segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

ENTRE O LIXO E O LUXO, ONDE ESTÁ A RAINHA?




Tudo começou quando da contemplação do vento, o qual trouxe aos pés da mineirinha um verde brilhante que lembrava uma preciosa esmeralda. O instante marca a transformação e o material, papel de bala, ganha a forma de uma flor. A partir e então, o papel de bala, tornou-se seu desejo de colheita, matéria prima feita egrégora criativa que a despertou. Passa a criar recriar, inventar, reinventar, experienciar e por horas é a cientista da coleta seletiva, que agrupa poeticamente aquilo que lhe chega às mãos. Mãos que, marcadas pelas cicatrizes da sobrevivência rural e urbana, aprendem e produzem, fazendo surgir a Rainha do Papel de Bala.

Retrato de Efigênia Rolim

Efigênia Ramos Rolim nasceu em Vila Granada, Abre Campo, no dia 21 de setembro (dia da árvore) de 1931, no Estado de Minas Gerais onde vivia como agricultora. Por sugestão do cunhado, em busca de melhoria nas condições de vida, desde a década de 70, fixou residência em Curitiba, Paraná. Artesã, escultora, poeta, assobiadora, performer, contadora de histórias, artista popular e estilista. Segundo consta, no catálogo da Sala do Artista Popular – 1999/2012, da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná,

“Seu currículo é extenso. Já fez inúmeras exposições e eventos, recebeu prêmios e a medalha da Ordem do Mérito Cultural do Ministério da Cultura. Foi entrevistada na Globo News, pelo repórter Caco Barcellos. Participou do program de Jô Soares, entre outros. A artista trabalha com material reciclável e dá vida a bonecos (...)”.


Lembrando, MUNARI (1990), “O sonho do artista é chegar ao Museu seja de que maneira for, enquanto o sonho do designer é chegar aos mercados de bairro”. A arte pura é uma forma de expressão do ser humano, que produzindo com as próprias mãos utiliza materiais, técnicas e meios que remetem a um fazer tradicional, apresentando esculturas, pinturas, gravuras e desenhos repletos de significado, beleza e harmonia. O artista possui intuição artística, habilidades específicas, técnicas e estilo. Com visão pessoal romântica e idéias subjetivas concebe o mundo de forma pessoal, sendo suas obras privilégio de uns poucos capazes de compreendê-las.

Foi personagem do documentário premiado Rainha de Papel (1999), de Estevan Silveira e Tiomkim. Expôs na Sala do Artista Popular em 2003, e vem sendo tema de produções acadêmicas, nos cursos de Artes-Visuais e Antropologia de diversas universidades brasileiras.
Participou como artista convidada, da Exposição Arthur Bispo do Rosário +3 (2005) realizada no Museu Oscar Niemeyer, Curitiba. Seguiu participando, em vários pontos do Brasil, de encontros de cultura popular, e foi tema do filme Rainha (2006), do argentino Sergio Mercúrio. Produziu figurinos para teatro e foi convidada, por escolas públicas e particulares, para contar histórias e falar da importância da reciclagem do lixo para a saúde do planeta. 


Recebeu, em 2007, o prêmio de culturas populares do Ministério da Cultura, e com esta premiação reformou sua casa e ateliê, onde instalou o Museu A Vida do Papel de Bala.  A artista expressa, ainda, uma oralidade que remete ao repente, a poesia, ao drama, performance, contação de histórias que dá às suas construções forma e vida. São animais, personagens/pessoas, objetos, roupas, acessórios, vestimentas, flores, poesia. Sua poesia assume a forma de repente e passa a ser publicada em Cordel, a partir de 2008.


A vida e obra de Efigênia Ramos Rolim inspiram a peça Papel Amassado Sonho Sonho Revelado (2010), dirigida por Eduardo Salles Ulia, e uma de suas obras é adquirida para integrar o acervo do Museu Oscar Niemeyer. O grupo de Música Popular Brasileira, da Universidade Federal do Paraná, incluiu sua composição O Conta Gotas no CD Terra de Pinho II, por ocasião dos festejos da universidade. E a jornalista Dinah Ribas Pinheiro, lança em 2012, A Viagem de Efigênia Rolim nas Asas do Peixe Voador, em 180 páginas que narram a trajetória completa da artista e sua crescente ascensão no mundo das artes.


Ganha, em 2013, sala individual na Bienal Internacional de Curitiba. Mantendo presença  na Mostra Permanente PR/BR Produção da Imagem Simbólica do Paraná na Cultura Visual Brasileira, do Museu Oscar Niemeyer, com curadoria de Maria José Justino.Seu talento é internacional com presença na Suíça, México e França sem abandonar a simplicidade de plantar no quintal de casa – couve, cebolinha, salsinha... A Rainha do Papel participa do Verão Contemporâneo; e, no Memorial Minas Gerais Vale, ministra a oficina Penenem, ensinando como produz suas obras. Ainda, é tema do espetáculo Eles Também Falam de Amor, no Centro Cultural Banco do Brasil. 

Na cultura contemporânea as discussões e questionamentos oriundos da comunicação, interação e fusão dos campos da arte, considerando arte e design, remetem à tarefa árdua, reconhecer um talento criativo e sua criação. A transversalidade percorre, entre as áreas das artes visuais, artes cênicas, moda, literatura, um caminho de invencionices peculiares que transformam realidades individuais e coletivas. Possuindo encantamento, mesmo que carregando o descartado pelo outro, com narrativa próxima aos contos de fadas, marcado pela presença de sapatinhos na janela. 

Ou observando-se um contexto cultural híbrido, no qual a estilista mostra criações para o campo da moda, com forte tendência ao design arte que caracteriza ainda, protótipos para solução do  lixo urbano. Um verdadeiro luxo. Espie.

*Referências:
MUNARI, Bruno. Artista e designer. Lisboa: Editorial Presença, 1990.


Catálogo Sala do Artista Popular (1999-2012), Secretaria de Estado da Cultura. Paraná.

**As figuras aqui mostradas são detalhes das obras de Efigênia Ramos Rolim, integrantes da mostra Bienal Internacional de Curitiba, expostas no Museu Oscar Niemeyer, todas feitas pela autora.
A foto 1, retrato de Efigênia Rolim, foi retirada de: http://www.50emais.com.br/artigos/a-incrivel-historia-da-octagenaria-efigenia-rolim/




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SOLANGE CHEMIN, é artista plástica, especialista em artes e museologia. Foi responsável pelo implante e manutenção do setor de ação educativa do MON (Museu Oscar Niemeyer).
É também designer de produtos na área da moda, e foi responsável pela ação educativa da Bienal Brasileira de Design, Curitiba, elaborando material didático, treinando monitores e preparando educadores e professores para aquela bienal.

3 comentários:

Ana Dietrich disse...

Solange, lindo e sensível seu texto de estreia! Parabéns.... está devidamente compartilhado entre amigos. Seja bem vinda à comunidade Contemporartes!

17 de fevereiro de 2014 às 18:25
Francisco Cezar de Luca Pucci disse...

Não só um texto leve e solto, mas uma aula sobre essa artista exemplar que me deixou um pouco menos ignorante. Parabéns.

17 de fevereiro de 2014 às 18:37
Anônimo disse...

A Efigênia merece esse texto. Muito bom. Abs.SG.

20 de março de 2014 às 23:28

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