sábado, 6 de abril de 2013

A Poesia Está na Rua





        Sejam bem-vindos leitores à minha coluna. Agora temos um novo nome  e uma nova ideia. Isso é sempre bom, porque desde 2009 estou na ContemporARTES e desejo sempre trazer novas ideias e informações.
          
         Com o novo nome “A Poesia Está na Rua” poderemos suscitar vários questionamentos: ele falará sobre arte de rua? Poesia com a qual vivemos, mas não percebemos? A resposta a essas perguntas e outras é sim e não. Por isso, nessa primeira matéria, buscaremos esclarecer o significado dessa nomeação.

“A poesia está na rua” são as palavras de ordem, criadas pela poeta Sophia de Mello Breyner Andresen, ecoadas pelas ruas de Lisboa – Portugal durante a Revolução dos Cravos – movimento ocorrido no dia 25 de abril de 1974 e responsável pela deposição do regime totalitário português. Essas palavras, mais do que belas, têm um significado relacionado diretamente à liberdade, à democracia, à possibilidade de se viver sem amarras e poder exercer sua liberdade individual.

Com a Revolução, a poesia teve possibilidade de sair do interior das pessoas caladas e amedrontadas, das casas fechadas depois de quase cinco décadas de censura, medos e ameaças. Essas palavras criadas por Sophia Andresen foram imortalizadas posteriormente em um emblemático quadro de Vieira da Silva – pintora portuguesa exilada em Paris e um dos mais importantes nomes da Arte portuguesa do século XX.  

Esse acontecimento ímpar na história da humanidade que foi a Revolução dos Cravos, fez com que as pessoas fossem às ruas e comemorassem a liberdade pátria, o fim de uma Guerra de 13 anos entre Portugal e as ex-colônias na África (Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde), e a possibilidade de um futuro menos desigual e mais democrático.

Além da criação das palavras de ordem que ecoaram pelas ruas de Lisboa no momento posterior à Revolução, Sophia Andresen também imortalizou esse momento libertário em poemas. Alguns desses poemas serão apresentados a seguir:

25 de Abril

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
(ANDRESEN, 1977, p. 28)


Revolução

Como casa limpa
 Como chão varrido
 Como porta aberta

Como puro início,
 Como tempo novo
 Sem mancha nem vício

Como a voz do mar
 Interior de um povo

Como página em branco
Onde o poema emerge

Como arquitectura
Do homem que ergue
Sua habitação
(ANDRESEN, 1977, p. 29)

Revolução – Descobrimento

Revolução isto é: descobrimento
Mundo recomeçado a partir da praia pura
Como poema a partir da página em branco
 - Catarsis emergir verdade exposta
Tempo terrestre a perguntar seu rosto
(ANDRESEN, 1977, p. 33)

Não cabe a mim, neste momento, questionar os desdobramentos da Revolução dos Cravos, mas sim apontar toda esperança de mudanças efetivas que esse acontecimento trouxe para a vida de milhares de pessoas. Como é possível de perceber nos três poemas apresentados acima, há uma necessidade de emergir “da noite e do silêncio” para habitar com liberdade “a substância do tempo”, para que as pessoas sejam as únicas responsáveis pelas suas próprias escolhas e tenham liberdade para efetuá-las. A Revolução traz para todos a possibilidade de construir uma nova habitação “Sem mancha nem vício”, totalmente distinta da realidade que fora vivida até então e, não menos importante, o momento revolucionário implica uma mudança, mas que deve ter suas bases e rostos voltados para a verdade que foi exposta, para os descobrimentos de um passado que antes fora obscuro e que agora pode ser revisitado criticamente, bem como de um futuro que precisa ser construído, “recomeçado a partir da praia pura/ Como um poema a partir da página em branco”.

Desejo que a poesia não retorne para o interior das pessoas e das casas, que não se feche por medo ou acomodação, mas que a todo momento saia à rua, dê seu grito de liberdade, possibilitando às pessoas união para uma sociedade mais justa e menos intolerante. Sendo assim, essa coluna versará, terá como tema a liberdade, a poesia, a literatura, esteja na rua efetivamente, nos livros ou no interior de cada um que se sentir tocado pelas palavras que aflorarão como verdadeiros cravos em uma manhã de primavera.




Rodrigo Corrêa Machado é colunista da ContemporARTES desde 2009, quando a revista foi criada, juntamente com Ana Dietrich ele é também coordenador dessa revista. Ele é também doutorando em Estudos de Literatura pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em Letras pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e licenciado em Letras por esta mesma instituição. Seus interesses perpassem a Literatura em geral e, com ênfase especial na poesia portuguesa contemporânea.


1 comentários:

Ana Dietrich disse...

Nossa, meu caro, maravilhoso texto. Tenho certeza que a coluna tanto pela sensibilidade de suas palavras quanto pela fortaleza de seus ideais - dos quais compartilho - será um grande sucesso. Obrigada por sonhar comigo esse sonho da Contemporartes e que tenhamos ainda muitos e muitos anos de parceria.

7 de abril de 2013 às 20:09

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