Tomada de consciência
A tomada de consciência é um processo humano por demais perturbador.
Talvez seja o momento no qual após selecionar os alimentos, realizar a processo digestório e absorver os nutrientes, se iniciem os efeitos que irão regular por um certo tempo a fisiologia humana em seu sentido mais pleno.
Talvez seja um acordar repentino após um delicioso e/ou atormentado sono, ao qual tiveram a pretensão de dar o nome de realidade.
Há a hipótese de que seja o intenso regurgitar de lembranças e a retomada do que há de mais singular no ser a convidar o mundo para uma dança na qual os corpos estão colados e suados, na qual a plenitude da existência se torne inescapável.
É o abrir dos olhos, o frio na barriga, um descortinar do que se passou por trás do espetáculo no qual atuamos há um certo tempo.
Suas marcas são a intensidade, o desencatamento, a alegria juvenil, o sorriso da experiência, uma sensação inescapável de que o abismo olha para você e ri, e você não consegue ver graça. Já não se pode virar para o que se foi e deixou apenas pequenos traços.
Já não funciona o culto aos velhos ídolos, perdeu-se a aura, já não produz os efeitos de outrora.
Dizem as más línguas, que é um olhar para a morte, a qual não pode ser tocada, apenas sentida, reverenciada, temida ou desejada, mas jamais realizada.
Seria um dos poucos momentos humanos em que independente do contingente, é possível gozar da proximidade do universal.
Há quem se apavore, corra para cubrir rapidamente o indesejável, o monstruoso, o demasiadamente humano, o espelho que tudo mostra e que nada diz, o oráculo das mistificações insanas.
Há quem tente abraçar, possuir, beijar, e quando se dá conta percebe a imaterialidade extremamente tocante e intocável da tomada de consciência.
E de repente a overdose existencial é sublimada, e o mundano retoma sua presa e a subjulga novamente, deixando este mal a acompanhar suavemente, envenenando lentamente os tristes dias da indigna existência.
Tatyane Estrela é graduanda no Bacharelado em Ciências e Humanidades e no Bacharelado e Licenciatura em Filosofia pela Universidade Federal do ABC. Participa do DEFILOTRANS - Grupo de Debates Filosóficos Transdisciplinares Para Além da Academia.
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