quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Espalhando pianos




Daquelas coisas que só acontecem em Nova York: 88 pianos foram espalhados pela cidade por uma organização sem fins lucrativos, a Sing for Hope, com o intuito de promover apresentações espontâneas e unir as pessoas em torno da música, da arte. Ao final do projeto, com duração de duas semanas, os instrumentos serão doados para escolas, hospitais e instituições comunitárias.

Dessas coisas que deveriam acontecer em Paris, Pequim e Pindamonhangaba; de Abu Dhabi, Amsterdã e Assunção a Zagreb, Zhengzhou e Zhumadian, seja lá onde isso for.

Agora imagine um: você despencando do seu colchão numa linda segunda-feira de dilúvio; dois: encarando ônibus cheio, metrô lotado, trabalho abarrotado, chefe estressado; três: de repente tropeçando num transeunte que não só toca um Chopin celestial – como ainda tem a ousadia de enfrentar um Yamaha vermelho de cauda infinita bem no meio da rua.

Quatro: a vida sendo bela.

E seria igualmente bela numa adorável terça-feira de garoa, numa aprazível quarta de poucas nuvens, numa agradável quinta de sol, numa... Vocês entenderam: os dias seriam melhores – dignos dessa adjetivada toda – se pianos, harpas, corais, pinturas, esculturas, filmes, poemas, chocolates, macarons, chás da tarde, caronas, beijos, abraços, mãos dadas, mimos de desaniversário e demais cortesias fossem espalhados por aí.

Ok: você não é uma ONG; não tem uma centena de pianos sobrando na sua garagem. Também não tem – hum, vejamos – uma filial das Lojas Americanas enfeitada pra Páscoa. Beleza. Mas por que não bater na porta da Dona Mariquinha ou do Seu Fulustreco e lhes oferecer um Serenata ou um Sonho sempre que abrir aquela caixa inteirinha só pra sua pessoa?

Por que não apresentar Gene Kelly e Fred Astaire praquela garotada que não perde uma batalha do passinho? Por que não tirar cópia de uma crônica da Martha ou do Verissimo (dos dois, melhor ainda) praquele amigo que está precisando de uma palavra? Por que não gravar suas canções favoritas do Toquinho, do Vinicius e levar pro filhote da secretária que acabou de nascer? Por que não convidar aquela senhorinha solitária que mora no sobrado em frente prum cafezinho com bolo de cenoura?

Por que não amanhecer dando beijos e abraços naquela criatura que vive sob o mesmo teto – sob o mesmo mundo – que você, ainda que não seja dia de aniversário?

Só se houver razão pra desconfiar do que dizia o famoso profeta dos muros; se houver motivo pra duvidar do que gera uma gentileza. O transeunte tocador de Chopin – ao enfrentar o Yamaha vermelho de cauda infinita bem no meio da rua – não achou nem uma nem outro.

Apenas a chance de dedilhar um céu azul numa segunda-feira enchuvarada.









Fábio Flora é autor de Segundas estórias: uma leitura sobre Joãozito Guimarães Rosa (Quartet, 2008) e escreve no Pasmatório (http://pasmatorio.blogspot.com.br).

1 comentários:

Anônimo disse...

???
como assim, só em ny?
madri, londres, toronto...
larga de ser baba ovo de norteamericano.
http://umanonaespanha.blogspot.com.br/2013/10/madri-se-enche-de-pianos.html
http://gabynocanada.com/2012/07/18/pianos-nas-ruas-de-toronto/
http://www.hear-the-world.com.br/web/index.php?cerne=pianos

21 de outubro de 2013 às 19:42

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