quinta-feira, 26 de abril de 2012

DIANE DI PRIMA: A POETA TRÊS VEZES MARGINAL

      
     
"Havia mulheres, elas também estavam lá, eu as conheci, suas famílias as colocavam em sanatórios, e elas recebiam choques elétricos. Na década de 50, se você fosse homem  você poderia ser um rebelde, mas se você fosse mulher, sua família poderia trancá-la. Houve muitos casos assim, eu  os presenciei, e algum dia alguém ainda vai escrever sobre isso." (Gregory Corso, tradução livre)

As palavras de Corso, acima, descrevem como esse integrante da geração beat testemunhou a presença feminina no movimento, e as consequências diferenciadas para homens e mulheres pela rebeldia e adesão ao modo de vida marginal (hipster), nos anos que se sucederam à segunda Guerra Mundial. A coletânea Women of the Beat Generation, organizada por Brenda Knight, traz alguns nomes, porém poucas se destacaram, entre elas a poeta que se tornou emblemática, Diane Di Prima. 

A geração beat, como ficou conhecida, era composta por poetas, prosadores e artistas norte-americanos que na década de 1950 emergiram com grande ousadia e  inovação em suas criações  literárias e também em seu comportamento, contrário ao 'american way of life'. Entre eles, Jack Kerouac, autor de On the Road, Allen Ginsberg autor do antológico Howl (Uivo), William Burroughs, Lawrence Ferlinghetti, Michael McClure, Gary Snider entre outros. Esse movimento seria precursor da Contracultura das décadas seguintes.(Willer, 2009)

Mas apesar de ser um grupo libertário, muitas vezes em seus escritos e manifestações, de forma implícita ou aparente, identificavam as mulheres com  a sociedade opressora ou com a instituição burguesa da família e seus papéis sufocantes, representando as mulheres (namoradas, amantes ou esposas) como castradoras, aquelas que lhes "cortavam as asas". Assim, mesmo os beats paradoxalmente incorporaram um viés cultural histórico masculinista, e não foram capazes de questioná-lo. (Adelman, 2004)

A nossa personagem é  protagonista de obras e episódios que provocaram admiração e escândalo na conservadora sociedade norte-americana da época. Sua produção literária é extensa, mas seleciono aqui apenas alguns trechos de suas poesias.



                                                                      
Diane di Prima nasceu em 1934 no bairro do Brooklyn em Nova Iorque, descendente de italianos, fator que influenciou sua orientação política e comportamental. Seu primeiro livro chama-se This Kind of Bird Flies Backward, publicado em 1958. Tornando-se um elo entre os poetas da Costa Leste e Oeste norte-americanas, Di Prima conhece e envolve-se no fim dos anos 50 e início dos 60 com os Beats de Nova Iorque e San Francisco, vivendo por alguns anos entre as duas cidades.


Ela fundou o Teatro dos Poetas de Nova Iorque (New York Poets Theatre), e ainda a Editora dos Poetas (Poets Press), que publicou alguns de seus companheiros. Com LeRoi Jones (mais tarde conhecido como Amiri Baraka), editou a revista The Floating Bear (1961 – 1969). Diane di Prima passou a estudar o budismo após conhecer Suzuki Roshi, e se ligaria ainda à comunidade de Timothy Leary, o "profeta do LSD" em Millbrook.

Em 1960 escreveu Memoirs of a beatnik, um de seus poucos livros traduzidos para o português. Memórias de uma beatnik (1999), é um romance recheado de erotismo, algo considerado repulsivo em seu tempo, principalmente quando associado à mulheres.

 Di Prima publicou alguns de seus livros mais importantes na década de 70, como Revolutionary Letters (1971) e Loba (1978). As "Cartas revolucionárias" estão ligadas a seu ativismo político com o grupo conhecido como "The Diggers", grupo de teatro anarquista fundado por Emmett Grogan (1943–1978) – a quem Bob Dylan dedicou seu álbum Street-Legal (1978).

Com o lançamento desse livro, ela legitimou seu oficio de escritora, estabelecendo-se em São Francisco onde criou seus cinco filhos.



Diane di Prima ainda vive em San Francisco, onde promove cursos e produz  literatura, Recollections of My Life as a Woman foi publicado em 2001. Outras obras mais recentes são: Towers down de 2002, The ones I used to laugh with, de 2003 e Timebomb de 2006. Loba foi republicado em 2008, com o dobro de material da publicação anterior.

Ao todo, publicou 43 livros de prosa e poesia, recebeu diversos prêmios por sua trajetória literária, além de títulos honorários de literatura. Em San Francisco foi eleita poeta laureada em 2009.


