sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Música Judaica no Rito Fúnebre: ouvir, internalizar e entender “culturas” dentro de uma etnia

Vocês conhecem algo a respeito da música fúnebre judaica? Não? Então vale a pena conferir  a pesquisa realizada pelos alunos de Graduação em Música  da FAC FITO na disciplina Etnomusicologia, ministrada pela professora Katia Peixoto

Ao visualizar o tema deste trabalho – A Música Judaica no Rito Fúnebre – a primeira coisa que passa pela cabeça de quem  lê é o motivo que teria levado a decidir por um tema que talvez não expressasse nada de musical. Entretanto, cabe ressaltar que o interesse por este assunto surgiu do fato de uma das integrantes do grupo ter participado desta cerimônia de enterro judaico, ficando, dessa forma, admirada com o fato da música, como expressão dos sentimentos e aproximação com Deus, está presente em um momento tão doloroso da vida de alguém, que é a morte de um familiar.
Partindo desse ponto, começamos nossos trabalhos sobre o assunto, em pesquisas baseadas em livros e internet, procurando informações sobre o tema em si, o rito, conceitos e a música praticada no ritual. Informações estas, básicas para que pudéssemos partir para a próxima etapa da pesquisa, que seria o trabalho de campo. Dessa forma, começamos nossa maratona de entrevistas com a Professora Sônia Goussinsky, que nos forneceu informações mais aprofundadas sobre o assunto em questão, bem como nos indicou outras pessoas que poderiam complementar nossos estudos. Sendo assim, conseguimos entrevistar o Chazzan Felipe Grytz, o que foi de extrema importância, visto que este, por ser um cantor de cerimônias judaicas, pôde, com sua experiência nos ritos e em música, já que é formado nessa área, passar informações até então não encontradas em nenhuma fonte, como questões de estruturação da música presente nesses ritos.


Cabe relatar ainda, que toda a pesquisa forneceu dados plausíveis para o entendimento de conceitos apresentados nas aulas de etnomusicologia – disciplina a que se destina esta pesquisa – como, por exemplo, o fato de que as etnias, muitas vezes, não enxergam a música da maneira ocidental como a conhecemos, sendo esta apenas uma parte que está inserida em um contexto cultural e jamais é vista como algo isolado – fato este, discutido entre os integrantes do grupo, após a entrevista feita com o Chazzan.
Entretanto, não poderia deixar de acrescentar o grande crescimento pessoal e, talvez, espiritual proporcionado por este trabalho, de forma que, após cada uma das entrevistas, as conversas sempre giravam em torno de como os judeus enxergam a vida e como tratam o seu próximo, bem como sua relação com Deus e com o mundo.
Dessa forma, é importante que, ao iniciar a leitura deste trabalho, a mente e intenções de quem o fizer devem voltar-se para o entendimento de uma etnia/cultura que possui muito mais do que encontrará escrito, visto que possui quase seis mil anos de história por todo o mundo. Dessa forma, basta-se, apenas, este texto, de assuntos básicos da música no rito fúnebre judaico, servindo como incentivo na maior procura de informações sobre este assunto.
 Escrever e falar de cultura, música e sociedade judaica poderia render folhas e dias de discussões, entretanto entender o conceito que as etnias atribuem a cada um desses elementos – e talvez seja este o principal aprendizado deste texto – é algo bem complexo, mesmo porque ao iniciar uma pesquisa como esta as idéias já estão “pré-definidas” dentro de uma cadeia de pré-conceitos que carregamos em nossa bagagem cultural. É tentando escapar destas formas, que se pretende trazer à tona uma parte desta cultura com foco na música presente no rito fúnebre. Todavia, para tanto, é necessário entender a origem e a função da música no judaísmo, o ritual fúnebre – perpassando por questões como o conceito de morte, falecimento, funeral e período de luto –, a música neste ritual – o seu significado e por quem é executada – e a estrutura musical em si, trazendo dessa forma, como esta é praticada, escrita, transmitida, tocada ou cantada, como é sua instrumentação e função estética, visto que o foco deste texto é elucidar questões musicais da etnia judaica.

