quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

“AURA DE ARTISTA”, A POIÉTICA DE ANDRÉ MALINSKI



O que temos para hoje? Ah, uma proposta de ação conceitual, do artista plástico André Americano Malinski, envolvendo conceitos artísticos, fotografia, reflexão filosófica, e claro, muito bom humor. Com a palavra, o próprio autor:

"A arte nunca mais foi a mesma depois de Duchamp, sua brincadeira séria com o urinol ecoa até nossos dias. Considerado 'proto-conceitual' este artista antecipa o que aconteceria entre outros artistas na década de 1960.
O interesse em realizar obras que acontecem no âmbito das ideias na arte conceitual, acaba por agregar questões filosóficas para o que vem a se chamar de arte contemporânea ou pós- moderna, um período de "vale-tudo" devido a liberdade assumida pelos artistas em se valer de absolutamente de qualquer coisa para materializar seus trabalhos, ou até não materializá-los.

Esta proposta artística, surge de inspiração nas obras de alguns artistas como Duchamp, Manzoni e Nelson Leiner que realizaram algumas obras que parecem jogos mentais e questionam a própria arte em si. Além disto, há alguns anos tenho pensado em realizar auréolas que as pessoas pudessem "vestir". Então a proposta de realizar uma obra de inspiração conceitual revive esta velha vontade de construir uma obra que as pessoas pudessem se sentir sacralizadas.


Fig. 1: Estudos para a proposta Aura de Artista, 2013

O titulo Aura de Artista faz uma relação direta com Piero Manzoni e suas obras Corpo d'Área e Merda d'artista que questionam a sacralização do artista através do valor excessivo agregado às obras de arte e aos artistas que as criam. Soma-se a isto, o fato de estar com o pensamento direcionado a conceber instalações, influenciaram no formato desta proposta. Apesar de já ter definido as influências, citações e referências que realizo neste trabalho, a cada momento percebo ainda outras embutidas nesta proposta. Desta forma, ela trafega nos limites entre: instalação, performance, fotografia e mídias digitais. E neste ponto, lembro da fala de Agnaldo Farias, que em uma aula inaugural na Escola de Musica e Belas Artes do Paraná, diz acreditar que a arte acontece quando não se prende às barreiras dela própria (2013).





A luz de uma fita de led, colada na parte interna de um aro de bastidor é que iluminaria os participantes desta ação. Criando a ideia de uma “pessoa iluminada”, estabelecendo uma relação com o pensamento renascentista do artista dotado de dons divinos.
Contudo, conforme os elementos desta obra vão se definindo, o formato inicial de instalação passa a agregar a conotação de cenário/estúdio com a inclusão de fundo e vestimentas com característica clássicas para fotografar as pessoas com esta aura. Ainda que a roupa do fotografado deva aparecer, assim como partes do cenário, de modo que fique explícito que se trata de uma construção, um jogo/brincadeira.



Além disto, esta obra também dialoga com a performance quando assumo que tudo o que envolve esta ação faz parte do trabalho. A construção do cenário/instalação, a caracterização e direção do fotografado e tudo o mais envolvido no processo de fotografar. Mais tarde incorporo para esta ação também o processo pós-fotográfico. 
Por outro lado, somente com a primeira montagem/ação deste trabalho,  é que a concepção da obra se torna mais clara, e consigo entender melhor o que quero com esta proposta. Antecipar esta ação, na verdade foi justamente para propiciar que isto acontecesse.



Percebo então que a ação terá uma 'verdade' a mais, se for limitada a participação somente para artistas visuais. E ao realizar as fotos, assumo a posição semelhante à dos pintores retratistas que na representação da imagem de uma pessoa construíam um personagem com uma certa idealização.
Acrescentando mais, decido que as imagens/retratos estarão disponíveis para estes participantes através da exposição em um álbum no Facebook. Desta forma exploro as atuais formas de compartilhamento de imagens. Assim como, na era da reprodutibilidade virtual da internet, esta é para alguns a atual forma de ser famoso, mesmo que por 15 minutos como bem previa Andy Warhol.




