Um Bruxo e duas Videntes: uma análise do conto A Cartomante e do romance Esaú e Jacó, de Machado de Assis
O futuro, o Destino, a Fortuna...
saber o que o aguarda nos próximos tempos sempre foi um desejo do ser humano.
Desde muito tempo, algumas pessoas que se diziam tocadas pelo sobrenatural
afirmam que possuem o dom de predizer o futuro e sanar as preocupações daqueles
que os procuram. Para notarmos a veracidade dessa afirmação, basta nos
lembrarmos dos meios de vaticínio que chegaram a nós depois de muitos séculos,
como o tarô, os búzios, a leitura de mãos etc. Não pretendo fazer aqui uma
explanação a respeito da origem e evolução dessas práticas, antes disso, vamos
nos ater a uma das bases dessas tradições: o oráculo de Delfos.
Situado em um templo na região
montanhosa de Delfos, esse templo dedicado a Apolo recebia a visita de gregos e
estrangeiros de várias posições sociais que estavam preocupados com seu futuro.
Na verdade, de acordo com os relatos literários e históricos, o oráculo era, na
maioria das vezes, ambíguo, o que fazia com que os clientes saíssem satisfeitos
por interpretarem o vaticínio da maneira que achassem melhor. A principal
figura do templo era a Pitonisa, a sacerdotisa de Apolo que recebia o oráculo
diretamente desse deus.
A figura da Sibila, da
sacerdotisa de Delfos, repercutiu no imaginário popular nos séculos posteriores
e acabamos por encontrar ecos dessa personagem em um romance e em um conto de
Machado de Assis. Em Esaú e Jacó, nos
encontramos com uma personagem bastante misteriosa que prevê o futuro dos dois
filhos gêmeos de Dona Natividade:
Bárbara, cheia de alma e riso, deu um respiro de gosto. A
primeira palavra parece que lhe chegou à boca, mas recolheu-se ao coração,
virgem dos lábios dela e de alheios ouvidos.
Natividade instou pela resposta, que lhe dissesse tudo, sem
falta...
— Coisas futuras! murmurou finalmente a cabocla.
— Mas, coisas
feias?
— Oh! não! não! Coisas bonitas, coisas futuras!
— Mas isso não basta; diga-me o resto. Esta senhora é minha irmã
e de segredo, mas se é preciso sair, ela sai; eu fico, diga-me a mim só...
Serão felizes?
— Sim.
— Serão grandes?
__ Serão grandes, oh! grandes! Deus há de dar-lhes muitos
benefícios. Eles hão de
subir, subir,
subir...
Observamos que Bárbara, a vidente
conhecida como a Cabocla do Castelo, não prevê um futuro objetivo, mas relata
que “coisas bonitas, coisas futuras” esperam pelos gêmeos. Ao final do romance
descobrimos que o vaticínio da Cabocla estava correto, visto que os gêmeos
Pedro e Paulo alcançaram altos postos políticos. No entanto, conforme acontecia
com a Pitonisa de Apolo, na obra machadiana nem sempre as previsões são
concretizadas. No conto A Cartomante,
a personagem que nomeia a narrativa afirma para Camilo, que vivia um triângulo
amoroso, que o marido de sua amante nada sabia a respeito do envolvimento dos
dois:
Camilo
inclinou-se para beber uma a uma as palavras. Então ela declarou-lhe que não
tivesse medo de nada. Nada aconteceria nem a um nem a outro; ele, o terceiro,
ignorava tudo. Não obstante, era indispensável muita cautela: ferviam invejas e
despeitos. Falou-lhe do amor que os ligava, da beleza de Rita... Camilo estava
deslumbrado. A cartomante acabou, recolheu as cartas e fechou-as na gaveta.
Ao contrário do que diziam as
cartas, ao final do conto presenciamos uma cena que demonstra claramente que a
previsão da cartomante estava equivocada, já que era do conhecimento de Vilela,
o marido, o enlace amoroso de Camilo e Rita.
Além da habilidade oracular,
verdadeira ou não, outro aspecto aproxima as personagens das duas obras: os
olhos. Os olhos da cabocla eram “opacos, não sempre nem tanto que não fossem
também lúcidos e agudos, e neste último estado eram igualmente compridos; tão
compridos e tão agudos que entravam pela gente abaixo, revolviam o coração e
tornavam cá fora.” De igual modo, a cartomante possuía “grandes olhos sonsos e
agudos”. A agudeza, novamente, traz a ideia de algo que perfura, que perscruta
o interior. Segundo Bergamini (2010),
Os olhos machadianos mostram-se
capazes de atrair, repelir, colocar-se fora de alcance. A referência ao olhar
deixa de ser principalmente descritiva para se fazer metafórica, permitindo na
sua ambigüidade [sic] e magia que a personagem se apresente como ser indevassável,
misterioso, inexplicável. (p. 05)
Essa leitura da referida
pesquisadora converge na mesma direção que a nossa: os olhos das duas
personagens foram descritos com a finalidade de dar-lhes um ar mais misterioso
e inexplicável. Assim, tanto a Cabocla quanto a Cartomante possuem olhos
agudos, capazes de ver além, mesmo que esse além não seja exatamente o Futuro.
Referências
bibliográficas:
ASSIS, J. M.
Machado de. Esaú e Jacó. Editora Tecnoprinte. Rio de Janeiro: 1967.
ASSIS, Machado de. Várias Histórias.
In Obra Completa, Machado de Assis,
vol. II. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
BERGAMINI, Denise Lopes. As Mulheres No Conto de Machado de Assis. Darandina
revisteletrônica – Programa de Pós-Graduação em Letras / UFJF – volume 1 –
número 2. 2010.
Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.
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