Sendo assim, é necessário remeter a tempos remotos para entender que a música sempre teve papel primordial no judaísmo, estando presente em quase tudo, de forma que os pais cantam para seus filhos, na sinagoga existe uma música específica para cada reza e as festas são sempre marcadas por músicas animadas. Além disso, a Torá traz referências claras à questão musical, como as partes em que menciona o louvar a Deus com instrumentos musicais, como o chofar, os símbalos e a harpa – instrumentos típicos da época em que este livro foi escrito –, bem como partes conhecidas como Ta'amim, que são indicações específicas de como se deve seguir com a melodia e o ritmo da música encontrada nesse livro sagrado.
Entretanto, para falar da música específica do rito fúnebre é preciso entender o ritual em si, portanto, para os judeus a morte não é o fim, senão o princípio, tanto que a vêem com tristeza, mas não com aflição. Somando-se a isso, as observâncias tradicionais judaicas, relativas à morte e ao luto, têm por objetivo prestigiar a pessoa falecida e confortar os enlutados.
Sendo assim, este rito fúnebre tem várias características específicas com relação ao falecido, que deve ser lavado (Tahará), vestido com roupas específicas (Tach’richim), não deve ser visto, entre outras especificidades que são atribuídas à Chevra Kadisha, instituição judaica responsável pelo cuidado dos cemitérios e preparação do falecido para o enterro. O velório geralmente é curto e marcado por alguns costumes específicos, como discursar para o falecido e a Keriá, que significa rasgar um pedaço da roupa que o enlutado está usando, representando a perda do ente querido. Além disso, recitam-se ou cantam-se alguns Salmos e rezas específicas. É estritamente proibido, cremar ou embalsamar o corpo e este deve ser enterrado em uma cova funda, reafirmando que: Porquanto do pó vieste e ao pó retornarás” (reza realizada no momento em que se cobre o caixão com terra). Ao saírem do cemitério, as pessoas que acompanharam o velório, devem lavar suas mãos, simbolizando que não fizeram nada de mau para aquela pessoa que acabou de ser enterrada.
Logo após o enterro, passa o vigorar o luto que é divido em três períodos chamados Shivá, Sheloshim e Avelut, compreendendo respectivamente os sete dias, trinta dias e um ano após o falecimento. Durante os sete primeiros dias os familiares permanecem juntos na casa do falecido a fim receberem visitas para realizarem as três rezas diárias – Arvit, Shacharit e Minchá –, rezar o Cadish e serem consolados. Neste período, é costume cobrir os espelhos, não sair de casa, não se sentar em cadeiras altas e acender uma vela em memória do falecido. Ao final desses dias, o enlutado é levantado do chão e é comum que se dê uma volta pela rua com a finalidade de “acompanhar a alma”, que deixa a casa por término da Shivá. Os vinte e três dias que se seguem são o segundo período de luto, que termina com uma cerimônia realizada no cemitério, onde são recitados os cantados Salmos e o Cadish, a prece El Male Rachamim, as estrofes alfabéticas do Salmo 119 que compõem o nome do falecido e a palavra Neshamá, que significa alma. O terceiro período de luto é observado apenas pela morte de pai e mãe e, durante os doze meses que o formam, é costume recitar o Cadich todos os dias, nas três orações diárias. Além disso, no aniversário de um ano de falecimento, ou ainda, aos trinta dias é comum colocar uma lápide à cabeceira do túmulo – Matsevá.

