Alberto Caeiro amoroso
Alberto Caeiro é um dos
heterônimos de Fernando Pessoa mais famosos. Ele é considerado o mestre dos
outros grandes heterônimos, Álvaro de Campos e Ricardo Reis, e de seu próprio
autor. Tornando-se mestre literário e intelectual, apesar de ter completado
apenas a educação primária.
A. Caeiro foi um poeta
que prezava por olhar as coisas, ligado à natureza e desprezando qualquer tipo
de pensamento filosófico. Entretanto, em sua simplicidade, ele acaba por criar
uma nova filosofia. Ele proclama-se um anti-metafísico que acredita que “Pensar
é estar doente dos olhos”. A linguagem de Caeiro é simples, familiar, seus
versos são livres, objetivando sempre ver a realidade objetiva e natural.
Dentre os poemas escritos por esse heterônimo pessoano, há também aqueles
amorosos, que destacamos abaixo:
Quando eu não te tinha
Amava a natureza como um monte calmo a
Cristo...
Agora amo a natureza
Como um monte calmo à Virgem Maria
Religiosamente, a meu modo, como dantes,
Mais de outra maneira mais comovida e
próxima...
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos até à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando as nuvens
Reparo nelas melhor –
Tu não me tiraste a Natureza...
Tu mudaste a Natureza...
Trouxeste a natureza para o pé de mim,
Por tu existires vejo-a melhor, mas a
mesma,
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo,
mas mais,
Por tu me escolheres para te ter e amar,
Os meus olhos fitaram-na mais
demoradamente
Sobre todas as cousas.
Não me arrependo do que fui outrora
Porque ainda o sou.
(PESSOA, 2007, p. 229)
Destaquemos no poema
acima as revoluções que o amor proporcionou ao eu lírico, uma vez que ele diz
que não mudou, sendo o mesmo de antes, mas com menos névoa nos olhos. A
primeira coisa a sublinharmos é a capacidade que o amor possibilitou o sujeito
poético a vislumbrar a essência das coisas.
Se antes do amor, ele “Amava
a natureza como um monte calmo a Cristo...”, agora ele a ama “Como um monte
calmo à Virgem Maria”. Essa mudança na maneira de amar um monte ocorre,
necessariamente, pela capacidade do eu lírico vislumbrar a essência das coisas,
o início, o ponto zero, antes mesmo que elas surjam. Como Maria foi um instrumento
divino de trazer Cristo ao mundo, é dela, enquanto ser humano, que parte a
renovação do modo de ver, pensar, ser e estar no mundo, revelada por Jesus
Cristo.
O amor fez com que a maneira
de sentir a natureza, de alguma maneira, se tornasse distinta de antes. Pela
existência do amor, a natureza é vista “vejo-a melhor, mas a mesma”, amada “amo-a
do mesmo modo, mas mais”. Os próprios olhos do sujeito poético tiveram a
paciência e capacidade de fitarem “mais demoradamente”, de vislumbrarem o mundo
de maneira distinta, buscando sentir a essência das coisas.
Rodrigo C. M. Machado é mestrando em Letras, com ênfase em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Viçosa. Dedica-se ao estudo da poesia portuguesa contemporânea, com destaque para a lírica de Sophia de Mello Breyner Andresen
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