O dia de Valentina
Valentina
não poderia ter adormecido mais alegre. O Dia dos Namorados sempre fora a pior
data de sua vida, tanto por ela não ser tão bonita e delicada como as outras
garotas, o que resultava no distanciamento de todos os jovens do bairro; quanto
pela comemoração ser justamente no Dia de São Valentim, fazendo com que as
pessoas fizessem gozações quanto ao infortúnio de estar solteira em “seu”
próprio dia, o Valentine’s Day.
Desta vez, porém, não havia mais motivos
para chorar, nem se trancar no quarto até o primeiro raio de sol penetrar as
finas cortinas da janela e atingir as paredes frias como seu coração, indicando
o dia seguinte. Valentina se perguntava por que tinha os cabelos tão
desgrenhados e os dentes saltados para fora da boca; imaginava como seria a sua
vida se possuísse um corpão daqueles de modelo, que faz os homens se curvarem
antes de proferir qualquer palavra... Talvez se assim fosse, não teria sido
trancada tantas vezes no banheiro feminino pelas garotas do colegial, onde
permanecia abraçada aos joelhos, em transe, até que a equipe da limpeza
percebesse algo estranho e resolvesse inspecionar o local. Ainda tinha que
aturar as risadinhas desdenhosas dos alunos na saída da escola, entre murmúrios
a respeito de sua aparência e os diversos tiques nervosos que possuía.
... E foi sonhando com a perfeição que
Valentina ouviu a campainha ser tocada, e esperou outras vezes, até ter certeza
que a insistência não significava os trotes de todos os anos. Caminhou a passos
lentos, o coração em descompasso, e após um longo suspiro, abriu a porta: Um
grande buquê de flores vermelhas havia sido posto sobre os degraus de acesso a
casa, um cartão anexo com a frase “Alguém Te Ama!”.
A primeiro momento, ela calculou a hipótese
de estar sendo alvo de mais uma brincadeira estúpida, até que se deu conta de
que ninguém gastaria um tostão nem mesmo para caçoá-la. “Isso prova que alguém
nesse mundo me ama... e de verdade”, falou em alto e bom som, e saiu saltitando
pelos corredores da residência acompanhada pelas belas rosas, como se nada mais
tivesse importância nesse mundo, um perfume maravilhoso em suas narinas que só
podia indicar uma coisa: O amor estava no ar!
Do outro lado da cidade, o florista
contemplava a dança dos cisnes entre os botões de flores recém-lançadas ao rio.
Tinha a missão de dar uma segunda chance àquelas que não eram compradas até o
fim do dia, e que muito provavelmente secariam se não colocadas na água.
Vivia de uma forma completamente paradoxal, afinal, era dono de uma loja que vendia “sentimentos”, quando na verdade nunca havia encontrado esse tal de amor recíproco, que as pessoas tanto se emocionavam ao falar... No mais, deve ter se deparado diversas vezes com a decepção, a mentira e o fracasso. De tanto ser deixado para trás, desistiu de lutar, e aceitou a vida exatamente como ela é: Cruel, imprevista e injusta. Guardou apenas o rancor, a frieza e a pequena Aliança de brilhantes, recusada sem hesitação em seu último relacionamento sério.
Não estava feliz, de fato, mas tinha a pacífica sensação de dever cumprido, quando no caminho até a ponte decidiu deixar um dos buquês de flores em uma porta qualquer, na esperança de, com esse simples gesto, estar salvando o dia de alguém.
Thiago Galdino, escritor, é natural de Mossoró-RN. Autor do livro "Suspeitas de um mistério" pela Editora Multifoco e colunista literário da Revista Ligados. Colabora com projetos, revistas, jornais, coletâneas e blogs literários por todo o país.
A Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.
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