O RITO

A música está presente em todos esses momentos, então, no funeral ela tem papel primordial, visto que são realizadas rezas específicas, cantadas ou recitadas, sendo que uma delas – o Cadish – que tem função de exaltar a Deus e é realizada em todos os momentos sagrados do judaísmo, também é feita no funeral, não no sentido de uma oração para os mortos especificamente, mas sim como forma de enaltecer aquela pessoa. Além do Cadish, são salmodiados várias Salmos, dentre eles o Salmo 119 – versos que comecem com as letras do nome do falecido – e o Salmo 91, que é cantado ou recitado repetidamente em sete paradas, até chegar-se à cova. Outra reza que pode ser cantada e acontece ainda no cemitério é o El Male Rachamim, que assim como o Yiscor – realizado quatro vezes por ano em memória dos mortos – é uma reza rememorativa, que visa reverenciar a memória do morto, através de preces de bons atos. Ao final dos trinta dias do falecimento, na cerimônia do Sheloshim, são cantados ou recitados outros Salmos, o Cadish e o El Male Rachamim.
É de extrema importância lembrar que em todas essas cerimônias a música é executada por um Chazzan – que significa cantor em hebraico –, que é sempre um homem, não necessariamente com formação musical e que é o responsável por cantar em todas as cerimônias dos judeus, sejam elas nas sinagogas, em festas ou em enterros. Contudo, existe uma série de atributos para ser um cantor. Como exemplo é necessário que cante bem, que conheça as leis do judaísmo mais que a maioria das pessoas da sua comunidade e que tenha conduta adequada com a função que exerce. Como muitas vezes não tem formação musical, o Chazzan aprende as melodias apenas ouvindo os mais velhos, mas isso não é uma máxima, visto que em alguns lugares existe um preparo técnico musical mais aprimorado para aqueles que pretendem tornarem-se cantores.
A música cantada por esse cantor, na maioria das vezes é transmitida de forma oral, ou ainda por indicações – Ta’amim – como aquelas existentes na Torá, porém nem sempre os Chazzanin aprendem a ler esses “neumas”, pois a função de estudar a Torá é específica dos Baah Corê. Entretanto, atualmente, essas melodias e outras mais modernas são grafadas em partituras, visto que assim como a sociedade judaica evoluiu, a sua música também se fez evoluir. Outra característica da música judaica tradicional é a presença de estruturas musicais – Nussar –, como se fossem “modos gregos” ou uma família de melodias e ritmos que servem para designar algo específico, como uma cerimônia ou uma festa, ou seja, basta ouvi-los para saber o que representam. Esse Nussar pode vir a ser tanto em modo maior, como menor, mas nunca é analisado dessa forma, assim como os modos gregos também não eram.  
Todavia, retornado à música específica do rito fúnebre, essa sim é quase sempre salmodiada – falada e cantada ao mesmo tempo, porém com poucas notas e alguns melismas –, mesmo porque são rezas que tem a função de passar uma mensagem e, para tanto, precisam ser entendidas. Somando-se a essas informações, tal música é sempre executada sem acompanhamento instrumental, sendo cantada apenas por uma voz masculina em hebraico ou aramaico. 
Dessa forma, cabe ressaltar como a música é primordial em todas as cerimônias judaicas, assim como no rito fúnebre, em que é usada como forma de consolar os enlutados e enaltecer a memória do morto, bem como serve de ponte para entender como o conceito de música é variável com relação a diferentes etnias, mostrando neste contexto, como as pré-concepções relatadas no início deste texto precisam ser desmistificadas para o estudo de música étnica, pois cada sociedade mantém sua cultura de maneiras diferentes, de forma que fica, como exemplo maior de tudo que foi visto, a questão da união das diversas “culturas judaicas” pela fé em uma crença e pelo texto do seu livro sagrado – Torá –, pois apesar de ser uma etnia dispersa pelo mundo, mantém suas tradições, mesmo que influenciadas pelo lugar onde se encontram.

Kaila Chelli
Rafael Fonte
Renato Ernesto
Tiago Clarinetista 
Juliana Batista Furlan
Alunos da Graduação em Música da FACFITO/ Disciplina: Etnomusicologia/Katia Peixoto  - Música Fúnebre Judaica 

 Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega. 

3 comentários:

Francisco Cezar de Luca Pucci disse...

A compreensão dos aspectos etnológicos de um povo contribui para o respeito mútuo e para melhorar as relações entre as etnias.
O trabalho excelente feito por esse grupo contribui bastante para isso. Quando não compreendido o folklore e as tradições podem se tornar objeto de ridículo e reforçar preconceitos.
Parabéns.
PUCCI

4 de setembro de 2012 às 08:51
PREGADOR MARCELO LOMBA disse...

gostaria de saber por favor sobre o kadiche pois sou pregador e estou com uma duvida,poderia me mandar a resposta por email?

12 de outubro de 2012 às 09:37
PREGADOR MARCELO LOMBA disse...

me mande por email lomba74@hotmail.com,por favor jovens gostei muito desse trabalho pois estou estudando sobre lucas 7:11,o cortejo esta indo ao cimiterio e ouvi um pregador falando sobre o kadiche que era a music cantada durante o cortejo??

12 de outubro de 2012 às 09:39

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