Adeus forró, vou ouvir Arautos do Rei: Identidade Cultural, Música e Religião
Katia Peixoto dos Santos/ Fernanda Vidal .
Como é difícil para nós brasileiros, pensarmos nossa identidade cultural. Se fizermos um recorte nesta história toda, temos, para começo de conversa, grandes influências de várias etnias que fizeram parte no nosso processo de colonização. Nossos antepassados imprimiram traços fortes na nossa forma de agir, pensar, vestir, etc. Porém, a todo instante novas influências surgem, acentuadas pelos processos de êxodos ocorridos no decorrer dos tempos, pelas imigrações e migrações oriundas de inúmeras motivações, pelas mídias e pela ampliação das Redes Sociais, You Tube, Google... São tantas as possibilidades de crenças, valores e modos de viver que herdamos de distintas culturas, que o conflito se estabelece e é visível na nossa formação de comportamentos, de ações e reações, de intenções, e por
ai vai. Somados a tudo isso temos ainda as diferenças sociais, intelectuais, religiosas que também imprimem sentidos na nossa forma de agir e pensar e que estão muitas vezes dissociados. Um exemplo disso é o número de casamentos em igrejas realizados por pessoas que não costumam frequentar tais igrejas.
A música tem um papel
fundamental na formação da identidade de um povo. Este é um processo de mão
dupla, ou seja, tanto as músicas que ouvimos desde criança podem influenciar nossos gostos e costumes ou, por outra via, se começarmos a ouvir músicas inéditas para nós, podemos mudar nosso comportamento, nossas crenças e valores mediante as mensagem musicais oferecidas.
O Brasil é um pais imenso, um gigante que tem
culturas regionais bem diversas. Cada estado brasileiro tem suas comidas
prediletas, suas expressões artísticas e idiomáticas, suas danças, músicas, artesanato, que por sua pluralidade, podem surpreender qualquer brasileiro que não convive naquela cultura.
Mas, quando se vive em São Paulo, essa enorme metrópole, ficamos ainda mais suscetíveis a agregar novas formas de vidas e valores às nossas próprias vidas. Aqui a confluência destas
culturas, regionais, mundiais e digitais, se mesclam e se convergem. Estes processos, digamos, de aculturação, são constantes e ininterruptos. Depois da
Grande Segunda Guerra Mundial, o Estados Unidos ganhou projeção em várias
partes do mundo e seus valores religiosos, econômicos e comportamentais formam
se expandindo pelos quatro cantos do mundo, e não foi diferente aqui no Brasil.
Na Faculdade de Música da FAC-FITO, em nossos estudos
sobre culturas populares e étnicas, visualizamos como a religião e a música se
integram e como podem mudar o comportamento e os costumes de um grupo.
Na coluna de hoje, Fernanda Vidal vai falar sobre a influência que o grupo Arautos
do Rei, Grupo musical da Igreja Adventista do Sétimo Dia que ganhou vários prêmios nacionais e tem destaque internacional, teve em sua vida. Atualmente estão em sua 26° formação com
os músicos: Milton, Ozéias, Tarsis e Jairo. A primeira formação do grupo aconteceu nos EUA, que foram os precursores do estilo musical A
Cappella, aqui na América. O grupo de formação americana, iniciado no ano de 1927, com o titulo de The
King's Heralds, realizavam suas apresentações principalmente no programa A voz da Profecia. Uma edição brasileira
do programa, com mesmo nome, foi montada e pedia um grupo nos mesmos moldes dos norte americanos. Assim, o
quarteto Arautos do Rei, era a versão em português que surgia em um
programa também chamado A voz da Profecia, produzido pela Igreja Adventista do
Sétimo dia, desde 1943.
Fernanda Vidal, aluna do primeiro semestre da Faculdade de Música, conta-nos um pouco de sua experiência com o grupo Os Araustos do Rei e como trocou o forrô pelos
Arautos, mudando seus hábitos comportamentais.
PROCESSOS DE ACULTURAÇÃO
Fernanda Vidal
Ao apresentar esse trabalho
busquei pontuar uma única palavra, aculturação. Relatei um pouco da minha experiência pessoal a
respeito dos processos culturais vivenciados por mim no período da adolescência, revivendo a forma que entrei em contato com a religião e como este fato influenciou a
música que ouvia. Ao ler o livro Cultura,
de Waldemir Caldas, entendi que poderia fazer uma ponte a respeito dos temas
estudados no livro e o que vivi em minha adolescência.
Meu primeiro contato com o grupo Arautos
do Rei ocorreu no inicio da minha adolescência, aos 11 anos de idade, quando minha
família e eu ingressamos numa igreja Batista. Imediatamente, após nos engajarmos
nos trabalhos eclesiásticos, nossa realidade musical mudou drasticamente. Nas
festas de Natal não havia mais o tradicional forrô para dançar pois as cantatas
dos Arautos, com direito a teatro e figurino, preenchiam toda a festa natalina, sons até
então estranhos para mim. Os
convidados também mudaram. A ceia passou a ser com os irmãos da igreja, com
todos reunidos no templo da igreja. De fato, essa nova sonoridade entrou em
minha vida assim, meio de repente. Hoje sou casada e tenho um filho de três anos que gosta e
pede para ouvir Arautos.
O que foi um grande choque na época,
agora faz parte de mim. Quando ouço algumas canções mais antigas dos Arautos, posso sentir
o cheiro dos bancos da pequena capela que frenquentava, construída em meados da década de 1980.
O mais interessante de
tudo é perceber o processo de aceitação de cada membro da minha família, com a mesma
experiência, no mesmo contexto mas com processos diferentes de assimilação desta nova
ordem cultural de nossa casa. Ainda me lembro de minha mãe dizendo sobre seu desespero ao
ver meu pai apreciando e ouvindo seu disco vermelho aos domingos, sete horas da manhã,
enquanto acordávamos para ir à escola bíblica. Ela, minha mãe, até hoje não
suporta. Acostumou-se, é verdade, mas nunca pegou nenhum LP para ouvir.
Acredito que assim acontece com todo processo de aculturação, essa
injeção na veia, o choque de culturas, costumes, crenças etc. Mas o que levo de
tudo isso resume-se em outra palavra: Tolerância.
Não nos cabe sentenciar juízo de valor, não me cabe medir experiências
alheias em comparação às nossas, mesmo com todo o contexto envolvido nos
processos.
* Fernanda Vidal de Meneses aluna da FAC-FITO,
cursando Licenciatura em música. E-mail: nanda.musicoterapia@yahoo.com.br
Referências
bibliográficas: www.novotempo.com.br
Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.
1 comentários:
Entendo que nossa identidade é o multiculturalismo
4 de agosto de 2012 às 22:34Postar um comentário
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