domingo, 28 de outubro de 2012

Os tapetes de Cospus Christi




Isaac Camargo afirma que “representar é dar a alguma coisa o sentido de outra” [1]. É possível remover do esquecimento fatos e experiências, reafirmar sentidos e sensações, rememorar expressões de fé, de alegria, tristezas, traumas, através de elementos que evocam lembranças, “na medida em que possibilita a condensação de dados e informações fenomênicas e factuais da ocorrência a qual” [2] se referem.

 
 Fotografia 1: Trecho da Praça São Sebastião ornamentada com os tapetes para a procissão de Corpus Christi. Registro de 7 de junho de 2012, acervo André Mattos.

Percorri na tarde de hoje (7/06/2012) as ruas do centro da cidade de Três Rios, para observar e fotografar os tapetes de Corpus Christi, tradição católica presente em diversas localidades brasileiras. Diante das construções artísticas populares de manifestação da fé de muitos, as imagens movimentaram lembranças de um período quando, participando com outros alunos do Colégio Entre-Rios, passávamos a noite preparando os tapetes que seriam pisoteados pela procissão do dia seguinte. Lembranças que permitiram sensações de paz e saudade.
“Os tapetes começaram a ser feitos no final dos anos 70. O roteiro inicial era: Rua da Bandeira, Rua Marechal Deodoro, Rua Sete de Setembro, Praça da Autonomia, Rua Rita Cerqueira, Rua XV de Novembro, Rua Gomes Porto, Praça São Sebastião, terminando [como ainda hoje] na Igreja Matriz de São Sebastião. O vigário que organizou era o padre Conrado Neidarth, participaram muitas instituições daqui. No princípio acontecia até uma cobertura da grande mídia.” [3]

O efeito que cada símbolo concebido causa, é proporcional ao(s) sentido(s) apreendido(s) por cada pessoa ou grupo de indivíduos, e que, principalmente naqueles afeitos as manifestações cristãs católicas, extrapolam a simples condições de representação. Entendo que as memórias e as lembranças são constituídas nas experiências de relações sociais e nas diversas formas de manifestação e percepção destas experiências, bem como, de fatos e situações do cotidiano, podendo ocorrer entre sujeitos no mesmo tempo ou em tempos e espaços distintos. Um olhar para estas imagens “estendidas em tapetes”, permite visualizar uma complexa interação de redes de relações culturais e sociais que avançam no espaço e tempo históricos, na medida em que são enunciadores dos discursos e expressões de grupos sociais diversos.

 
 
  Fotografia 2: Cruz formada por fotografias de indivíduos pobres atendidos em hospitais públicos, ornamentando o tapete para a procissão de Corpus Christi. Registro de 7 de junho de 2012, acervo André Mattos.

Percebe-se que existem no trabalho realizado na minha cidade, símbolos tradicionais, como a cruz, o pão, o peixe, a imagem do Cristo, o cálice, a hóstia, o carneiro e a pomba, misturando-se, com outros, mais contemporâneos, como aqueles que remetem ao trabalho, a política, aos movimentos populares e as atividades assistênciais da igreja – fotografia 2 -, as campanhas da fraternidade e para doação de sangue, e a que mostra o papa João Paulo II ajoelhado beijando o chão. Símbolos que remontam aos tempos e tradições da Idade Média e aos pensamentos, ideologias e movimentos políticos e sociais da atualidade.

 
 Fotografia 3: Símbolos tradicionais da fé cristã católica  no tapete para a procissão de Corpus Christi, na Rua Duque de Caxias, centro de Três Rios/RJ. Registro de 7 de junho de 2012, acervo André Mattos.

As representações e expressões da fé não se mostram estáticas com o passar dos anos, a tradição da arte dos tapetes de Corpus Christi permanece, mas seus símbolos renovam-se. Desta maneira, o historiador que elege estudar essa arte, considerando-a enquanto representação cultural de uma sociedade encontrará na imagem elementos importantes – fontes históricas -, para reconhecer as esferas sociais, culturais, econômicas e políticas, relacionando, entendendo e ressignificando os discursos de poder, as formas de expressão cultural e religiosa, e as representações diversas das memórias de indivíduos e grupos sociais de outros tempos históricos.
Os sentidos que as imagens dos tapetes de Corpus Christi produzem “na relação que exerce no contexto cultural com a qual dialoga” [4], possibilitam a construção de uma narrativa histórica. “Não basta à imagem estar no lugar de outra coisa, mas ser capaz de expandir suas possibilidades de significação” [5], de ser o registro da experiência social, bem como, testemunho de memórias e lugares de lembranças.

 Fotografia 4: Representação do gesto de João Paulo II de beijar o solo de um pais que visitava, símbolo contemporâneo anexado a tradição dos tapetes da procissão de Corpus Christi. Registro de 7 de junho de 2012, acervo André Mattos.

“Com o tempo o evento foi perdendo força, principalmente no final dos anos 80, (...) Aos poucos ela começou a ser restabelecida, mas com um roteiro muito menor, poucas instituições e quase nenhuma ajuda oficial. Uma vez, no final dos anos 90 as ruas já estavam decoradas quando caiu uma chuva muito forte e destruiu todo o trabalho. (...) Outra coisa que acontecia no início dos tapetes: além dos cinco altares para a benção do Santíssimo, em vários pontos do percurso, as famílias católicas enfeitavam suas janelas e portões com toalhas bonitas, um quadro ou uma imagem sacra. Um legado muito importante desse acontecimento foi que Três Rios inspirou outros município satélites (Paraiba do Sul, Comendador Levy Gasparian, Areal, Santana,etc, a também decorarem as suas ruas).” [6]




[1] CAMARGO, Isaac Antonio. Imagem: representação versus significação, apud, Imagem em Debate, organização GAWRYSZEWSKI, Alberto. Eduel. Londrina/PR, 1. ed., p. 207.
[2] Ibidem
[3] TEIXEIRA, Ezilma, por correio eletrônico.
[4] CAMARGO, Isaac Antonio. Imagem: representação versus significação, apud, Imagem em Debate, organização GAWRYSZEWSKI, Alberto. Eduel. Londrina/PR, 1. ed., p. 209.
[5] Ibidem.
[6] TEIXEIRA, Ezilma, por correio eletrônico.

 




André Luiz Reis Mattos é Mestrando em História Cultural pela Universidade Severino Sombra – Vassouras/RJ


A Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.

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