Identidade
Identidade - Jorge Aragão
Elevador é quase um templo
Exemplo pra minar teu sono
Sai desse compromisso
Não vai no de serviço
Se o social tem dono, não vai...
Exemplo pra minar teu sono
Sai desse compromisso
Não vai no de serviço
Se o social tem dono, não vai...
Quem cede a vez não quer vitória
Somos herança da memória
Temos a cor da noite
Filhos de todo açoite
Fato real de nossa história
Somos herança da memória
Temos a cor da noite
Filhos de todo açoite
Fato real de nossa história
(2x)
Se o preto de alma branca pra você
É o exemplo da dignidade
Não nos ajuda, só nos faz sofrer
Nem resgata nossa identidade
Se o preto de alma branca pra você
É o exemplo da dignidade
Não nos ajuda, só nos faz sofrer
Nem resgata nossa identidade
Elevador é quase um templo
Exemplo pra minar teu sono
Sai desse compromisso
Não vai no de serviço
Se o social tem dono, não vai...
Exemplo pra minar teu sono
Sai desse compromisso
Não vai no de serviço
Se o social tem dono, não vai...
Quem cede a vez não quer vitória
Somos herança da memória
Temos a cor da noite
Filhos de todo açoite
Fato real de nossa história (...)[1]
Somos herança da memória
Temos a cor da noite
Filhos de todo açoite
Fato real de nossa história (...)[1]
Sentado no sofá aguardava o próximo
CD... Jorge Aragão. Quando a música “Identidade”, desconhecida por mim até
aquele instante, apresentou-se em melodia e letra; imagens (a memória é constituída
de imagens, rememorar é formar imagens mentais) surgiram como lembrança do
último item do meu trabalho de mestrado:
“A nascente sociedade
urbana da Vila de Entre-Rios e o lugar dos escravos libertos e seus
descendentes”.
Três Rios (inicialmente Vila de Entre-Rios, cidade do médio Vale do
Paraíba do Sul no Estado do Rio de Janeiro) tem sua formação urbana vinculada
aos espaços físicos relacionados às fazendas de café pertencentes à Mariana Claudina Pereira de Carvalho, a Condessa do
Rio Novo e seus pais os Barões de Entre Rios, Antônio
Barroso Pereira Junior e Claudia Venâncio de Jesus. Escravos,
personagens com pouca acuidade para a história vista de cima, mas importantes
no contexto historiográfico da Nova História Cultural, foram libertos por
desejo expresso no testamento da Condessa que deliberou a utilização das terras
da Fazenda de Cantagalo para o assentamento
destes.
A pesquisa permitiu-me vislumbrar, em parte, a inserção da população
pobre e negra no espaço urbano (inicio da formação em 1861) de relação da sociedade
nascente da Vila de Entre-Rios, utilizando para tanto das fotografias do acervo
acumulado na construção da dissertação, percebendo presenças e ausências destes
indivíduos em determinados espaços e grupos de relação; um ...
“Decifrar de outro modo as
sociedades, penetrando na meadas das relações e das tensões que as constituem a
partir de um ponto de entrada (um acontecimento, importante ou obscuro, um
relato de vida, uma rede de práticas específicas) e considerando não haver
prática ou estrutura que não seja produzida pelas representações,
contraditórias e em confronto, pelas quais os indivíduos e os grupos dão
sentido ao mundo que é o deles.” [2]
É possível admitir que a
coletividade entrerriense, mesmo sendo de uma cidade em constituição no
interior do Estado do Rio de Janeiro, refletia a configuração da sociedade
brasileira a época: nova organização social burguesa republicana (comercial,
industrial e financeira), capitalista e urbana e são os representantes desta
elite que produziram as imagens analisadas: o olhar fotográfico reflete em sua
maior parte “as cenas” do cotidiano deste grupo.
