Notas de estudo: O que é literatura, Eagleton?
Terry Eagleton parte do pré-suposto de que “se a teoria
literária existe, parece óbvio que haja alguma coisa chamada literatura, sobre
a qual se teoriza”. Aparentemente, se acreditamos em uma Crítica e uma Teoria, certo é que surgiram da necessidade dos estudiosos de melhor compreender uma literatura. O objeto de análise, quando já
criticado e teorizado, não mais o É, pois o que buscamos, intimamente, não é o
Ser literário, mas sim o Estar, tendo por objetivo o estado vigente e não a permanência. Quanto a essa
“mutabilidade” do conceito, que o coloca em um continuum de reformulação
e torna passada toda tentativa de apreende-lo, outros pontos deverão ser
levantados.
Segundo Eagleton, os formalistas russos defendiam que a
Obra Literária “não era um vínculo de ideias, nem uma reflexão sobre a
realidade social, nem a encarnação de uma verdade transcendental: era um fato
material, cujo funcionamento podia ser analisado mais ou menos como se examina
uma máquina”. No
Filósofo e crítico britânico |
entanto, mesmo sobre este ponto de vista, Vitor Sklovski,
Roman Jakobson, Osip Brik, Yury Tynyanov, Boris Eichenbaum e Boris
Tomanshevski, partes essenciais do pensamento "formal", compreendiam que “ as
normas e os desvios se modificam de um contexto social ou histórico para outro
– que ‘poesia’, nesse sentido, depende de nossa localização num dado momento”.
Esse deslocamento de preceitos está ligado ao movimento vital, ao fluxo
dinâmico do próprio conceito de Arte e Literatura no Espaço e no Tempo.
Saio da questão. Ao declarar que “pensar na literatura
como os formalistas o fazem é, na realidade, considerar toda a literatura como poesia”, o autor cai em um outro embate.
Pesquisadores de toda ordem, professores, críticos, escritores e leitores têm
se dirigido, através dos tempos, à poesia e ao poema, ora como coisas
distintas, ora como coisas idênticas. As tentativas de definição competem em
número com a pergunta que Eagleton se propôs a responder. Em linhas gerais,
tentando suprimir o que tem me instigado durante toda a graduação e nas aulas
de literatura como um todo, diz-se de poema como objeto empírico e de poesia
como substância imaterial. Recorro ainda à definição de Pedro Lyra, em Conceito de Poesia:
O poema, depois de criado, existe per se, em si mesmo, ao alcance de qualquer leitor, mas a poesia só
existe em outro ser: primariamente,
naqueles onde ela se encrava e se manisfesta de modo originário, oferecendo-se
à percepção objetiva de qualquer indivíduo; secundariamente, no espírito desse
indivíduo que tenta (ou não) objetiva-la num poema; terciariamente, no próprio
poema resultante desse trabalho objetivdor do indivíduo-poeta.(LYRA, 1992. Pág
07)
A mutabilidade
aqui também se apresenta como uma variante que modificará a ideia que se faz de
Poema e de Poesia dentro de um determinado Espaço e Tempo, mas é preciso
definir, ou averiguar, a diferença entre estes conceitos que se relacionam de
forma, maios ou menos, hiperonímica. Postas estas iluminuras, podemos
continuar.
Constata-se que a literatura é um discurso
“não-pragmático”, visto que não possui uma aplicação prática imediata, como
seria uma manual de biologia, referindo-se apenas a um estado gera de coisas.
Esta afirmação acarretará no fato de a Literatura não poder ser definida
“objetivamente”, ou seja, não contar com uma definição estanque, como já
havíamos dito ao princípio deste ensaio.
“Alguns textos nascem literários”, defende o autor,
“outros atingem a condição de literários, e a outros tal condição é imposta”.
Quanto a essa perigosa valoração e valorização do texto (logo explicarei o
porque do perigo), pensando a literatura menos como uma qualidade inerente e
mais como as várias maneiras pelas quais as pessoas se relacionam com o
“objeto-literário”, muito há de ser ponderado para a fim de evitar um
pensamento reducionista e pautado no pré-conceito. Deve-se atentar para o
caráter funcional e não ontológico, resguardando sempre a função (seja ela
social, comercial e etc) da obra de arte e refletindo quanto a isso.
