quinta-feira, 5 de abril de 2012

Da efemeridade dos enlaces (des)feitos


Os dias instáveis do outono contemporâneo mexem com nossas sensações. As noites quentes e úmidas com nossas emoções. E quando nos damos conta estamos envolvidas(os) em pequenos, singelos contos, que nos contam sobre coisas que viram, ouviram e sentiram pelos cantos e em nós só ficou uma residual lembrança de alguns encontros em meio a danças que nos envolveram.

E em meio a olhares desvirtuantes, gestos frenéticos e líquidos frios que fazem ferver os corpos mais gélidos, me entrego aos deuses da noite gloriosa. Logo sou surpreendida ... hoje não queria fazer o show como de costume ... não queria alimentar a ânsia libidinosa dessas almas que perambulam entre os dilemas da Ciência e os problemas da Filosofia. Mas não teve jeito e mais uma história irá ser coxixada nos corredores do templo da esterilidade.

Você se aproxima, mas eu me afasto ... desnorteada na noite quente, eu me mantenho fria ... olhares e gestos se confundem aos líquidos alegradores que consumi ... não sou mais dona de mim ... me perco em meio a multidão frenética ... e você me reencontra ... diante da perversa platéia nos expomos ... e o tribunal da inquisição abre sua sessão ... seremos julgados antes do crime, culpados por desejarmos ... que nos entreguemos ... que nos sentenciem por gozarmos as nossas vidas ... que o sentinela nos vigie antes do dia de nossa execução ... e que sejamos executados na intensidade de nossas entregas e com o furor de nossa paixão ...

Já é dia. Caminho apressadamente para a próxima sessão de Epistemologia. Deixo meu material na mesa, na ânsia de matar minha sede, sou tomada pelo fogo.
Abri a porta, dei de cara com você. Surpreendi-me, nos olhamos rapidamente. O tempo parou e aquele momento ficou congelado.
Havia o risco de por um deslize ou desatenção haver o choque de nossos corpos. Fitei-te e você à mim, numa seriedade diplomática. Fechei a porta, andei rapidamente com uma postura firme, como se tivesse que fugir embora quisesse ficar.
Você passou à minha esquerda e desapareceu. Eu resfriava meu estômago retorcido pelo corset, enquanto me perdia entre a recuperação do corpo e a miséria da alma. Não foi o melhor dia para uma epistemologia profunda. O dia iria continuar marcado por incompletudes e não realizações. Caiu a tarde, dormi na escuridão e no silêncio. Talvez para que a noite referendasse o que havia sido aquele dia.

Deito-me cansada. O que mais quero é apagar tudo ... lembro-me do caso de meu amigo. Sinto pulsar em mim uma veio do conservadorismo mediano. É tão triste ver um velho amigo aristocrata, ser tomado por crises de inconveniência ... dá uma sensação de decadência tão forte ...

Tento fugir, mas a análise dos fatos do dia se cessam, sobram-me coisas mais antigas, aquelas que ainda não foram bem resolvidas ... Respiro profundamente e silenciosamente enquanto o sono se vai para bem longe ... Por que apenas você não partiu para bem longe de mim?

Era pra você me apagar, mas vc me escreveu. Agora estaremos intimamente ligados
por toda a eternidade, soterrados pela obscuridade literária e pela profundidade dos sentimentos humanos. Eu também não consegui esquecer o seu olhar penetrante e as marcas que deixou em minha pele, em minha mente, em meu peito. Agora estou assim, perdida, machucada, desnorteada por tudo o que isso nos causou. Não queria ter provado do fruto proibido, pois agora perdi a inocência necessária para olhar nos seus olhos sem sentir este desejo insuportável de você.

Tatyane Estrela é graduanda no Bacharelado em Ciências e Humanidades e no Bacharelado e Licenciatura em Filosofia na Universidade Federal do ABC. Integrante do grupo de pesquisa ABC das Diversidades. Bolsista de iniciação científica do CNPQ, no qual desenvolve pesquisa com o seguinte tema: Formação e atuação de entidades de representação LGBT no grande ABC: Impactos na formulação de políticas públicas.

1 comentários:

Ana Dietrich disse...

querida, adorei seu conto, estava agora a lê-lo em voz alta. Gostei do lirismo, da dança das palavras, das volúpias das narrativas. Bom saber que conseguimos ser mais que meros andróides acadêmicos e que nosso corpo e alma pulsam bem vivos. bjs

14 de abril de 2012 às 17:29

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