A nova cena dos veteranos
"Pensar fora da caixa !”. Essa frase, dita pelo vocalista da banda andreense W.A.C.K., em entrevista ao fanzine A Firma, demonstra, ao meu ver, a principal característica de uma nova safra de bandas com line ups formadas por antigos membros da cena Punk/Oi! do ABC e da Capital paulista. Alguns deles estão na ativa desde o início da década de 1980 e ainda tem muita vontade e criatividade para desenvolver novos projetos.
De um modo geral, essas bandas tem em comum, além de
formadas por gente da “antiga escola” e serem autogeridas, um
discurso característico de quem tem muita vivência de rua: a
crítica ao envolvimento de bandas com partidos políticos de
qualquer natureza, a oposição ao racismo e ao sectarismo, a
apologia a classe trabalhadora e, principalmente, a ideia de que,
independente do estilo de cada pessoa, é possível todos
compartilharem do mesmo espaço, sem distinções e, especialmente,
sem violência. Em uma palavra, AMIZADE. Esse, segundo alguns deles, é o verdadeiro espírito
da cena com a qual se propõem a colaborar. Aliás, ideia do Oi!, estilo
musical derivado do Punk Rock criado nos subúrbio londrinos, na
década de 1970, era exatamente reunir sob uma só bandeira Punks e
Skinheads.
Zine A Firma.
Disponível em: http://eddie-drunkpunk.blogspot.com.br/2013/06/fanzine-firma-1.html Acessado em 10/07/2013.
Atualmente, as bandas locais, por conta do surgimento de novos grupos e estilos, ampliaram a abrangência desse discurso e em seus shows conclamam todos os jovens (e mesmo os não tão jovens ) que de alguma maneira se sentem explorados ou excluídos, a deixar de lado pequenas diferenças e se unirem, no intuito de fortalecer a cena underground.
Nessa edição, pretendo apresentar uma pequena scene review apresentando algumas bandas dessa nova cena formada por veteranos. São elas: W.A.C.K., Belfast e O Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos.
A W.A.C.K., do ABC Paulista , foi formada no final de 2011, e tem em sua line up, ex-membros de importantes bandas locais, a Ação Direta e os Garotos Podres. No início de julho, a banda lançou suas quatro primeiras músicas disponíveis no Sound Cloud (www.soundcloud.com/banda-wack).
O
nome da banda não é a tradução de uma gíria em inglês que em
nosso idioma seria algo como “muito ruim” ou “pessoa doida”,
mas um acrônimo para a expressão We Are All Cockney Kids
(Somos todos garotos Cockney), em alusão à classe trabalhadora
londrina.
O
Cockney é um termo
utilizado para identificar um modo muito particular de ser e falar
dessas pessoas: rude e direto. Consequentemente, pode ser entendido
como uma forma de resistência aos modos refinados da aristocracia
inglesa e exaltação da classe trabalhadora.
De acordo com a entrevista concedida ao zine A Firma, a
proposta da banda é fazer um som honesto e que procure renovar a
cena, tomada pelo ganguismo e a falta de criatividade. Nas palavras
do vocalista, a hora é de “revisar, repensar, mudar !”
“W.A.C.K.”
- Disponível em:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=170993643048186&set=a.170993636381520.40156.100004126534167&type=3&theater
,acessado em 08/07/2013.
Quanto
as referências musicais da banda, há grande influência do Oi!
e Ska, porém, deve-se
registrar, eles não se fecham para outras sonoridades e estilos.
Dentre as canções, destaco a vigorosa
“W.A.C.K.”, um bom exemplo do que é a Oi! Music e um manifesto a
cultura de rua e “T.F.I. Friday”, um ska “sujo”, cuja
sonoridade lembra canções dos Garotos Podres.
Além da banda, o vocalista da W.A.C.K. apresenta o
programa Ecos de 69, na webradio Antena Zero, com o propósito de
difundir para o público não especializado os estilos musicais da
cultura Skinhead Tradicional.
O número 69 é uma menção ao ano de 1969,
considerado pelos Skinheads Tradicionais,
(ou seja, não racistas e
apartidários) como o auge da cultura Skinhead.
Formada
no final de 2012, por ex-integrantes de bandas dos anos 1990, a
“Discarga”e “Rompendo o Silêncio”, e, posteriormente,
agregando ex-integrantes de bandas do início dos 2000, a
“Sindicato” (que voltou à ativa recentemente) e a “New City Rockers”, a Belfast lançou, no
final do ano passado, o seu primeiro CD demo.
Segundo
seus integrantes, alguns do ABC e outros da capital paulista, o nome
da banda é uma referência a capital da Irlanda do Norte, por conta
da cena musical da qual são fãs. A cidade é o berço de
bandas seminais do Punk Rock, como a Stiff Little Fingers, que se
apresentou no Brasil no início da década de 2000.
O
som da Belfast, basicamente, é um Punk/Oi! cujas letras tratam do
cotidiano de um jovem da classe trabalhadora, contando seus medos
(em “Tensão no Ar”), sua revolta (em “Hipocrisia”)
e suas paixões (em “Street Kids” e “Guerra nas
Arquibancadas”).
