Espalhando pianos
Daquelas
coisas que só acontecem em Nova York: 88 pianos foram espalhados pela cidade
por uma organização sem fins lucrativos, a Sing for Hope, com o intuito de promover apresentações espontâneas e unir
as pessoas em torno da música, da arte. Ao final do projeto, com duração de
duas semanas, os instrumentos serão doados para escolas, hospitais e instituições
comunitárias.
Dessas coisas que deveriam acontecer em Paris,
Pequim e Pindamonhangaba; de Abu Dhabi, Amsterdã e Assunção a Zagreb, Zhengzhou
e Zhumadian, seja lá onde isso for.
Agora imagine um: você despencando do seu colchão
numa linda segunda-feira de dilúvio; dois: encarando ônibus cheio, metrô
lotado, trabalho abarrotado, chefe estressado; três: de repente tropeçando num
transeunte que não só toca um Chopin celestial – como ainda tem a ousadia de enfrentar
um Yamaha vermelho de cauda infinita bem no meio da rua.
Quatro: a vida sendo bela.
E seria igualmente bela numa adorável terça-feira
de garoa, numa aprazível quarta de poucas nuvens, numa agradável quinta de sol,
numa... Vocês entenderam: os dias seriam melhores – dignos dessa adjetivada
toda – se pianos, harpas, corais, pinturas, esculturas, filmes, poemas, chocolates,
macarons, chás da tarde, caronas, beijos, abraços, mãos dadas, mimos de
desaniversário e demais cortesias fossem espalhados por aí.
Ok: você não é uma ONG; não tem uma centena de pianos
sobrando na sua garagem. Também não tem – hum, vejamos – uma filial das Lojas
Americanas enfeitada pra Páscoa. Beleza. Mas por que não bater na porta da Dona
Mariquinha ou do Seu Fulustreco e lhes oferecer um Serenata ou um Sonho sempre
que abrir aquela caixa inteirinha só pra sua pessoa?
Por que não apresentar Gene Kelly e Fred Astaire
praquela garotada que não perde uma batalha do passinho? Por que não tirar
cópia de uma crônica da Martha ou do Verissimo (dos dois, melhor ainda) praquele
amigo que está precisando de uma palavra? Por que não gravar suas canções
favoritas do Toquinho, do Vinicius e levar pro filhote da secretária que acabou
de nascer? Por que não convidar aquela senhorinha solitária que mora no sobrado
em frente prum cafezinho com bolo de cenoura?
Por que não amanhecer dando beijos e abraços
naquela criatura que vive sob o mesmo teto – sob o mesmo mundo – que você, ainda
que não seja dia de aniversário?
Só
se houver razão pra desconfiar do que dizia o famoso profeta dos muros; se
houver motivo pra duvidar do que gera uma gentileza. O transeunte tocador de
Chopin – ao enfrentar o Yamaha vermelho
de cauda infinita bem no meio da rua – não achou nem uma nem outro.
Fábio Flora é autor de Segundas estórias: uma leitura sobre Joãozito Guimarães Rosa (Quartet, 2008) e escreve no Pasmatório (http://pasmatorio.blogspot.com.br).
1 comentários:
???
21 de outubro de 2013 às 19:42como assim, só em ny?
madri, londres, toronto...
larga de ser baba ovo de norteamericano.
http://umanonaespanha.blogspot.com.br/2013/10/madri-se-enche-de-pianos.html
http://gabynocanada.com/2012/07/18/pianos-nas-ruas-de-toronto/
http://www.hear-the-world.com.br/web/index.php?cerne=pianos
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