LE DERRIÈRE e a MORAL NORTE-AMERICANA
"Nenhuma educação pode impedir a menina de tomar consciência de seu corpo e de sonhar com seu destino; quando muito pode impor-lhe estritos recalques que pesarão mais tarde sobre toda a sua vida sexual" (Simone de Beauvoir)
Dia desses li um interessante artigo de Luiz Caversan publicado na Folha, intitulado A bunda de Simone de Beauvoir onde ele relata seu passeio à Carmel, uma pequena cidade da Califórnia. Tudo ia muito bem, até que ele e sua namorada observaram vendedoras de uma loja cobrirem cuidadosamente o corpo desnudo de uma manequim de vitrine com papel de seda, pois a colocação das roupas da nova estação só se daria no dia seguinte. Fizeram um belo trabalho, moldando um vestido em cor-de-rosa para a mulher de gesso e tinta, com seios artificiais e sem genitália.
Parece não haver relação entre o título do artigo e a descrição da pacata cidadezinha dos EUA, com seus costumes provincianos e pudícos. Mas há uma relação estreita entre o cuidado com "as velhinhas ricas de Carmel de cenas tão chocantes" e uma atitude recente de uma rede social americana. Afinal, o americano médio continua extremamente moralista. Já os acima da média são capazes de loucuras geniais tanto no cinema, na literatura e outras artes que todo mundo conhece.
E a prova disso é o e pisódio da censura aplicada pelos administradores da rede social Facebook ao fotógrafo brasileiro Fernando Rabelo. Ele teve sua página retirada do ar por alguns dias à guisa de punição pelo fato de ter publicado uma foto da escritora francesa Simone de Beauvoir (1908-1986), nua e de costas em um toucador ou algo do gênero.
Essa foto, famosíssima, foi feita pelo fotógrafo (pasmem!) norte-americano Art Shay em 1952, durante uma estada da escritora na cidade de Chicago. Foi uma foto tirada sem seu consentimento sim, mas posteriormente ela autorizou a publicação. La Beauvoir era uma libertária acima de tudo, e aliás dona de um belo derrière digno de filme noir, daqueles bem antológicos.
O surto de defesa da moral e dos bons costumes que já esteve por aqui nos tempos da ditadura parece que renasceu fortemente nas mãos dos gestores do Face, e o que parecia um território livre para idéias e estéticas ultrapassou os parâmetros dom bom senso e do respeito ao próximo, caindo em um ridículo moralismo fora de moda e de sentido.
Afinal, Simone de Beauvoir, uma feminista pioneira, defensora radical de que a mulher deveria dispor plenamente de sua vida, de seu corpo e de suas idéias não seria contra a publicação de sua foto. É o que deixa claro na epígrafe que abre o texto desta edição, retirado do livro O Segundo Sexo.
A polêmica foto de Simone de Beauvoir, do fotógrafo Art Shay (1952).
Izabel Liviski é Fotógrafa e Doutoranda em Sociologia pela UFPR. Pesquisadora de História da Arte, Sociologia da Imagem e Antropologia Visual. Escreve a coluna INCONTROS quinzenalmente às 5as feiras na Revista ContemporArtes.
Foto: Inge Morath
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