Segall e suas influências no modernismo brasileiro
Hoje, na Coluna AS HORAS, Leandro Daniel fala sobre a chegada de Segall a São Paulo e como foi seu envolvimento com os modernistas.
A chegada de Segall a São Paulo deu-se em no final do ano de 1923. Encontra a cidade recém saída da grande Semana de Arte Moderna de 1922, ocorrida no Teatro Municipal de São Paulo. Entretanto, desde antes da Semana já é perceptível uma tendência de pequena parte das artes plásticas a caminhar contra o academicismo em busca de uma modernidade. Na pintura, a última fase de Almeida Júnior foi ressaltada posteriormente por Mário de Andrade como um momento no qual já se observava um “espírito brasileiro”. Aracy Amaral, e seu livro “Artes Plásticas na Semana de 22”, faz menção a um escrito de Mário, no qual este diz que o fator principal que torna essa fase de Almeida Júnior “abrasileirada” são as cores utilizadas pelo pintor, que segundo ele figuram como “...cor da terra e da pele queimada do caipira,..” (Amaral, 1979, pág. 34). A busca por uma construção do nacional na pintura solta alguns lampejos, e as cores que lembram as paisagens brasileiras já são vistas como um a priori nesse contexto. Na década de 1910, ocorrem as exposições de Lasar Segall e Anita Malffati, em 1913 e 17, respectivamente. A proximidade temporal entre as duas exposições e as influências modernistas de ambos os pintores alimentaram a famosa querela que, no contexto da revisão do modernismo no Brasil, se assentou em saber qual delas foi a primeira exposição modernista no Brasil. Os quadros de Segall expostos em são Paulo e Campinas eram essencialmente impressionistas ou pós-impressionistas. Claudia Valadão de Matos faz uma revisão da datação de alguns quadros de Segall desse período, mostrando que seu engajamento com o Expressionismo foi mais tardio do que até então a crítica pensava. (Valadão, 2000). A mesma autora analisa a recepção da crítica com relação às exposições de Segall em 1913 (Valadão, 1997). Ela observa que as críticas dos periódicos de São Paulo se interessavam pela exposição menos como uma manifestação artística e mais como um evento público protagonizado por um estrangeiro. Quando buscam analisar a pintura em si, eles esbarram em um descompasso entre as obras expostas e o padrão acadêmico vigente em São Paulo: “Percebem então um certo exagero em seu entusiasmo pelo impressionismo, causando, aos olhos do crítico, “vários defeitos”. Esse entusiasmo, o “temperamento impetuoso do artista” é atribuído então a sua juventude e, otimisticamente, o crítico considera-o passageiro, confiando que será percebido e corrigido pelo artista com o tempo” (Valadão, 1997, pág. 23). A exposição em Campinas, diferentemente, encontrou uma crítica mais bem informada sobre os movimentos artísticos da Europa. Ela também era mais descritiva e elaborada, com uma percepção mais fina sobre as obras. Foi um crítico dessa ocasião que intitulou seu texto “Um pintor de almas”, se referindo à capacidade de Segall de ser tão “intimista e universal” (Valadão, 1997, 31). Mesmo essas críticas mais afeitas a uma arte não-acadêmica não conseguiram levantar uma repercussão na produção de arte. A exposição de Anita, ocorrida em São Paulo, em 1917, foi resultado de uma temporada de estadia na Alemanha. Aracy Amaral, citando os estudos de Mário Silva Brito, diz que Anita realmente foi “o estopim do modernismo”. Posição também adotada por Mário de Andrade, que sempre insistiu que Anita foi a “despertadora do movimento moderno” (Amaral, 1979, pág. 78). Anita também foi importante, segundo a autora, pois os duros ataques contra suas obras, encabeçados por Monteiro Lobato, ajudaram a reunir Oswald e Mário de Andrade na defesa da artista. O interessante de todo esse embate é perceber como ainda eram escassas as manifestações de algo que não seguisse as normas da academia, se limitando essencialmente a duas exposições em uma década. As poucas vozes dissonantes, como Mário e Oswald de Andrade, Di Cavalcanti, iniciam uma cruzada contra os academicismos, que permaneciam firmes. A Vila Kirial, patrocinada por Freitas Valle, figurava como o local de encontro de poetas, pintores e diversas outras figuras afins.
