quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Brasil, um país de quem?

    

Todos nós estamos a assistir no Brasil, desde junho – julho, a muitas manifestações populares, alimentadas pelo descontentamento populacional quanto às políticas governamentais, preços abusivos de alimentos e outros bens essenciais. Eu que vi de perto a tudo isso, no Rio de Janeiro, meses depois, ainda não contestei mudanças significativas no panorama social, econômico e político brasileiro.

Nas últimas semanas, professores da rede pública do Estado do Rio de Janeiro foram à porta do Palácio da Guanabara, local onde deputados aprovariam medidas absurdas quanto à carreira do magistério, manifestarem as necessidades de um plano de carreira e um salário mais dignos. Receberam por parte do governo pedradas, balas de borracha, apanharam da polícia que, muitas vezes, infiltra-se no meio dos docentes e incita a violência, levando muitas pessoas de bem a serem brutalmente agredidas. O que o governo faz para parar tudo isso? Inventa medidas paliativas que não resolverão problema algum, consegue mascarar a gravidade de suas ações, divulgando para jornais e redes televisivas (extremamente impessoais no trato com a matéria?) que na verdade os professores estavam fazendo vandalismo.

Imagem 1: Manifestação dos professores no Rio de Janeiro por melhorias na carreira docente

O Governo Federal, o que faz? Não se pronuncia. O problema não é com ele. E continua a enviar milhares de estudantes para fora do país no programa chamado Ciência sem Fronteiras. Sem fronteiras, sem planejamento, sem controle e sem responsabilidade com os estudantes que ficam no país – em alguns países a bolsa recebida pelos graduandos é maior do que a de doutorado oferecida no território brasileiro, sem contar auxílio saúde, moradia, entre outros. De minha parte, posso testemunhar que esse programa já possui seus pseudônimos extremamente conhecidos no meio universitário como “Balada sem Fronteiras”. Se a intenção governamental era melhorar a imagem do Brasil no meio científico, haverá um grande tiro no pé. Testemunho também que, por vários motivos (Copa do mundo? Olimpíadas?) existem no país muitos outros estudantes de pós-graduação – mestrado e doutorado -, por exemplo, sem nenhuma ajuda de custo ou expectativa de recebê-la (como eu mesmo). Nos perguntamos, cadê o dinheiro? Cadê a transparência? Se você não sabe a resposta, nem eu.

Destaquei até aqui problemas referentes a professores e estudantes (de pós-graduação), como poderia ter me referido a muitos outors, como saúde, moradia, salários, infraestrutura, etc., que assolam esse “país tropical, abençoado por Deus”.

Imagem 2

Um importante romancista brasileiro contemporâneo, Luiz Ruffato, convidado para palestrar na Feira Internacional do Livro em Frankfurt – em homenagem ao Brasil – fez uma fala com a qual concordo plenamente. Ele disse, dentre tantas outras coisas, que:

Invisível, acuada por baixos salários e destituída das prerrogativas primárias da cidadania --moradia, transporte, lazer, educação e saúde de qualidade--, a maior parte dos brasileiros sempre foi peça descartável na engrenagem que movimenta a economia: 75% de toda a riqueza encontra-se nas mãos de 10% da população branca e apenas 46 mil pessoas possuem metade das terras do país. Historicamente habituados a termos apenas deveres, nunca direitos, sucumbimos numa estranha sensação de não pertencimento: no Brasil, o que é de todos não é de ninguém...

Esse caráter paradoxal de “nosso país” pode ser percebido quando tomamos consciência, por exemplo, que grande parte da população indígena remanescente da matança colonial encontra-se em favelas, assentamentos na beira de estradas, enfim, vivendo em condições miseráveis. Também o lema do Governo Federal é “Brasil, Um país de todos”. Quem serão esses todos, me pergunto. Essa dúvida surge porque as minorias - o imigrante, o pobre, o negro, o indígena, a mulher, o homossexual – só têm voltadas para si as costas, sofrendo todo tipo de violência e abuso (Isso pra não entrar na questão de uma pessoa totalmente intolerante aos direitos dessas pessoas presidir a Comissão dos Direitos Humanos”.
Luiz Ruffato  destaca quanto à paradoxalidade brasileira:

Ora o Brasil surge como uma região exótica, de praias paradisíacas, florestas edênicas, carnaval, capoeira e futebol; ora como um lugar execrável, de violência urbana, exploração da prostituição infantil, desrespeito aos direitos humanos e desdém pela natureza. Ora festejado como um dos países mais bem preparados para ocupar o lugar de protagonista no mundo --amplos recursos naturais, agricultura, pecuária e indústria diversificadas, enorme potencial de crescimento de produção e consumo; ora destinado a um eterno papel acessório, de fornecedor de matéria-prima e produtos fabricados com mão de obra barata, por falta de competência para gerir a própria riqueza.”

Imagem 3: Manifestação dos professores no Rio de Janeiro por melhorias (plano de carreira e salário)

O que nos resta é tentar mudar isso de alguma forma. O voto consciente seria uma delas. Não pense que estou aqui a fazer apologia a nenhum partido. Sou apartidário convicto. Voto naquele que fizer melhores propostas e mostrar-se capaz de resolver problemas. Ou não voto em ninguém mesmo, como fiz nos últimos oito anos. Por minha parte, posso afirmar que desejaria que todo esse montante enorme e incomensurável de dinheiro usado para eventos esportivos internacionais (acredito que parte dele deve estar se perdendo pelo caminho) fosse usado para melhoria da educação do país (onde 9% permanecem analfabetas e outros 20% são considerados analfabetos funcionais), da saúde, da segurança, entre outras coisas mais urgentes.
Talvez as duas opções que tenhamos é assistir a tudo parados e conformados, ou então usarmos dos meios que possuímos para mudar a situação atual em “nosso país”: o voto, a escrita, a denúncia, as manifestações, greves, entre outros.

Referências:
MACHADO, C. E; COZER, R. Em discurso em Frankfurt, Ruffato associa Brasil a genocídio, impunidade e intolerância. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/10/1353517-escritor-luiz-ruffato-diz-em-frankfurt-que-brasil-e-pais-da-impunidade-e-intolerancia.shtml Acesso em 11. Out. 2013.

Fontes:




Rodrigo Corrêa Machado é colunista da ContemporARTES desde 2009, quando a revista foi criada. Juntamente com Ana Dietrich é coordenador desse periódico. Ele é também doutorando em Estudos de Literatura pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em Letras pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e licenciado em Letras por esta mesma instituição. Seus interesses perpassem a Literatura em geral e, com ênfase especial na poesia portuguesa contemporânea.

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