Da efemeridade dos enlaces (des)feitos
Os dias instáveis do outono contemporâneo mexem com nossas sensações. As noites quentes e úmidas com nossas emoções. E quando nos damos conta estamos envolvidas(os) em pequenos, singelos contos, que nos contam sobre coisas que viram, ouviram e sentiram pelos cantos e em nós só ficou uma residual lembrança de alguns encontros em meio a danças que nos envolveram.
E em meio a olhares desvirtuantes, gestos frenéticos e líquidos frios que fazem ferver os corpos mais gélidos, me entrego aos deuses da noite gloriosa. Logo sou surpreendida ... hoje não queria fazer o show como de costume ... não queria alimentar a ânsia libidinosa dessas almas que perambulam entre os dilemas da Ciência e os problemas da Filosofia. Mas não teve jeito e mais uma história irá ser coxixada nos corredores do templo da esterilidade.
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Você se aproxima, mas eu me afasto ... desnorteada na noite quente, eu me mantenho fria ... olhares e gestos se confundem aos líquidos alegradores que consumi ... não sou mais dona de mim ... me perco em meio a multidão frenética ... e você me reencontra ... diante da perversa platéia nos expomos ... e o tribunal da inquisição abre sua sessão ... seremos julgados antes do crime, culpados por desejarmos ... que nos entreguemos ... que nos sentenciem por gozarmos as nossas vidas ... que o sentinela nos vigie antes do dia de nossa execução ... e que sejamos executados na intensidade de nossas entregas e com o furor de nossa paixão ...
Já é dia. Caminho apressadamente para a próxima sessão de Epistemologia. Deixo meu material na mesa, na ânsia de matar minha sede, sou tomada pelo fogo.
Abri a porta, dei de cara com você. Surpreendi-me, nos olhamos rapidamente. O tempo parou e aquele momento ficou congelado.
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Você passou à minha esquerda e desapareceu. Eu resfriava meu estômago retorcido pelo corset, enquanto me perdia entre a recuperação do corpo e a miséria da alma. Não foi o melhor dia para uma epistemologia profunda. O dia iria continuar marcado por incompletudes e não realizações. Caiu a tarde, dormi na escuridão e no silêncio. Talvez para que a noite referendasse o que havia sido aquele dia.
Deito-me cansada. O que mais quero é apagar tudo ... lembro-me do caso de meu amigo. Sinto pulsar em mim uma veio do conservadorismo mediano. É tão triste ver um velho amigo aristocrata, ser tomado por crises de inconveniência ... dá uma sensação de decadência tão forte ...
Tento fugir, mas a análise dos fatos do dia se cessam, sobram-me coisas mais antigas, aquelas que ainda não foram bem resolvidas ... Respiro profundamente e silenciosamente enquanto o sono se vai para bem longe ... Por que apenas você não partiu para bem longe de mim?
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Era pra você me apagar, mas vc me escreveu. Agora estaremos intimamente ligados
por toda a eternidade, soterrados pela obscuridade literária e pela profundidade dos sentimentos humanos. Eu também não consegui esquecer o seu olhar penetrante e as marcas que deixou em minha pele, em minha mente, em meu peito. Agora estou assim, perdida, machucada, desnorteada por tudo o que isso nos causou. Não queria ter provado do fruto proibido, pois agora perdi a inocência necessária para olhar nos seus olhos sem sentir este desejo insuportável de você.
Tatyane Estrela é graduanda no Bacharelado em Ciências e Humanidades e no Bacharelado e Licenciatura em Filosofia na Universidade Federal do ABC. Integrante do grupo de pesquisa ABC das Diversidades. Bolsista de iniciação científica do CNPQ, no qual desenvolve pesquisa com o seguinte tema: Formação e atuação de entidades de representação LGBT no grande ABC: Impactos na formulação de políticas públicas.
1 comentários:
querida, adorei seu conto, estava agora a lê-lo em voz alta. Gostei do lirismo, da dança das palavras, das volúpias das narrativas. Bom saber que conseguimos ser mais que meros andróides acadêmicos e que nosso corpo e alma pulsam bem vivos. bjs
14 de abril de 2012 às 17:29Postar um comentário
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