“O Auto da Compadecida”: A arte e sua função histórico-social.
“O Auto da
Compadecida”, obra que atraiu deslumbrantemente um grande público, foi
aproveitado não só para o teatro que é uma manifestação artística da
antiguidade clássica, como também na arte contemporânea (televisão e cinema). A
representação da divindade por Ariano leva a população brasileira a uma
reflexão e resgate de valores etnológicos, criando por meio disso uma realidade
atual, uma vez que os cidadãos brasileiros precisam se conscientizar de que é
necessário se libertar do preconceito e assumir que o sangue negro circula nas
veias deste povo.
Esta é uma obra de fundo popular e religioso, encenada pela primeira vez
em 1955, e que, embora seja contemporânea apresenta grande carga semântica ao
representar a divindade por meio de um Deus Negro, além de mostrar as
desigualdades sociais de uma realidade
marcada por sertanejos e coronéis. Desta forma a literatura busca, com base em
um contexto histórico, analisar os pontos fulcrais de uma sociedade. Ela não só
nasce vinculada a certa realidade mas também pode interferir nessa realidade,
auxiliando no processo de transformação social.
“A literatura tem sido, ao
longo da história, uma das formas mais importantes de que dispõe o homem, não só
para o conhecimento do mundo, mas também para a expressão, criação e re-criação
desse conhecimento. Lidando com o imaginário, trabalhando a emoção, a
literatura satisfaz sua necessidade de ficção, de busca de prazer. Conhecimento
e prazer fundem-se na literatura, e na arte em geral, impelindo o homem ao
equilíbrio psicológico, e faz reunir as necessidades primordiais da humanidade:
a aprendizagem da vida, a busca incessante, a grande aventura humana.” (VIEIRA, 1978)
Dentre os pontos comuns entre as expressões
artísticas, o principal é a própria essência da arte, ou seja, a possibilidade
de o artista recriar a realidade, transformando-se em criador de mundos, de
sonhos, de ilusões, de verdades. O artista tem, dessa forma, um poder mágico em
suas mãos: o de moldar a realidade segundo suas convicções, seus ideais, sua
vivência.
O poeta e crítico de arte Ferreira
Gullar assim se manifesta sobre essa transformação simbólica do mundo:
“A arte é muitas coisas. Uma das coisas que a arte
é, parece, é uma transformação simbólica do mundo. Quer dizer: o artista cria
um mundo outro – mais bonito ou mais intenso ou mais significativo ou mais
ordenado – por cima da realidade imediata.Naturalmente, esse mundo outro que o
artista cria ou inventa nasce de sua cultura, de sua experiência de vida, das
idéias que ele tem na cabeça, enfim, de sua visão de mundo”.(GULLAR, Ferreira. 1982)
O homem, como ser histórico, tem, anseios, necessidades e valores que se
modificam constantemente suas criações entre elas a literatura – refletem seu
modo de ver a vida e de estar no mundo. Assim, ao longo da História, a
literatura foi concebida de diferentes maneiras. Mesmo os limites entre o que é
e o que não é literatura variaram com o tempo. Literatura é a arte que utiliza
a palavra como matéria prima de suas criações. A literatura (re)cria a
realidade, utilizando suas próprias convenções e cada obra representa um modo
particular de ver a realidade.
A obra “O Auto da Compadecida” de
Ariano Suassuna, possui uma preocupação estética, provocando prazer,
entretenimento e cultura por sua forma, conteúdo e organização, sendo assim,
uma expressão do homem com seus anseios e frustrações por meio da antítese
(vida e morte), uma forma privilegiada de comunicação, ao explorar todas as
potencialidades da linguagem. Ela busca o essencial, o universal, contribuindo
ricamente para a formação dos homens, indicando-lhes modos de agir,
retratando-os em seus desejos, angústias e prazeres. Desse modo, faz com que o
homem se conheça cada vez melhor, e ao produzir modificações nas mentalidades,
contribuindo para a transformação coletiva e individual.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ÁVILA, Affonso. O lúdico e as
projeções do mundo barroco. 2ª ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1980.
WITTGENSTEIN, L. Estética,
psicologia e religião. Trad. José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1966.
BOSI, Alfredo. História Concisa
da Literatura Brasileira. 3ª ed. São Paulo: Cultrix/Edusp, 1975.
GULLAR,
Ferreira. Sobre arte. Rio de Janeiro: Avenir; São Paulo: Palavra e Imagem, 1982
Alice Vieira. O prazer do texto – perspectivas para o ensino de
literatura. São Paulo: E.P.U., 1978 – p. XI.)
Luis Henrique de Oliveira é
graduado em História pela Universidade Federal de Ouro Preto, Mestre em
História pela Universidade Federal de Juiz de Fora, professor titular da FaSaR-
Faculdade Santa Rita e professor do ensino médio na rede pública e privada de
ensino.
A Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.
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