A chegada de Segall a São Paulo deu-se em no final do ano de 1923. Encontra a cidade recém saída da grande Semana de Arte Moderna de 1922, ocorrida no Teatro Municipal de São Paulo. Entretanto, desde antes da Semana já é perceptível uma tendência de pequena parte das artes plásticas a caminhar contra o academicismo em busca de uma modernidade. Na pintura, a última fase de Almeida Júnior foi ressaltada posteriormente por Mário de Andrade como um momento no qual já se observava um “espírito brasileiro”. Aracy Amaral, e seu livro “Artes Plásticas na Semana de 22”, faz menção a um escrito de Mário, no qual este diz que o fator principal que torna essa fase de Almeida Júnior “abrasileirada” são as cores utilizadas pelo pintor, que segundo ele figuram como “...cor da terra e da pele queimada do caipira,..” (Amaral, 1979, pág. 34). A busca por uma construção do nacional na pintura solta alguns lampejos, e as cores que lembram as paisagens brasileiras já são vistas como um a priori nesse contexto. Na década de 1910, ocorrem as exposições de Lasar Segall e Anita Malffati, em 1913 e 17, respectivamente. A proximidade temporal entre as duas exposições e as influências modernistas de ambos os pintores alimentaram a famosa querela que, no contexto da revisão do modernismo no Brasil, se assentou em saber qual delas foi a primeira exposição modernista no Brasil. Os quadros de Segall expostos em são Paulo e Campinas eram essencialmente impressionistas ou pós-impressionistas. Claudia Valadão de Matos faz uma revisão da datação de alguns quadros de Segall desse período, mostrando que seu engajamento com o Expressionismo foi mais tardio do que até então a crítica pensava. (Valadão, 2000). A mesma autora analisa a recepção da crítica com relação às exposições de Segall em 1913 (Valadão, 1997). Ela observa que as críticas dos periódicos de São Paulo se interessavam pela exposição menos como uma manifestação artística e mais como um evento público protagonizado por um estrangeiro. Quando buscam analisar a pintura em si, eles esbarram em um descompasso entre as obras expostas e o padrão acadêmico vigente em São Paulo: “Percebem então um certo exagero em seu entusiasmo pelo impressionismo, causando, aos olhos do crítico, “vários defeitos”. Esse entusiasmo, o “temperamento impetuoso do artista” é atribuído então a sua juventude e, otimisticamente, o crítico considera-o passageiro, confiando que será percebido e corrigido pelo artista com o tempo” (Valadão, 1997, pág. 23). A exposição em Campinas, diferentemente, encontrou uma crítica mais bem informada sobre os movimentos artísticos da Europa. Ela também era mais descritiva e elaborada, com uma percepção mais fina sobre as obras. Foi um crítico dessa ocasião que intitulou seu texto “Um pintor de almas”, se referindo à capacidade de Segall de ser tão “intimista e universal” (Valadão, 1997, 31). Mesmo essas críticas mais afeitas a uma arte não-acadêmica não conseguiram levantar uma repercussão na produção de arte. A exposição de Anita, ocorrida em São Paulo, em 1917, foi resultado de uma temporada de estadia na Alemanha. Aracy Amaral, citando os estudos de Mário Silva Brito, diz que Anita realmente foi “o estopim do modernismo”. Posição também adotada por Mário de Andrade, que sempre insistiu que Anita foi a “despertadora do movimento moderno” (Amaral, 1979, pág. 78). Anita também foi importante, segundo a autora, pois os duros ataques contra suas obras, encabeçados por Monteiro Lobato, ajudaram a reunir Oswald e Mário de Andrade na defesa da artista. O interessante de todo esse embate é perceber como ainda eram escassas as manifestações de algo que não seguisse as normas da academia, se limitando essencialmente a duas exposições em uma década. As poucas vozes dissonantes, como Mário e Oswald de Andrade, Di Cavalcanti, iniciam uma cruzada contra os academicismos, que permaneciam firmes. A Vila Kirial, patrocinada por Freitas Valle, figurava como o local de encontro de poetas, pintores e diversas outras figuras afins.
A “Semana de Arte de 1922” veio
então como uma tentativa de agitar o cenário das artes em São Paulo. Amaral
ressalta o sentido destruidor da Semana, que buscava uma nova concepção de
arte, fazendo-se necessário, para isso, negar o passadismo (Amaral, 1979, pág.
100). Para isso buscavam as vanguardas
européias como meio de expressão, sem esquecer o nacional como um motivo.