O período que se seguiu à
libertação dos escravos – Mariana Claudina Pereira de Carvalho faleceu em
Londres em 5 de junho de 1883 aos 87 anos -, e da Lei Áurea, encontra uma vila em
processo de desenvolvimento urbano social, com a presença importante de
trabalhadores funcionários da Estrada União e Indústria e da Estrada de Ferro
D. Pedro II.
A principal expectativa
por parte dos emancipados tornados libertos encontrava-se na possibilidade de
possuir terras em lotes delimitados, plantar e viver das rendas de seu trabalho
e o término da escravidão apresentou-se como uma das etapas de um processo que
visava obter o tratamento e direitos igualitários de cidadão. Segundo Isabela
Innocêncio [3]
um total de 244 escravos conquistaram a liberdade, sendo 86 mulheres, 116
homens e 42 ingênuos.
Deste tempo até meados de
1935, quando do encerramento das atividades da Colônia Nossa Senhora da
Piedade, Entre-Rios encontrava-se num crescente movimento político visando à
emancipação da cidade de Paraíba do Sul/RJ, principalmente por superá-la
economicamente.
Nesta região do Vale do
Paraíba a minoria de negros (é possível considerar a chegada neste percurso de
tempo de negros oriundos de outras fazendas e regiões) se confronta então com
os interesses daqueles que aportaram nestas terras e seus descendentes,
atraídos pelas possibilidades de trabalho e renda junto às estações, ao
comércio e a indústria, oriundos do interior de Minas Gerais, bem como,
imigrantes portugueses, espanhóis, italianos, sírios e libaneses, e uma pequena
parcela de alemães que vieram para a construção da cidade de Petrópolis e Juiz
de Fora e ingleses que nesta terra chegaram junto com os trilhos, os vagões e
as locomotivas.
As imagens fotográficas refletem as condições de inserção dos negros libertos
não só na sociedade de Entre-Rios, mas como em todo país: “... somos herança da memória, temos a cor da
noite, filhos de todo açoite, fato real de nossa história”.
Fotografia 1: Descendentes dos escravos libertos pela Condessa do Rio Novo poucos anos
após o finalizar das atividades da Colônia Agrícola de Nossa Senhora da
Piedade, assistidos pelo Grupo Espírita Fé e Esperança na cidade Três Rios/RJ, nesta
tomada externa da sede da instituição realizada na segunda metade da década de
30 do século XX. Fotografia do acervo do Sr. Altair.
Uma análise da população
da cidade de Três Rios na atualidade através dos espaços urbanos organizados em
bairros residências populares e o centro dividindo-se principalmente entre os
prédios mais luxuosos e casas residenciais e lojas comerciais – incluindo-se
clubes, escolas particulares e universidades; consente constatar que os
indivíduos negros e mulatos em sua grande maioria estão vivendo nos bairros em
residências mais simples e trabalhando em atividades profissionais que exigem
mais esforço físico e um nível escolar menor, demonstrando que vários
descendentes de ex-cativos, identificados por uma escravidão velada, convivem
com barreiras que impedem o acesso a um bom emprego, a uma habitação adequada, reafirmando
que a senzala só mudou de lugar. Situação, provavelmente muito diferente,
daquela desejada pela Condessa do Rio Novo.
Fotografia 2: Vista externa onde se observa os
trabalhadores do Armazém de Café em Entre-Rios, que estão amontoando o café
para a queima durante o governo do presidente Getúlio Vargas, todos os
indivíduos, mesmo os que orientam a tarefa, são negros. Fotografias do início
da década de 30 do acervo digitalizado de André Mattos, sem definição do seu
autor.
André Luiz Reis Mattos é Mestrando em História Cultural pela Universidade Severino Sombra – Vassouras/RJ
A Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.
[1] IDENTIDADE,
composição de Jorge Aragão, letra disponível no site:< http://www.vagalume.com.br/jorge-aragao/identidade.html>
Acesso em 5 de mar. De 2012.
[2] Chartier, Roger.
O mundo como representação. Disponível no site: http://www.scielo.br/pdf/ea/v5n11/v5n11a10.pdf. Acesso em 16
de agost. de 2011.
[3] INOCENCIO,
Isabela Torres de Castro. Liberdade e acesso à terra. Rio de Janeiro/RJ. Folha
Carioca Editora Ltda. 2005, p 55.
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