segunda-feira, 30 de abril de 2012

A escrita, estilo e obra de Cecília Meireles








“Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, três meses depois da morte de meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo, me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a Morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno”.






MOTIVO

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida  está completa.
Não sou alegre nem sou triste :
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
Não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
– não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
– mais nada.



Quem melhor que ela para falar de si. Mãe de três filhas, Cecília casou-se duas vezes, a primeira com um artista plástico, depois com um engenheiro agrônomo. Das três filhas, Maria Fernanda Meireles é conhecida por atuar em produções como “O quinze”, no cinema, e “Olho por olho” e “Dona beija”, na televisão.


O excerto acima, retirado de uma coletânea organizada por Norma Seltzer Goldstein e Rita de Cássia Barbosa, não apenas mostra como demonstra muito bem a garra de uma das poetisas brasileiras de grande destaque no cenário literário. Cecília Meireles teve sua primeira obra publicada aos dezoito anos de idade, Espectro. A obra é uma coletânea de 17 sonetos que perpassam “escolas literárias”, uma vez que une um estilo próprio da autora, razão essa que a coloca entre os nomes mais reconhecidos de lírica na literatura de língua portuguesa. Entre outras obras, de sua vasta produção literária, destacam-se também A festa das Letras, Romanceiros da Inconfidência, algumas antologias e coletâneas organizadas, com destaque Poesia completa, publicada em 2001 e organizada por Antonio Carlos Secchin, em comemoração ao centenário do nascimento de Cecília.

ESPECTROS
Nas noites tempestuosas, sobretudo

Quando lá fora o vendaval estronda
E do pélago iroso à voz hedionda
Os céus respondem e estremece tudo,

Do alfarrábio, que esta alma ávida sonda.

Erguendo o olhar; exausto a tanto estudo,
Vejo ante mim, pelo aposento mudo,
Passarem lentos, em morosa ronda,

Da lâmpada à inconstante claridade

(Que ao vento ora esmorece ora se aviva,
Em largas sombras e esplendor de sóis),

Silenciosos fantasmas de outra idade,

À sugestão da noite rediviva
- Deuses, demônios, monstros, reis e heróis.





SE EU FOSSE APENAS...

Se eu fosse apenas uma rosa,
com que prazer me desfolhava,
já que a vida é tão dolorosa
e não te sei dizer mais nada!

Se eu fosse apenas água ou vento,
com que prazer me desfaria,
como em teu próprio pensamento
vais desfazendo a minha vida!

Perdoa-me causar-te a mágoa
desta humana, amarga demora,
de ser menos breve do que a água,
mais durável que o vento e a rosa...


Renato Dering é escritor, mestrando em Letras (Estudos Literários) pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), sendo graduado também em Letras (Português) pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Realizou estágio como roteirista na TV UFG e em seu Trabalho de Conclusão de Curso, desenvolveu pesquisa acerca da contística brasileira e roteirização fílmica. Atualmente também pesquisa a Literatura e Cultura de massa. É idealizador e administrador do site EFFI, que divulga o cinema e conteúdos audiovisuais. Contato: renatodering@gmail.com

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