terça-feira, 14 de agosto de 2012

Iaiá e Ioiô



Saudade enorme das minhas priminhas Iaiá e Ioiô. Partiram cedo, cedo  tão jovens, tão puras. Mal tiveram tempo de plantar um bonsai na sacada, ter um filhote de joaninha, escrever um livro de autoajuda, experimentar sushi, fazer tirolesa, sair no Cordão do Bola Preta, cantar todos os sucessos do Wando no caraoquê lá de casa.

Pois é. As duas eram as fãs número um e dois do cantor. Só não me perguntem quem era a um, quem era a dois. Dava empate técnico.

E dava muita briga também. De sujar de carmim a vila inteirinha. De um lado, Iaiá − nozinho que só desmanchava com sua voz, passarinho na gaiola de suas cantadas, espinho que doía quando ele descia do palco. De outro, Ioiô  luzinha que acendia quando ele subia no palco, raio, estrela e luar que viravam manhã de sol com suas cantadas, louca de amor por sua voz.

Uma era fogo, a outra paixão.

Tanto fogo, tanta paixão só podiam terminar em incêndio. Toda véspera de show elas cumpriam o mesmo ritual: se trancavam no quarto para escolher as melhores calcinhas. As mais transadas eram oferecidas ao ídolo. Mas aquele não seria um show qualquer − seria o último. Wando tinha acabado de morrer e faria sua derradeira aparição no velório.

Ele vai levar as minhas pro céu. As minhas. As-mi-nhas. Só as minhas têm gosto de maçã. Não sei quem começou a disputaria. Nem quem rabiscou o ponto, digo, a exclamação final. Só sei que, depois de muita gritaria, arranhões e cabelos arrancados, Iaiá ou Ioiô pegou as calcinhas de Ioiô ou Iaiá e as atirou com gosto e fúria no micro-ondas. Bum.

Apagaram. As duas. Mas logo acenderam. Com aquela ingênua safadice nos olhos. Nisso eram iguaizinhas. Iaiá e Ioiô se embrenharam na mata até achar a cascata de água cristalina, a relva, a rede. Nela, esparramado feito um Adão, Wando as esperava cafajeste, pronto para pegá-las no colo, deitá-las no solo e fazê-las suas Evas.

Só não me perguntem quem foi a primeira, quem foi a segunda.









Fábio Flora é autor de Segundas estórias: uma leitura sobre Joãozito Guimarães Rosa (Quartet, 2008) e escreve no Pasmatório (http://pasmatorio.blogspot.com.br).

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