A FOTOGRAFIA A SERVIÇO DA POLÍTICA
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Legendas:
Desde
seus primórdios, a fotografia esteve muitas vezes a serviço da
politica. Nesta edição, vamos analisar o caso específico do
uso das imagens nos EUA durante a Segunda Guerra Mundial, episódio
que tem matizes de gênero e de indução da opinião pública.
A iconografia norte-americana nunca valorizou a figura do operário. Valorizou muito mais, ao longo da sua história, as figuras do pioneiro, do cowboy, do patriota ou do empresário. No entanto, durante um curto período, entre 1941 e 1945, a imagem da mulher operária em particular, foi oficialmente promovida ao pódio dos heróis da nação.
É bastante conhecido o cartaz norte-americano "We can do it", de 1943, em que a ilustração de uma operária plena de força e resolução, mas ainda assim graciosa, parece garantir que as mulheres fariam a sua parte na frente doméstica enquanto os homens eram recrutados e encaminhados para as batalhas da Segunda Guerra mundial.
O cartaz,
encomendado por uma empresa privada que participava no esforço de
guerra, não foi um ato isolado no país. Embora feito por iniciativa
particular, enquadrou-se num amplo esforço de comunicação que
tinha como epicentro o governo federal. Em Dezembro de 1941, o ataque
japonês a Pearl Harbour, porto sede da frota americana do Oceano
Pacífico, precipitou a entrada, que se previa há algum
tempo, dos Estados Unidos da América na guerra.
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Em Junho do ano
seguinte foi criado o Office
of War Information,
uma agência governamental que tinha como missão não só definir e
coordenar a informação sobre o conflito, como delinear uma política
comunicativa que favorecesse o esforço de guerra e o patriotismo. Ao
contrário dos sistemas de propaganda nazi e soviético, o
funcionamento do OWI não passava por um controle rígido e total dos
meios de comunicação.
Apesar da sua
criação motivada e condicionada pela recente guerra, o OWI não
nasceu subitamente do nada. Para além da natural contribuição dos
serviços de comunicação das forças armadas, preexistentes ao
conflito, esta agência viu ser incorporados nela um conjunto de
profissionais e serviços provenientes de entidades criadas pelo
governo Roosevelt no âmbito do seu New
Deal,
o programa de recuperação econômica que visava retirar o país da
Grande Depressão.
Entre eles,
encontrava-se o serviço de informação da Farm
Security Agency,
uma muito bem oleada máquina de produção de imagens que, durante
anos, produzira registros fotográficos da situação dramática
vivida no espaço rural americano, visando garantir o apoio público
a ambiciosos (e dispendiosos) projetos agrícolas do governo federal.
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Esta experiência
acumulada veio a ser vital para a forma bastante ágil e profissional
como o OWI definiu o padrão de qualidade e o ideário estético da
sua vertente fotográfica. Mas isso não significou que tenha havido
uma uniformidade total entre os projetos fotográficos de antes e
durante a guerra. Entre ambos há claras diferenças de natureza e de
forma.
As imagens do
programa da FSA, dirigido por Roy Stryker, enfrentaram as
contingência de um jogo político pleno e democrático. Sendo
decorrentes do New
Deal de
Roosevelt, tinham que lidar com a forte oposição conservadora face
aos planos intervencionistas do presidente americano. Uma oposição
para a qual gastar dinheiro dos contribuintes em planos de auxílio
era desperdício, e gastá-lo em campanhas de propaganda era considerado simplesmente um ultraje.
A ação do Office
of War Information dá-se
num quadro bastante distinto. A declaração de guerra criara um
estado de exceção, um momento de alguma suspensão da crítica
pública ao governo, e não apenas de tolerância, mas mesmo de vivo
apoio relativamente a programas declaradamente propagandísticos. Os
fotógrafos do OWI tiveram uma liberdade muito superior no seu
trabalho, recorrendo a todas as "armas" que lhes fossem
úteis.
