terça-feira, 13 de novembro de 2012

Paraíso




Deu vontade de falar da Vó. Deu saudade daqueles domingos na casa dela, onde a única regra era brincar sem relógios tiquetaqueando: correr descalço o dia inteiro no quintal, sujar as mãos na terra do jardim, não sair de lá sem levar na mochila sacolés, chocolates e os pastéis de queijo mais gostosos de toda a infância.

Saudade também da hora do almoço, da cozinha de azulejos azuis, da mesa em que não cabiam todas as travessas e travessuras, da Dona Mari carinhosamente nos intimando a provar e repetir umas duzentas vezes cada prato, do bolinho de bacalhau à salada de frutas. Afinal, neto nenhum seu podia ser magrinho. O que as vós da vizinhança iam pensar?

Saudade até da cara (quase) feia que ela fazia quando nos esquecíamos de pedir sua bênção ou um beijinho de tchau. Do seu olhar levemente preocupado quando iniciávamos a Vigésima Sexta Guerra Mundial das Almofadas e usávamos como trampolim o enorme sofá da sala – que fazia a curva do outro lado da rua.

Saudade do zelo com que cuidava das camisas do Vô Maneco, do capricho com que pregava cada botão que tentasse escapar.

Saudade do banho de mangueira no verão, do cheiro do café no frio, do barulho da máquina de costura, da cor da tinta com que pintava o cabelo, do sorriso que teimava em não aparecer nas fotografias, do jeitinho delicadamente severo de convencer Mãe a nos perdoar... pela Vigésima Sétima Guerra Mundial das Almofadas.

Saudade da saudade que Vó irradiava quando nos via abrindo o portão felizes da vida – prestes a provar mais um pedacinho do céu.









Fábio Flora é autor de Segundas estórias: uma leitura sobre Joãozito Guimarães Rosa (Quartet, 2008) e escreve no Pasmatório (http://pasmatorio.blogspot.com.br).

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