Deu-se uma configuração intitulada de tradicionalismo-internacionalismo por
Aracy Amaral, na qual buscava-se uma representação do nacional (já mostrado
pelo “caipira” em São Paulo) utilizando técnicas provenientes dos movimentos
artísticos europeus (os “ismos”). Entretanto a São Paulo era ainda impregnada
pela economia cafeeira, dando à cidade mais uma aspecto rural do que
industrial. A ambigüidade que enfrentavam os artistas modernistas era justamente a necessidade de importar a
arte atual européia (especificamente Paris) para se desvencilhar do
academicismo que dominava, ao mesmo tempo que almejavam a construção do
nacional em suas obras. As pinturas de Tarsila do Amaral, como “A Negra” e “A
Caipirinha”, ambas de 1923, já expressam essa confluência de internacionalismo
e nacionalismo, utilizando técnicas cubistas para expressar motivos
brasileiros.
Saída de Segall da Alemanha rumo ao Brasil
Segall muda-se para Berlim em 1922.
Esse teria sido um dos principais fatores causadores de sua mudança para o
Brasil, no final do ano de 23. Claudia Valadão de Mattos estudou o período
alemão de Segall mais detalhadamente, acompanhando sua atividade artística. A
ida para Berlim colocou Segall em contato mais direto com as novas tendências
“neu-sachlin”: “A convicção de que o judeu teria a tendência natural à
expressão de seu mundo interior era de fato bastante incompatível com a busca
de “distanciamento” e “objetividade” da nova estética” (Valadão, 2000, pág.
170). Apesar de ter absorvido algumas características da “nova objetividade”,
Segall parecia não abrir mão de
sua pintura expressionista.
Entretanto Segall também não parecia afeito à idéia de juntar-se aos
judeus orientais em tendências nacionalistas judaicas. Valadão expõe esse fato
a partir do contato de Segall com um pintor polonês Jankel Adler, que também
era judeu. Este teria escrito uma carta a Segall, quase o convocando para realização
conjunta de uma exposição apenas com “judeus orientais”. A autora interpreta a
não resposta de Segall e um ponto de interrogação colocada na carta como uma
recusa do artista perante tal idéia. No período imediatamente anterior à vinda
ao Brasil percebe-se nos quadros de Segall uma crescente geometrização e
abstração da composição (Valadão, 2000, p. 175). As temáticas dos quadros, que
até então seguia suas tendências expressionistas (um sentido social-universal a
partir do judeu) se alterna nesse último ano alemão, passando se temas sociais
a judaicos ou sem conteúdo específico. Entretanto, se manteve sua tendência de
uma arte que usasse uma linguagem universalmente compreensível, descartando o
aprisionamnto ao tema judaico. Com relação a essa questão, Valadão diz: “Essa
sua tentativa incansável de produzir obras que fossem ao mesmo tempo
especificamente judaicas sem recorrer à tradição judaica propriamente dita, ou
seja, sua crença na utopia de uma arte ao mesmo tempo particular e universal,
em um momento de florescimento nacionalista, tanto entre artistas alemães,
quanto entre os judeus, é certamente o que imprime à sua obra um caráter
único.” (Valadão, 2000, p. 179). Esse deslocamento de Segall na configuração da
arte alemã, possivelmete associada com uma alta da inflação nesse país (fato lembrado
por Valadão) levaram Segall a procurar o Brasil como um local de moradia, pelo
menos temporária.
Encontro com o modernismo brasileiro
Segall chegou ao Brasil com Margarete, sua
mulher, em 1923. Eles se instalaram por um período na casa dos irmãos de
Segall, Luba e Oscar Siegel, que já moravam no Brasil. Logo depois mudaram para
uma casinha próxima (Beccari, 1979). Segall já era esperado, e o principal
anfitrião era Mário de Andrade, que já conhecia o pintor russo. Mário não
esconde seu entusiasmo com relação à chegada do pintor ao país. Mario foi quem
possibilitou que os outros modernistas brasileiros conhecessem Segall antes
mesmo de sua chegada ao Brasil. E quando chegou, Lasar foi reconhecido pelos
modernistas. Em carta a seu amigo Will Grohman, o pintor demonstra que os
artistas que encontrou estão informados sobre a arte recente na Europa, dizendo
que “... possuem tudo o que apareceu nesse período em livros e revistas”
(Beccari, 1979). Segall começa então a frequentar a Vila Kyrial. Ele também recebe
a incumbência de decorar o Baile Futurista do Automóvel Clube, em 23, e o
Pavilhão Modernista de D. Olívia Guedes Penteado, em 24. Logo, em março do mesmo ano, o pintor
realiza a sua exposição com óleos, desenhos e litografias feitos entre 1908 e
1911 e óleos, aquarelas e gravuras feitos entre 1911e 1923, além dos álbuns de
gravuras “Bubu”, “Die Sanfte” e “Recordações de Vilna” (Beccari, 1979). Em
todas as participações de Segall no cenário artístico brasileiro desse período,
Mario estava presente analisando cuidadosa e positivamente a obra do pintor.