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As imagens de
mulheres operárias, de autores como Lewis Hine, por exemplo, foram
feitas sob um ponto de vista de denúncia da exploração do trabalho e
da pobreza. A necessidade dessa nova perspectiva advém das condições
específicas do período. O recrutamento de homens jovens para o
combate, associado ao súbito aumento de encomendas militares, deixou
a indústria americana com uma grande necessidade de mão-de-obra.
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A sua intervenção
nas imagens é bastante mais visível. Puderam orquestrar livremente
os seus modelos, escolhê-los, por vezes, criar situações, encenar
ações e usar iluminação artificial sempre que lhes conviesse.
Para além desta liberdade operacional, radicalmente distinta, também
a natureza simbólica das imagens foi diferenciada. Numa América em
guerra, a última coisa que interessava eram fotografias de gente
desanimada e impotente, necessitada de ajuda.
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Sendo função do
OWI promover o patriotismo e a moral dos americanos nos tempos
difíceis da guerra, as imagens que criou seguiam um sentido
diametralmente oposto. A América que se queria veicular era um país
constituído por gente forte, determinada, resoluta, capaz de
suplantar os mais duros obstáculos. E é aí que as séries de
imagens de operárias colaborando com o esforço de guerra se
inserem.
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Nem o recrutamento
de todas as mulheres que a grande depressão empurrara para o
desemprego, ou para setores com a pior remuneração como serviços de limpeza e lavanderias ou mesmo o serviço doméstico, seria suficiente para preencher o
vazio então existente. A solução passaria por cativar e recrutar
um novo contingente para o trabalho fabril: as mulheres de classe
média e média alta.
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Ao contrário do
que por vezes aparece descrito, a participação de mulheres em
trabalhos fabris não foi uma novidade trazida pelas duas guerras
mundiais. Concretamente no caso americano, o operariado feminino
existia desde o advento desse tipo de produção e era constituído
majoritariamente por membros de comunidades étnicas minoritárias e
por imigrantes. O que as guerras mundiais trouxeram de novo foi um
foco positivo sobre uma situação que, por norma, desagradava à
sociedade americana.
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O OWI traçaria
para esse fim uma estratégia vencedora. Longe de documentar o
caráter duro da vida nas fábricas, procurou retratar o novo
operariado fabril feminino com glamour.
As jovens mulheres que fotografou, e que encaminhou para a
comunicação social, em nada se assemelhavam às vítimas da
natureza e da depressão que a FSA fizera questão de registrar.
Geralmente bonitas, bem vestidas, compostas, maquiadas, em que raras vezes o vestuário
aparecia maculado pelo trabalho, transbordavam de
feminilidade e graça.
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Fotografadas com ar
sério e determinado, eram exemplos de contribuição patriótica,
eram as heroínas da frente doméstica. Também elas combatiam os
alemães e os japoneses, construindo as armas que os derrotariam.
Retratadas com sofisticação, a cores, muitas vezes com iluminação
artificial, as operárias do OWI estavam próximas das figuras da
moda e das estrelas de cinema. Eram idealizações, uma espécie
de pin-ups ingênuas.
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Emblemáticas desta
linha de comunicação, são as imagens realizados por dois
fotógrafos contratados pelo Office of War Information, Howard R.
Hollem e Alfred T. Palmer, que definiriam o modelo logo no ano
inicial da agência. A campanha de incentivo ao trabalho feminino nas
fábricas teve um evidente sucesso, e o seu impacto na cultura
popular e corporativa foi enorme. As operárias entraram no
imaginário público através das fotografias e cartazes do OWI, mas
não só.