Saio, em parte, da questão. O conjunto de valores
correntes que define um objeto como literário ou uma obra como literatura
também está sujeito ao fluxo do Espaço e do Tempo. Não existe uma “essência” da
literatura e crer no contrário pode conduzir-nos a colocações errôneas de
carácter generalista. Um exemplo da Valoração/Valorização X Função, é a forma
como hoje se vê, na academia principalmente, mesmo que caindo no paradoxo de
reclamar a falta de leitura e dizer, ao mesmo tempo, aos leitores, que o que
eles leem não é literatura, é o uso frequente do termo Best Seller para se
referir à Literatura de Massa. Ignoraremos aqui o fato de apontarmos sempre o
que não é literatura, quando passamos a maior parte buscando o Ser e/ou o Estar
da contra-questão. Vejamos o que diz Dering sobre essas nomenclaturas, em A cultura de massa em diálogo com culturas
literárias:
Percebendo as inquietudes que se referem aos posicionamentos
acerca das nomenclaturas que envolvem a produção literária no contexto da
cultura industrial e tecnológica, faz-se necessário abordar com clareza e
diferenciar três conceitos ainda não bem pontuados pela teoria: best-seller,
mega-seller e literatura de massa. São termos muito utilizados pela crítica,
contudo sem uma preocupação de definição mais qualificada, usados erroneamente,
muitas vezes, como sinônimos. Essa diferenciação é imprescindível para que
possamos entender esse fenômeno e suas relações com a indústria cultural,
inclusive com a mídia, que muitas vezes os instauram ou aos ajudam a se fixar.
(DERING, 2012. Pág 34)
Não entraremos em maiores detalhes sobre os três termos
levantados pelo autor, cabe-nos aqui dizer apenas sobre a atenção deve ser dada
quanto às nomenclaturas meramente mercadológicas e as utilizadas para dividir,
seja por que motivo for, os “tipos de literatura” sendo “tipos” uma mera
diferenciação e não uma valoração qualitativa, ou seja, dita enquanto
“boa" e “má” literatura.
Antes de retomar o caminho seguro do texto de Eagleton, vale ainda dizer, para que o problema caiba mais no exemplo, que O segredo, da escritora australiana Rhonda Byrne, e O Nome da Rosa de “um dia de chuva é tão belo como um dia de sol. Ambos existem; cada um como é.”
Antes de retomar o caminho seguro do texto de Eagleton, vale ainda dizer, para que o problema caiba mais no exemplo, que O segredo, da escritora australiana Rhonda Byrne, e O Nome da Rosa de “um dia de chuva é tão belo como um dia de sol. Ambos existem; cada um como é.”
O Segredo - Rhonda Byrne |
Umberto Eco, são Mega/Best Sellers e, para qualquer leitor
que os ler, sendo este comum ou especializado, haverá claramente uma diferença.
Relembrando que “diferente” não implica em melhor ou pior, mas, como diria o
poeta,
Assegurada a condição
instável do conceito, Terry Eagleton
apontara: “qualquer ideia de que o estudo da literatura é o estudo de
uma entidade estável e bem definida, tal como a entomologia é o estudo dos
insetos, pode ser abandonada como uma quimera”. Devemos adotar a seguir daqui
uma visão anunciada no primeiro parágrafo e reafirmada no correr da escrita,
talvez a mais viável para o estudo, onde o conceito que se busca não é
permanente, mas vivo e dinâmico. Essa dinamicidade se dá, sobre tudo, por conta
dos múltiplos paradigmas, dos incontáveis juízos de valor utilizados para
julgar o quão boa é ou não uma obra, assim como o seu Ser, Não-ser, Estar e
Não-estar como literatura. Sobre esta variação no que tange o literário, Márcia
Abreu, em seu livro Cultura Letrada, nos diz:
A avaliação estética e o gosto literário variam conforme a época, o
grupo social, a formação cultural, fazendo que diferentes pessoas apreciem de
modo distinto os romances, as poesias¹, as peças teatrais, os filmes. Muitos,
entretanto, tomam algumas produções e algumas formas de lidar com elas como
únicas válidas. E aí reclamam porque o brasileiro não lê e não tem interesse
pela cultura. (ABREU, 2004. Pág 59)
No capítulo 3 do mesmo livro, Abreu nos apresenta duas
situações: uma no nordeste com a Literatura de Cordel, e a outra na Africa, com
membros da tribo Tiv. Em ambos os casos as categorias de análise para o
julgamento valorativo das obras eram distintas do gosto estético erudito
utilizado para avaliar comumente o conjunto das produções. Dessa forma o que
merece ser Literatura e o que vem a ser Popular,
Marginal, Trivial, Comercial ganha outro formato e, até mesmo Shakespeare e/ou
Homero, estão sujeitos à reprovação e à condenação ao Não-ser/Não-estar
literário.