Estabeleço também uma relação filosófica ao pensar que a obra é uma ‘arapuca’ para capturar artistas com reminiscências renascentistas à qual, como artista, me deixo também ser capturado. Assim sendo, induzidos a participar desta obra podemos nos perguntar sobre o quanto continuamos gostando da ideia renascentista de que possuímos “algo diferente”, e o quanto estaríamos ainda vinculados a este período dos grandes mestres como Da Vinci e Michelangelo. E que mesmo com todos os questionamentos realizados com as obras de Duchamp, Manzoni e mais atualmente os trabalhos de Banksy, ainda não teríamos superado o pensamento deste período que tem seu auge no século XIV?




Por outro lado, é claro que esta ação é uma brincadeira e que esta aura/armadilha também serve para flagrar e inflar um pouco do nosso ego e da nossa vaidade. E também, porque não assumirmos nosso apego renascentista e rirmos muito de nós mesmos?
O trabalho seguiu algumas regras e incorporou algumas concepções:
- Todo o processo desta proposta de ação faz parte desta obra. Desde a participação do(a) artista visual, assim como toda a ação performática em retratar este participante caracterizado e inserido na instalação/cenário, além do resultado fotográfico e o compartilhamento dos retratos pelo site de relacionamento Facebook.




- Somente poderiam participar artistas visuais que se dispusessem a aceitar a  ação incluindo a caracterização e poses estipuladas.

- A caracterização do vestuário deveria deixar à mostra a roupa do retratado, de forma a assumir e incorporar esta ação. Para desta forma ficar claro que se tratava de uma construção bem humorada, sem a intenção de mimese.

- O artista retratado deveria seguir as orientações de posicionamento, ficando clara a posição de retratista e retratado. Em uma referência aos pintores de retratos que exerciam um domínio na manipulação e construção da imagem do retratado.



- Os participantes teriam acesso às suas imagens somente através da galeria virtual. Sendo que o compartilhamento dos arquivos digitais com sua imagem contextualizada na obra Aura de Artista também faria parte desta proposta de ação artística." 


Finalizando com as palavras de Fayga Ostrower, para quem "a criatividade, como potencial, e a criação como realização do potencial, se manifestam de modo idêntico, independentemente dos rumos específicos que depois seguirão nas duas grandes vias do conhecimento. (...) São momentos de 'compreensão intuitiva', iluminados por um súbito saber, uma súbita certeza" (Ostrower, 1998, p.285).






André Malinski, está cursando o terceiro ano de Licenciatura em Artes Visuais na EMBAP (Escola de Música e Belas Artes do Paraná) e faz estágio no MON (Museu Oscar Niemeyer), na Oficina de Ação Educativa. Participa também de exposições coletivas.
















Referências:
Ostrower, Fayga - A sensibilidade do intelecto; visões paralelas de espaço e tempo na arte e na ciência, R.J., Campus, 1998.



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Izabel Liviski edita a coluna INCONTROS, e ainda acha tempo para fotografar, além de ser doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná.

1 comentários:

Francisco Cezar de Luca Pucci disse...

Uma proposta excelente. O artista teve uma ideia inspirada; realizou-a; sentiu a necessidade de explicá-la respondendo a um "por que?"; explicou. Ao ler, me ficou um vazio na compreensão que eu não compreendia, até que li as obras referendadas: há sempre algo de ausente que me atormenta. Me pus a pensar se esse vazio era meu ou era do artista. Creio que o artista fica com um vazio que é parte de sua obra. Um sentimento de gratificação que nunca virá. O mesmo vazio, pensei eu, do professor que "forma" o aluno que segue sua vida, vida própria que em um curto espaço também foi a do professor, mas que continuará sem mais ser a dele.

19 de fevereiro de 2014 às 17:11

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