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Capas de revistas,
cartazes de empresas privadas e até êxitos musicais como "Rosie
the Riveter", elevaram as jovens trabalhadoras americanas a um
estatuto de enorme prestígio. As razões deste sucesso são
várias e intrincadas. Ao imperativo patriótico de ajudar o país
num momento difícil, argumento retoricamente supremo, somavam-se
outros interesses mais privados. Por um lado, a nova situação
convinha profundamente às grandes corporações industriais.
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As novas
contratações femininas ganhavam substancialmente menos que os seus
equivalentes masculinos (o salário duma operária chegava a ser, por
vezes, apenas um terço daquele que era ganho por um homem em
funções iguais) e isso fazia-se sentir nos seus resultados
econômicos, sem quaisquer reflexos negativos no prestígio das
empresas. Por outro lado, mesmo com toda a desigualdade salarial, as
jovens americanas tinham por essa via um acesso, muitas vezes pela
primeira vez, à independência econômica.
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Depois de mais de
uma década numa terrível depressão econômica que custava a
desaparecer, havia um súbito vislumbre de prosperidade, apesar do
país se encontrar envolvido numa dura guerra. Mas este apreço
americano pelas suas operárias, e esta inusitada confluência de
interesses, tinham uma validade muito determinada.
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Acabada a guerra,
desmantelado o Office of War Information, e com o retorno dos
soldados, as icônicas heroínas da frente doméstica foram
majoritariamente descartadas, de forma rápida e sem que fossem tidas
em conta as suas aspirações.
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Para elas estariam
reservados papéis mais tradicionais e secundários. Esperava-se
apenas que fossem as donas-de-casa exemplares que encheriam as
revistas dos anos cinquenta, e as mães do chamado Baby
Boom,
o período de elevada natalidade que duraria até o início dos anos
sessenta.
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Legendas:
F1-Howard Miller: We can do it, cartaz da Westinghouse Company, 1942
F2-Dorothea Lange: Mãe migrante, California/EUA, 1936
F3-Lewis Hine: operária portuguesa, Fall River Massachusetts/EUA, 1916
F4-Irma Lee McElroy, Corpus Christi, Texas,1942
F5-Lucile Mazurek, Milwaukee-Wisconsin, Fevereiro de 1943
F6-Mary Josephine Farley, Corpus Christi, Texas, 1941
F7-Mary Louise Stepan, Fort Worth, Texas,1941
F8-Operadora de torno, Fort Worth, Texas, Outubro de 1942
F9-Oyida Peaks, Corpus Christi, Texas, Agosto de 1942
F10-Rebitadora,Fort Worth Texas 1941
F11-Acabamentos num bombardeiro B17, outubro de1942
F12-Duas operárias durante a montagem do caça P51, Outubro de 1942
F13-Montagem de bombardeiros B25, Inglewood, California, Outubro de 1942
F14-Montagem de bombardeiros B 25 Inglewood, California,1942
F15-Operadora de máquina rebitadora, Long Beach, California, 1942
F16-Operaria durante montagem de motor de avião, California, Junho de 1942
F17-Trabalhando em um bombardeiro, Nashville/Tennessee, Fevereiro de 1943
F18-Operárias na montagem de um bombardeiro, Long Beach, California, outubro de 1942
F19-Pintando a insígnia da Força aérea em bombardeiro, Nashville/Tennessee, fevereiro de 1943
F20- (abaixo) Na pausa do almoço, Long Beach, California, 1942
As imagens de F4 a F20, são da Office
of War Information, autoria dos fotógrafos: Howard R. Hollem e Alfred T. Palmer.
Fonte: Obvius.
Izabel Liviski, é professora e fotógrafa, doutora em Sociologia pela UFPR. Escreve a Coluna INcontros desde 2009, e é também co-editora da Revista ContemporArtes.
1 comentários:
O processo de mudança cultural com o uso da arte é inteligente. Maldosas são as finalidades que são visadas. No fundo, importante o testemunho que seu artigo dá sobre a importância da arte na construção cultural. Parabéns.
7 de outubro de 2013 às 15:17Postar um comentário
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