Claudia Valadão de Matos se detém sobre esse período de monopólio crítico de
Mario sobre Segall, no qual ele exerce simultaneamente à sua liderança no
modernismo paulista. Valadão diz: “Segall veio como de encontro às buscas de
renovação estética de Mário de Andrade nesse primeiro momento do modernismo,
tornando-se quase um modelo. As considerações do escritor sobre o artista
foram, como veremos, uma reflexão de Mário de Andrade sobre o destino da arte
moderna em geral.” (Valadão, 1997, p. 44). Do lado de Segall, parecia convir o
ambiente encontrado no Brasil, visto sua saída conflituosa da Alemanha e o
prestígio imediato que encontrou por aqui com os modernistas. Ele foi inserido
no contexto artístico como um exemplo a ser seguido, além de trazer a
contribuição das vanguardas alemãs, mais justamente do expressionismo. Pode ser
identificado um ponto de encontro entre as diversas tradições e momentos
artísticos: Segall, vindo de um ambiente constrangedor do cenário alemão, é
absorvido, pelo modernismo paulista, liderado por Mário de Andrade, que buscava
se firmar no contexto artístico contra os academicismos.
Descrição do quadro “Mulata com Criança”, de
1924
Penso que esse quadro mostra alguns fatores
provenientes desse encontro de Segall com o modernismo paulista. Logo de saída,
percebemos uma não preocupação do pintor com a representação do real, de uma
suposta natureza. Também percebemos o cuidado de Lasar em se valer de temas
nacionalistas como: os negros, a favela, plantas tropicais, cores “quentes”.
Vemos uma mulher negra com um bebê no colo no primeiro plano. A composição
dessas duas figuras segue o uso do círculo, triângulo e quadrado. O cabelo da
mulher é composto por um quase semi-círculo, que encontra continuidade no rosto
anguloso, assemelhando-se o queixo ao vértice de um triângulo. Seus ombros
figuram em uma linha reta, compondo um dos lados de um losango, formado pela
continuação com os braços que seguram o bebê. O ombro esquerdo da mulher segue a
tendência angulosa do queixo, que aparece um pouco mais à direita. O decote do
vestido da figura feminina também forma um semi-círculo quase perfeito, que
encontra mais embaixo um certo paralelismo na curvatura das costas do bebê. O
bebê é representado em poucos traços, sendo sua cabeça oval e o seu corpo
formado por uma curva e uma reta, que têm os seus caminhos interrompidos por
uma pequena linha vertical, formando um quase triângulo. O vestido da mulher e
delimitado ao lado e abaixo do bebê por duas curvas e uma reta. Suas pernas
saem do vestido e parecem se encontrar, já saindo do quadro. Os elementos que
rodeam as duas figuras também lembram formas geométricas. Ao lado da cabeça da
mulher vemos um retângulo da janela, marcando a arquitetura. Ao lado, um pouco
mais abaixo, aparece o início do que seria outra janela, que é cortada logo em
seu início pela borda do quadro. Mais abaixo, do mesmo lado parece uma escada
que, em sua parte inferior termina no vazio e, na superior se limita ao que
seria uma parede. É notável a fluidez entre os planos. Eles parecem se
intercalar, seguindo uma característica cubista. Pela inexistência de uma preocupação
de perspectiva, o que parece sutilmente delimitar os planos são as retas
associadas às cores. A propósito dessa questão, as cores de tom avermelhado
presentes fortemente no fundo, do lado direito do quadro, trazem à obra uma
sensação de quentura significante e emocionante. Elas contribuem para essa
interpenetração de planos, fato presente na continuidade de tons entre a touca
do menino, mais avermelhado, e o fundo. A cor da pele das figuras também se
associa diretamente com esse fundo à direita e abaixo. À esquerda das figuras
temos as plantas de um verde vistoso, lembrando as bananeiras do país tropical.
O fundo dessa parte se torna mais claro, em um tom amarelo suave, que se
intensifica em uma faixa quase mostarda bem no limite esquerdo do quadro. Esse
tom mais suave ao fundo ressalta o verde das plantas, que escondem em parte uma
outra janela ao fundo. A simplicidade e a combinação das cores trazem muito da
expressividade do quadro.