Eagleton nos dirá que o
“valor é um termo transitivo: significa tudo aquilo que é considerado como
valioso por certas pessoas em situações específicas, de acordo com critérios
específicos e à luz de determinados objetos”. Se quisermos adentrar um pouco
mais nessa questão valorativa e em seu trânsito,
podemos fazer uso de seis
noções outras que, explicitadas por Compagnon, em O Demônio da Literatura,
evidenciariam a relação do texto literário com a intenção, a realidade, a
recepção, a língua, a história e o valor. Dentro dessas perspectivas se poderia
dizer melhor de problemas como o termo literatura em sentido amplo, sendo tudo
o que é impresso (escrito) sobre um determinado assunto, até a literatura como
uma inevitável petição de princípio.
U. Eco - O Nome da Rosa |
Tudo o que foi
suscitado neste ensaio, até o presente momento, diz muito respeito à formação,
consciente e inconsciente, de nós mesmos enquanto indivíduos que vivem e
experienciam o tempo e o espaço. Estamos expostos, por exemplo, ao pensamento
ocidental, a uma estrutura de crenças, princípios e interesses que nos envolvem
desde o nascimento e, mesmo enquanto aprendemos conscientemente durante nossa
formação (Ensino-fundamental, médio e superior) estamos assimilando o conjunto
completo de valores aos quais estamos sujeitos.
Como bem disse
Compagnon ao relembrar Montaigne, o prazer da caça não é a captura. E “se não é possível ver a literatura como uma
categoria 'objetiva'”, previne Terry Eagleton, “também não é possível dizer que
a literatura é apenas aquilo que, caprichosamente, queremos chamar de
literatura”. Ainda que Tolstoï tenha indagado O que É a Arte? Mesmo que Jakobson tenha questionado O que É a Poesia? Ou que Sartre
tenha suscitado O que É Literatura? A coisa é muito mais velha que o nome e
ambos estão em constante movimento. Resta-nos a busca do To be or not To be
/ do Ser ou não Ser / Do Estar ou não Estar da literatura.
¹ Poesia e Poema novamente aparecem como sinônimos.
Lucca Tartaglia está onde Deus é servido conceder-lhe que seja, em companhia dos anseios, desejos, moscas, mosquitos e outros elementos auxiliares do bom estado das casas e dos sonos. Gradua-se (ou Graduam-no) na Faculdade de Letras e Artes (mais uma que outra) da Universidade Federal de Viçosa. É colunista na ContemporARTES desde que se tem por isso. Desenvolve pesquisas na área de Literatura (Ocultismo em Fernando Pessoa – Ele Mesmo) e LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais).
Lucca Tartaglia está onde Deus é servido conceder-lhe que seja, em companhia dos anseios, desejos, moscas, mosquitos e outros elementos auxiliares do bom estado das casas e dos sonos. Gradua-se (ou Graduam-no) na Faculdade de Letras e Artes (mais uma que outra) da Universidade Federal de Viçosa. É colunista na ContemporARTES desde que se tem por isso. Desenvolve pesquisas na área de Literatura (Ocultismo em Fernando Pessoa – Ele Mesmo) e LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais).
0 comentários:
Postar um comentário
Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.