A Poesia Está na Rua
Sejam
bem-vindos leitores à minha coluna. Agora temos um novo nome e uma nova ideia. Isso é sempre bom, porque
desde 2009 estou na ContemporARTES e desejo sempre trazer novas ideias e
informações.
Com o novo nome “A Poesia Está na
Rua” poderemos suscitar vários questionamentos: ele falará sobre arte de rua?
Poesia com a qual vivemos, mas não percebemos? A resposta a essas perguntas e
outras é sim e não. Por isso, nessa primeira matéria, buscaremos esclarecer o
significado dessa nomeação.
“A
poesia está na rua” são as palavras de ordem, criadas pela poeta Sophia de
Mello Breyner Andresen, ecoadas pelas ruas de Lisboa – Portugal durante a
Revolução dos Cravos – movimento ocorrido no dia 25 de abril de 1974 e
responsável pela deposição do regime totalitário português. Essas palavras,
mais do que belas, têm um significado relacionado diretamente à liberdade, à
democracia, à possibilidade de se viver sem amarras e poder exercer sua
liberdade individual.
Com
a Revolução, a poesia teve possibilidade de sair do interior das pessoas
caladas e amedrontadas, das casas fechadas depois de quase cinco décadas de
censura, medos e ameaças. Essas palavras criadas por Sophia Andresen foram
imortalizadas posteriormente em um emblemático quadro de Vieira da Silva –
pintora portuguesa exilada em Paris e um dos mais importantes nomes da Arte
portuguesa do século XX.
Esse
acontecimento ímpar na história da humanidade que foi a Revolução dos Cravos,
fez com que as pessoas fossem às ruas e comemorassem a liberdade pátria, o fim
de uma Guerra de 13 anos entre Portugal e as ex-colônias na África (Angola,
Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde), e a possibilidade de um futuro menos
desigual e mais democrático.
Além
da criação das palavras de ordem que ecoaram pelas ruas de Lisboa no momento
posterior à Revolução, Sophia Andresen também imortalizou esse momento
libertário em poemas. Alguns desses poemas serão apresentados a seguir:
25 de Abril
Esta é a
madrugada que eu esperava
O dia inicial
inteiro e limpo
Onde emergimos
da noite e do silêncio
E livres
habitamos a substância do tempo
(ANDRESEN, 1977,
p. 28)
Revolução
Como casa limpa
Como chão varrido
Como porta aberta
Como puro
início,
Como tempo novo
Sem mancha nem vício
Como a voz do
mar
Interior de um povo
Como página em
branco
Onde o poema
emerge
Como
arquitectura
Do homem que
ergue
Sua habitação
(ANDRESEN, 1977,
p. 29)
Revolução – Descobrimento
Revolução isto
é: descobrimento
Mundo recomeçado
a partir da praia pura
Como poema a
partir da página em branco
- Catarsis emergir verdade exposta
Tempo terrestre
a perguntar seu rosto
(ANDRESEN, 1977,
p. 33)
Não
cabe a mim, neste momento, questionar os desdobramentos da Revolução dos
Cravos, mas sim apontar toda esperança de mudanças efetivas que esse
acontecimento trouxe para a vida de milhares de pessoas. Como é possível de
perceber nos três poemas apresentados acima, há uma necessidade de emergir “da
noite e do silêncio” para habitar com liberdade “a substância do tempo”, para
que as pessoas sejam as únicas responsáveis pelas suas próprias escolhas e
tenham liberdade para efetuá-las. A Revolução traz para todos a possibilidade
de construir uma nova habitação “Sem mancha nem vício”, totalmente distinta da
realidade que fora vivida até então e, não menos importante, o momento
revolucionário implica uma mudança, mas que deve ter suas bases e rostos
voltados para a verdade que foi exposta, para os descobrimentos de um passado
que antes fora obscuro e que agora pode ser revisitado criticamente, bem como
de um futuro que precisa ser construído, “recomeçado a partir da praia pura/
Como um poema a partir da página em branco”.
Desejo
que a poesia não retorne para o interior das pessoas e das casas, que não se
feche por medo ou acomodação, mas que a todo momento saia à rua, dê seu grito
de liberdade, possibilitando às pessoas união para uma sociedade mais justa e
menos intolerante. Sendo assim, essa coluna versará, terá como tema a
liberdade, a poesia, a literatura, esteja na rua efetivamente, nos livros ou no
interior de cada um que se sentir tocado pelas palavras que aflorarão como
verdadeiros cravos em uma manhã de primavera.
Rodrigo Corrêa Machado é colunista da ContemporARTES desde 2009, quando a revista foi criada, juntamente com Ana Dietrich ele é também coordenador dessa revista. Ele é também doutorando em Estudos de Literatura pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em Letras pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e licenciado em Letras por esta mesma instituição. Seus interesses perpassem a Literatura em geral e, com ênfase especial na poesia portuguesa contemporânea.
1 comentários:
Nossa, meu caro, maravilhoso texto. Tenho certeza que a coluna tanto pela sensibilidade de suas palavras quanto pela fortaleza de seus ideais - dos quais compartilho - será um grande sucesso. Obrigada por sonhar comigo esse sonho da Contemporartes e que tenhamos ainda muitos e muitos anos de parceria.
7 de abril de 2013 às 20:09Postar um comentário
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