Segall e seu quadro no contexto de sua produção
Segall, segundo Valadão, no seu último ano na
Alemanha já exibia tendências de geometrização em seus quadros. A autora
analisa um quadro do pintor de 1922, chamado “Rua – Duas Mulheres”. Ela observa
como a paisagem do quadro é concebida de forma abstrata, formada por quadrados
e retângulos de diversos tons de marrons. “A geometrização dos objetos no
quadro é acentuada a ponto de impô-los ao olhar do observador como formas
puras” (Valadão, 2000, p. 175). A autora vê uma influência da “Pintura
Metafísica”, de De Chirico. Em “Mulata com Criança” a paisagem também é formada
basicamente por formas geométricas, além das próprias figuras seguirem essa
tendência. Ela cita ainda outros quadros do período com essa mesma inclinação à
geometrização: “Figura à Mesa”, “Gestante II”, “Mulheres Erradias”, todos de
1923. Quando chega ao Brasil Segall mantém esse caráter em suas pinturas e
esquece temporariamente a temática judaica. Esse fato foi de relevante
importância, visto que se adequou à temática dominante dos modernistas
brasileiros (também presente em “Menino com Lagartichas” e “Mulato I”, ambos de
1924). No entanto é interessante notar que Lasar não criou uma escola; mesmo em
seu período inicial no Brasil não se percebe uma apropriação direta de outros
pintores de suas obras. O que se viu nessa chegada, e que é mostrado no quadro
“Mulata com Criança”, é uma mistura das formas angulosas com o caráter expressionista
e universal de Segall. Creio que nesse contexto brasileiro o pintor tenha
encontrado um espaço mais livre para sua manifestação artística. Saído do
ambiente alemão, no qual as questões ideológicas relacionadas ao nacionalismo
judeu e a ascensão do “neu-sachlich”, marcado pelo distanciamento e
objetividade, Lasar parece tem encontrado aqui seu caminho particular que ele
começou na Europa. É de grande importância também suas referências a Kandinsky
e ao abstracionismo. No entanto ele chega a essas apropriações não mais por via
do judaísmo, que era um fator influenciador antes de sua saída da Alemanha, via
Jankel Adler (Valadão, 2000), mas por uma teorização sobre arte que apontava
para uma essência da arte, vinda de uma necessidade interior que se expressa em
formas. Em sua conferência “As expressões plásticas da Arte” (ou “Sobre Arte”)
proferida na Vila Kyrial em 8 de Junho de 1924, demonstra uma forte influência
de Kandinsky, com o livro “Do Espiritual na Arte”, fato já observado por
Beccari (Beccari, 1979). Nela,
Segall defende que a arte não deve se apegar à técnica, pois ela é vazia em si.
Exaltando as artes egípcias, bizantinas e da África negra, o pintor vê a arte
como uma manifestação de um constante embate entre o instinto e o intelecto, o
materialismo e a abstração.
No quadro “Mulata com Criança”, Segall parece
experimentar esses suas concepções sobre a arte. A temática brasileira só vem a
reafirmar sua inclinação para universalismo, visto que busca o sensível e o
expressivo, que estão presentes em qualquer parte. O fato de o modernismo
brasileiro ainda estar em construção na época da realização do quadro soma-se
como um fator a mais para Segall mostrar o que ele busca como uma arte, não só
moderna, mas uma arte universal.
Considerações Finais
A presença de Segall no Brasil no final de 1923
vem de encontro com a construção do modernismo brasileiro pós-Semana de 22. Os
modernistas, que buscavam fugir da cópia dos modelos acadêmicos neoclássicos da
Europa, que formava uma configuração no Brasil caracterizada como uma “comédia
ideológica” por Roberto Schwarz, buscavam nos “ismos” a saída para tentar se desvencilhar
dessa “ideologia” que havia se instaurado (Schwarz, 1978). Segall representava
esperanças para esse grupo, que na voz de Mário de Andrade exaltou a presença
dos artistas pelos trópicos. Segall, por sua vez, responde com uma obra como
“Mulata com Criança”, no qual ele mostra tendências geométricas de
representação e insere em sua temática motivos brasileiros. Entretanto sua
construção artística segue ainda seu caráter particular de modernismo, e mais
amplamente de arte. Apesar da incorporação dos temas brasileiros, Segall
mantém-se fiel a sua tendência de universalismo, o que talvez, posteriormente,
não agrada tanto Mário de Andrade. Sua conferência na Vila Kiryal demonstra
essa sua tendência, o que indica que Segall não compartilha da experiência do
cenário específico de ambigüidade vivido pelos modernistas brasileiros.
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