Os tapetes de Cospus Christi
Isaac Camargo afirma que “representar é dar a alguma coisa o sentido de
outra” [1]. É
possível remover do esquecimento fatos e experiências, reafirmar sentidos e
sensações, rememorar expressões de fé, de alegria, tristezas, traumas, através
de elementos que evocam lembranças, “na medida em que possibilita a condensação
de dados e informações fenomênicas e factuais da ocorrência a qual” [2] se
referem.
Percorri na tarde de hoje (7/06/2012) as ruas do centro da cidade de Três
Rios, para observar e fotografar os tapetes de Corpus Christi, tradição
católica presente em diversas localidades brasileiras. Diante das construções
artísticas populares de manifestação da fé de muitos, as imagens movimentaram
lembranças de um período quando, participando com outros alunos do Colégio
Entre-Rios, passávamos a noite preparando os tapetes que seriam pisoteados pela
procissão do dia seguinte. Lembranças que permitiram sensações de paz e saudade.
“Os tapetes
começaram a ser feitos no final dos anos 70. O roteiro inicial era: Rua da
Bandeira, Rua Marechal Deodoro, Rua Sete de Setembro, Praça da Autonomia, Rua
Rita Cerqueira, Rua XV de Novembro, Rua Gomes Porto, Praça São Sebastião,
terminando [como ainda hoje]
na Igreja Matriz de São Sebastião. O vigário que organizou era o padre Conrado
Neidarth, participaram muitas instituições daqui. No princípio acontecia até
uma cobertura da grande mídia.” [3]
O efeito que cada símbolo concebido causa, é proporcional ao(s)
sentido(s) apreendido(s) por cada pessoa ou grupo de indivíduos, e que,
principalmente naqueles afeitos as manifestações cristãs católicas, extrapolam
a simples condições de representação. Entendo que as memórias e as lembranças são constituídas nas experiências
de relações sociais e nas diversas formas de manifestação e percepção destas
experiências, bem como, de fatos e situações do cotidiano, podendo ocorrer
entre sujeitos no mesmo tempo ou em tempos e espaços distintos. Um olhar para
estas imagens “estendidas em tapetes”, permite visualizar uma complexa
interação de redes de relações culturais e sociais que avançam no espaço e tempo
históricos, na medida em que são enunciadores dos discursos e expressões de
grupos sociais diversos.
Percebe-se que existem no trabalho realizado na minha cidade, símbolos
tradicionais, como a cruz, o pão, o peixe, a imagem do Cristo, o cálice, a
hóstia, o carneiro e a pomba, misturando-se, com outros, mais contemporâneos,
como aqueles que remetem ao trabalho, a política, aos movimentos populares e as
atividades assistênciais da igreja – fotografia 2 -, as campanhas da
fraternidade e para doação de sangue, e a que mostra o papa João Paulo II
ajoelhado beijando o chão. Símbolos que remontam aos tempos e tradições da
Idade Média e aos pensamentos, ideologias e movimentos políticos e sociais da atualidade.
As representações e expressões da fé não se mostram estáticas com o
passar dos anos, a tradição da arte dos tapetes de Corpus Christi permanece, mas
seus símbolos renovam-se. Desta maneira, o historiador que elege estudar essa
arte, considerando-a enquanto representação cultural de uma sociedade
encontrará na imagem elementos importantes – fontes históricas -, para reconhecer
as esferas sociais, culturais, econômicas e políticas, relacionando, entendendo
e ressignificando os discursos de poder, as formas de expressão cultural e
religiosa, e as representações diversas das memórias de indivíduos e grupos
sociais de outros tempos históricos.
Os sentidos que as imagens dos tapetes de Corpus Christi produzem “na
relação que exerce no contexto cultural com a qual dialoga” [4],
possibilitam a construção de uma narrativa histórica. “Não basta à imagem estar
no lugar de outra coisa, mas ser capaz de expandir suas possibilidades de significação”
[5],
de ser o registro da experiência social, bem como, testemunho de memórias e
lugares de lembranças.
Fotografia 4: Representação do gesto
de João Paulo II de beijar o solo de um pais que visitava, símbolo
contemporâneo anexado a tradição dos tapetes da procissão de Corpus Christi.
Registro de 7 de junho de 2012, acervo André Mattos.
“Com o tempo o
evento foi perdendo força, principalmente no final dos anos 80, (...) Aos poucos
ela começou a ser restabelecida, mas com um roteiro muito menor, poucas
instituições e quase nenhuma ajuda oficial. Uma vez, no final dos anos 90 as
ruas já estavam decoradas quando caiu uma chuva muito forte e destruiu todo o
trabalho. (...) Outra coisa que acontecia no início dos tapetes: além dos cinco
altares para a benção do Santíssimo, em vários pontos do percurso, as famílias
católicas enfeitavam suas janelas e portões com toalhas bonitas, um quadro ou uma
imagem sacra. Um legado muito importante desse acontecimento foi que Três Rios
inspirou outros município satélites (Paraiba do Sul, Comendador Levy Gasparian,
Areal, Santana,etc, a também decorarem as suas ruas).” [6]
[1] CAMARGO,
Isaac Antonio. Imagem: representação versus significação, apud, Imagem em
Debate, organização GAWRYSZEWSKI, Alberto. Eduel. Londrina/PR, 1. ed., p. 207.
[2] Ibidem
[3]
TEIXEIRA, Ezilma, por correio eletrônico.
[4] CAMARGO,
Isaac Antonio. Imagem: representação
versus significação, apud, Imagem em
Debate, organização GAWRYSZEWSKI, Alberto. Eduel. Londrina/PR, 1. ed., p.
209.
[5] Ibidem.
[6]
TEIXEIRA, Ezilma, por correio eletrônico.
André Luiz Reis Mattos é Mestrando em História Cultural pela Universidade Severino Sombra – Vassouras/RJ
A Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.
0 comentários:
Postar um comentário
Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.