quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O outro, o mundo e o eu



Poupe-me destes diálogos de uma voz só, sem ouvidos, cheiro, pele, cor. Quero poder me derramar em palavras, molhar sua alma, desmanchar papéis, evaporar-me tão cedo chegue a hora. Quero mais do que meros jogos de palavras, quero poder me mostrar como sou, sem intermediários, sem regras, sem pudor. Quero me despir silenciosamente e me sentir parte de você, não poder perceber essa coisa do eu.

Mas você continua imóvel, sem sentimento, frio, desalmado, mero objeto no mundo, pronto para o uso, mas incapaz de se corromper no contato. Não há nada que eu faça, nada que eu diga, nada que eu pense ou emane que seja capaz de tocar o seu profundo vazio. Talvez por que eu não tenha me dado conta de que só há o diálogo no reconhecimento do outro, no olhar, no sentir e no perceber a existência ou não de algo ou alguém.

Hoje eu vou me calar, silenciar-me em prece, contemplar a madrugada fria que prepara mais um dia. Vou me colocar em repouso, acalmar-me, tocar a sublime e leve essência da vida. Terei que abandonar os materialismos, a realidade que nos é posta, parar de correr contra o tempo, deixar de pensar sobre tudo. Apenas sentir sem sentido, ouvir o silêncio, olhar para a escuridão, flutuar sobre o abismo da existência.

Sim, é preciso sair, desconectar, esquecer-se, calar, talvez seja este o momento ideal que prepara o caminho de todo o criar. É preciso negar, deixar de positivar, olhar para um mundo como um quadro branco que clama por cor e vida, por forma, aparência, expressividade. E que não se atrevam @s palpiteir@s, de tentar interpretar esta obra, fruto de uma existência de sombras, amargurada e que canta docemente.

Há que se aceitar os limites, respeitar os domínios dos mundos, falar sobre o que lhes é posto, mas nunca sobre o indizível. Fazer o bom uso dos modos, conter-se diante da infâmia, olhar só o que lhe renova, deixar para trás a reprova. Não há de apoiar a revolta, nem dar vida a vã coisa morta.

Olhai para o falatório do povo, sua fúria, seu terror, de que adiantam mudanças, se não silenciam o clamor? Aceitai a perenidade da vida, e a miséria da curta existência, nem queira tentar resistência, no fim tod@s pedem clemência. Lembrai que é tão passageiro, tudo que vê verdadeiro, de nada adianta apegar-te, nem mesmo à mais bela arte.

Finitude, fraqueza, falta de sentido, fuga, medo, covardia, ilusão, utopia, são tantas as nossas saídas, tentar entender nossas vidas, para dar mais perfume ao túmulo que irá guardar este ser contra o qual nada podemos fazer além de conviver, o qual não somos capazes de olhar, com o qual não podemos falar, escrav@s que somos do sentir mais profundo e momentâneo, do gozo da relação mais próxima, da triste constatação de que nos é bloqueado o acesso ao conhecimento do ser que habitamos e que quanto mais buscamos sentido, mais distante dele nos colocamos.

Tatyane Estrela é graduanda no Bacharelado em Ciências e Humanidades e no Bacharelado e Licenciatura em Filosofia pela Universidade Federal do ABC. Participa do DEFILOTRANS - Grupo de Debates Filosóficos Transdisciplinares Para Além da Academia.

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