Poemas de Di Prima:

"Fragmentos de um discurso ao FBI"

Ai vocês de borsalino ou impermeável dão testemunho
Dos dias fugidios, data & horário?
As viagens de metrô para amantes esquecidos
(Vocês em verdade os têm para sempre, identidade & 3x4?)
Os velhos números de telefone, cujo ritmo não mais
Canta por nós, descrições de carros há muito mortos?
Ai cronistas ternos de nossas vidas irisadas
Obreiros benditos no arquivo labiríntico
Querubins gravadores que relegarão ao fogo
Identidade & formulário, papéis e corpo enquanto nós
Ascendemos em cânticos acima das árvores
                                            (Traduzido por Ricardo Domeneck)





"Carta Revolucionária" 
(Revolutionary Letter)

Acabo de perceber que o que está em jogo sou eu
Não tenho outro dinheiro de resgate, nada para
quebrar ou trocar, a não ser minha vida
meu espírito parcelado, em fragmentos, esparramado sobre
a mesa de roulette,
eu recupero o que posso
só isso para enfiar embaixo do nariz do maitre de jeu
só isso para jogar pela janela, nenhuma bandeira branca
só tenho minha pele para oferecer, para fazer minha jogada
com esta cabeça imediata, com aquilo que inventa, é a minha vez
enquanto deslizamos sobre o tabuleiro, e sempre pisando
(assim esperamos) nas entrelinhas.
                                                        (Versão: Miriam Adelman)



                                      Di Prima sobre o piano em uma audição de poesia



por ti
deixava de meter
o dedo no meu belo nariz
e de roer as minhas unhas deliciosas
(...)

podes ter a certeza
que da próxima vez
que formos para cama
ficarei quite

vou enganar-me no teu nome
e hás-de pensar
que aconteceu
acidental
                (Traduzido por Manuel de Seabra)


Com LeRoi Jones em 1960.

Discutindo budismo tibetano com Anne Waldman, Peter Orlovsky, Ginsberg, Burroughs, e Chogyam Trungpa (1976).
A literatura dessa poeta representa o comportamento e a autoria feminina em dupla instância, tanto no contexto da contemporaneidade quanto na esfera contracultural. Apesar de  uma produção profícua, teve muitas vezes que medir forças com os sistemas dominantes, seja em relação ao modo de vida burguês, ou ao nacionalismo norte-americano ou ainda em relação ao patriarcado cultural, utilizando-se do poder da escrita e do comportamento transgressor. (Santos, 2011)
Assim, Diane Di Prima pode ser considerada três vezes marginal: por ser imigrante, por ser rebelde, e acima de tudo, por ser mulher.



The Beats, a Graphic History de Harvey Pekar.

"Acho que o poeta é a última pessoa que ainda está falando a verdade quando ninguém mais ousa. O poeta é aquele que indica a visão das novas formas e de uma nova consciência, quando ninguém  ainda começou a sentir isso. Eu acho que essas são duas das funções mais essenciais do ser humano." (D.D.P.)

                                              
                                                                                                                                                    

Referências:
Adelman, Miriam- A Voz e a Escuta, Encontros e desencontros entre a teoria feminista e a Sociologia contemporânea, (UFSC, 2004).
Santos, Maria Clara Dunck- Três vezes marginal: Vida e obra de Diane Di Prima, (UnB, 2011).
Willer, Claudio- Geração Beat (L&PM, 2009).

*****









Izabel Liviski é Fotógrafa e Professora de Sociologia, disciplina em que é Doutoranda pela UFPR. Pesquisadora de História da Arte, Sociologia da Imagem e da Cultura, e Linguagens Visuais.  Escreve a coluna INCONTROS quinzenalmente às 5as feiras na Revista ContemporArtes.










7 comentários:

Francisco Cezar de Luca Pucci disse...

Uma verdadeira aula sobre di Prima. Sempre penso que os caminhos "marginais" de gerações novas, como os beatniks e os hippies, são opções laterais não institucionalizadas (daí falar em marginalidade) de entrada no sistema para aqueles que são marginalizados por ele. Muitos conseguem pela arte ou pela política. Muitos caem pelo caminho. O esporte (como o futebol entre nós) é opção lateral institucionalizada, onde se consegue a entrada pelo valor-mercadoria do atleta.
Viajei?
Abraços e parabéns.

26 de abril de 2012 às 17:46
Sebastião Ribeiro disse...

Nota de utilidade pública. Obrigado.

26 de abril de 2012 às 18:59
Miriam Adelman disse...

Obrigada, Izabel. Vamos continuar divulgando o trabalho dela!

27 de abril de 2012 às 18:26
Anônimo disse...

que bom, izabel.



carlos verçosa
carlosalbertovercosasilva@yahoo.com.br

28 de abril de 2012 às 10:47
izabel liviski disse...

Mensagem recebida por e-mail:

Poxa, que legal, Izabel!
Fico feliz com a citação.
E seu artigo é muito bom.

Abração,
Maria Clara

14 de maio de 2012 às 14:46
izabel liviski disse...

Mensagem recebida por e-mail:

Ótimo!
vou postar no Facebook.
e preparar algo sobre Diane em meu blog, vontade de traduzir mais de Revolutionary Letters.

abraço,
Claudio Willer

14 de maio de 2012 às 14:50
izabel liviski disse...

Mensagem recebida por e-mail:

Ótimo!
vou postar no Facebook.
e preparar algo sobre Diane em meu blog, vontade de traduzir mais de Revolutionary Letters.

abraço,
Claudio Willer

14 de maio de 2012 às 14:50

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