"Guerra nas arquibancadas". Crédito da filmagem: Alexandre de Almeida. 12/2012.
A
banda também proclama o mesmo discurso contra o sectarismo e a
violência na cena underground.
Em entrevista ao zine A Firma, o vocalista da Belfast é categórico:
“ (…) somente quando todos aprenderem a se respeitar aí teremos
uma cena forte (...)”.
“(...)
diante de meu novo status acadêmico, sou obrigado a revelar
a minha nova “identidade secreta”. A partir de agora, eu sou o temível
“Satânico Dr. Mao”. E afirmo ainda: Nem mesmo James Bond, Austin Powers, o
MI-5, a CIA e todos os serviços secretos do decadente ocidente capitalista
conseguirão me deter! ... hahahahahahahaha! ... (leiam este meu “hahahaha”
como uma característica gargalhada de “vilão malvado”).” (Maio de 2005)
a minha nova “identidade secreta”. A partir de agora, eu sou o temível
“Satânico Dr. Mao”. E afirmo ainda: Nem mesmo James Bond, Austin Powers, o
MI-5, a CIA e todos os serviços secretos do decadente ocidente capitalista
conseguirão me deter! ... hahahahahahahaha! ... (leiam este meu “hahahaha”
como uma característica gargalhada de “vilão malvado”).” (Maio de 2005)
Transcrevo
o trecho do e-mail, que recebi do Mao, enviado no dia posterior a
defesa de sua tese de doutorado em História Econômica, para dizer,
em tom de brincadeira, que estava tudo premeditado, escrito nas
estrelas, ou melhor, nos elementos radioativos utilizados para a
construção de armas de destruição em massa, sobre a formação do
novo projeto do vocalista da banda do ABC paulista, os Garotos
Podres.
“O
Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos”. Disponível em:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=566809806703797&set=pb.566754640042647.-2207520000.1373319929.&type=3&theaterO,
acessado em 08/07/2013.
Formado
em 2013, a banda lançou recentemente uma música intitulada
“Repressão Policial (Instrumento do Capital)”, inspirada na
canção “Alerta Geral” da banda Portuguesa Peste&Sida.
Trata-se de uma homenagem aos jovens que enfrentaram a repressão
policial nas recentes manifestações que eclodiram por todo o país.
Nas palavras do próprio Mao, a canção é uma homenagem aos: “(…)
jovens [que] tiveram que enfrentar todo aparato da repressão
policial, a manipulação da informação... pelos órgãos de
imprensa, a infiltração de policiais (agentes provocadores) e
grupos de extrema-direita. O exemplo destes jovens assombrou o
mundo.”
Atendendo
a sugestão da banda, via Facebook, algumas pessoas criaram suas próprias versões
de videoclipes para a canção, demonstrando que a ela não é uma
mercadoria, mas um instrumento de mobilização e conscientização
das massas.
Crédito: Arlindo Cirino
Com isso, concluo que essa nova cena tem como grande diferencial a vivência e a experiência que estimulam posturas não conformistas e questionadoras. Não se trata de ganhar dinheiro, pois todos tem um meio de subsistência que não necessariamente a banda: são tatuadores, músicos profissionais, professores, advogados, pequenos empresários, barbeiros, etc..
A questão principal, o que há de mais importante para essas pessoas é a atitude, a ideia de que tocar em uma banda de rock não é algo inerente a uma determinada faixa etária, não é uma fase da vida “que passa”.
Para eles, o sofá de casa serve apenas para descansar após terem realizado um show e não como um símbolo da conformidade com o presente e nostalgia de suas juventudes.
Alexandre de Almeida gaduado em Historia e mestre em Antropologia, ambos pela PUCSP. Atualmente é Doutorando em História Social, pela USP. Sua pesquisa tem como foco os grupos juvenis urbanos e seus posicionamentos políticos/partidários. Também realiza pesquisa na área de Arquivologia, com ênfase em documentos audiovisuais e sonoros. Foi radialista na Patrulha FM, em Santo André (SP), especializada no gênero Rock, no final da década de 1990, onde além de apresentar a programação comercial noturna, produziu e apresentou o programa “Expresso da Meia Noite”. Trabalha, há mais de dez anos, com patrimônio histórico arquivístico, atuando em instituições como o Arquivo Público do Estado de São Paulo e Centro de Memória Bunge. Atualmente, coordena a área de Arquivos Sonoros e Audiovisuais do Acervo Presidente FHC e trabalha como professor na rede pública de ensino de São Paulo.
1 comentários:
Excelente resenha, é bem por ae mesmo, o pessoal da velha escola (e alguns da nova escola) já estão de saco cheio de discursos partidários e da violência gratuita. Querem fazer o que gostam, somar e construir uma cena forte baseada no respeito e na amizade. Como costumo dizer, a minha geração (anos 90, 00) matou boa parte da geração que estava por vir, isto que a geração 90 é continuação e sobreviventes dos anos 80 (outra geração extremamente marginalizada!). Oi!
11 de julho de 2013 às 14:40Postar um comentário
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