o espectador e dão beleza e dinamismo ao filme. Farhadi é generoso,
lança um olhar cúmplice e poético para seus personagens, desenha lindas imagens dos sentimentos
e atitudes deles durante o filme. Reparem nas imagens como a separação entre o casal proporciona conflitos de ordem estrutural
na família, no próprio amor e como as cenas são signos destes sentimentos.
Apesar do filme ter uma vertente naturalista, a atuação dos atores é um ponto
forte. Fiquei particularmente encantada com o ator que interpretou o
pai de Naader. Uma cena inesquecível acontece no quarto; neta e avô sentados na
cama, ele corcunda pela doença, ela com a cabeça baixa de tristeza, a posição
semelhante dos dois que dividem o mesmo sentimento pela separação do casal.
Lindas cenas, ótimo filme, vale muito a pena conferir e
entender como a separação envolve tantas questões aqui e no Irã ou talvez em
qualquer lugar do mundo. Separar é ir cada um para seu lado, lados opostos e, deste amor que nada lembra o amor shakespeariano ou platônico, parece sobrar
apenas dores, magoas, um velho e um filho.
Bom filme!
Para terminar, um poema do Leandro Daniel (Musseque)
inspirado no livro que também fala sobre o amor:
"O
Amor é sexualmente transmissível" - do livro de Marçal Aquino, "Eu
receberia as piores notícias de seus lindos lábios" - Homenagem ao
professor Schianberg.
E hoje, você
está se sentindo bonita?
Tem alguém aí?
Ou são só ruídos bastardos?
Tem alguém aí?
Atrás do que está na frente?
Tem alguém aí?
Embaixo da máscara,
ou serão máscaras ao infinito?
Alguém se espreita aqui
irrequieto, quer fugir de si
sem saber que o que consegue
em seus áureos esforços
é uma versão do ponto inicial
Aqui – fronteira - Aí
só pra constar:
se tiver alguém aí
tire-me daqui por uns instantes
de minhas versões infindas
quem sabe daí
ouça melhor meus ruídos criptografados.
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