quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

MADE IN OSAKA



Nem só de Tanizakis, Kawabatas, Sosekis, Mishimas ou, mais contemporaneamente, Murakamis, vive a arte literária japonesa. Existe muita literatura boa por aqui à espera daqueles que gostam de ler e descobrir novos autores. Infelizmente grande parte ainda não foi traduzida ou está apenas começando a ser vertida para a língua de Shakespeare - para o idioma de Machado de Assis e de Fernando Pessoa, então, as traduções são mais raras ainda... Entres esses grandes autores se encontra o “osaquense” Shiba Ryotaro (nascido com o nome de Teiichi Fukuda, 1923-1996).

Amado e respeitado no Japão e muito pouco conhecido fora dele, o prolífico jornalista e escritor Ryotaro Shiba é um dos autores mais lidos do pós-guerra por aqui. Ok, você pode pensar que “mais lido” não significa, necessariamente, que a obra seja de boa qualidade (i.e. aquela que sobrevive ao tempo, independente de modismos e questões mercadológicas, entre outras coisas), mas Shiba san construiu uma carreira reputadíssima no universo literário japonês. Para se ter uma ideia, entre os meus colegas japoneses professores do Departamento de Português, passando por boa parte dos meus alunos e pela minha sensei de japonês, a maioria leu alguma obra ou artigo escrito por Shiba san e sobre ele teceram opiniões favoráveis, afirmando quase em uníssono que ele “escreve de maneira clara sobre temas interessantes da história japonesa”.


Meu primeiro contato com o nome do autor foi totalmente casual. Durante uma aula de japonês, uns dois anos atrás, mostrei para a minha sensei um copo que havia comprado em uma das várias lojas de “100 yen” (Daiso), similar as lojas de “R$ 1,99” ai no Brasil - apenas com uma sensível diferença: os produtos daqui duram muuuuuito mais! Estampada no corpo branco do copo (que tenho até hoje e pretendo levar na minha volta para o Brasil) está a figura do jovem samurai Sakamoto Ryoma (1836-1867), figura romântica nos anais da história moderna japonesa. “Mas nem sempre foi assim...”, comentou minha sensei, acrescentando que Ryoma, desde alguns anos, se tornou personagem de livros, mangás (como Shura no toki), animes, nome de aeroporto na sua cidade natal de Kochi, personagem de série (estilo Taiga dorama) da TV estatal japonesa NHK em 2010, numa verdadeira “Ryoma fever”, principalmente mais ao sul do Japão (Shikoku) região de origem do “jovem herói”.
Curioso com as palavras de minha sensei, “nem sempre foi assim...”, pesquisei e descobri que Ryoma era apenas uma figura histórica de rodapé, no complexo universo que antecedeu a restauração Meiji (1867-68), considerado um personagem secundário, conhecido apenas por especialistas e pesquisadores do período ou em Kochi.
Já consagrado por sua obra Fukuro no Shiro (梟の城), com a qual ganhou o prestigioso prêmio literário Naoki (Prêmio Naoki Sanjugo), em 1959, foi Shiba san que deu nova dimensão à figura do jovem samurai Ryoma, com a novela histórica Ryoma ga Yuku (竜馬がゆく) publicada em capítulos entre os anos de 1963–66, no jornal Sankei Shinbum. Antes de Shiba san, em 1961, o eminente historiador holandês e professor de História Japonesa da Universidade de Princeton, Marius B. Jansen (1922-2000) tinha publicado a obra Sakamoto Ryoma and the Meiji restoration (1961), que teve impacto importante nos meios acadêmicos, mas não conseguiu efetivamente tornar “popular” a figura de Ryoma como o faria a obra de Shiba san.
Aqui nos aproximamos de um tema controverso sobre a pesquisa e a escrita - bem como, consequentemente - a divulgação da História, entre historiadores profissionais, de um lado e, de outro, jornalistas e/ou escritores que têm afinidade ou interesse por outra forma de narrativa a partir de fatos e personagens históricos. Não cabe aqui uma análise mais longa deste debate, apenas considero o autor Ryotaro Shiba como pertencente ao grupo daqueles que escrevem sobre temas históricos movidos pela paixão e por curiosidade, com o objetivo de divulgar fatos ou personagens muitas vezes negligenciados pelos historiadores de ofício. Com essa intenção, escritores como Shiba san usam uma linguagem mais acessível, menos acadêmica, multiplicando, assim, o número de pessoas que passam a cultivar o gosto pela História. O historiador norte-americano Peter Duus, professor de estudos japoneses da Universidade de Stanford, definiu a obra de Ryotaro Shiba como uma forma de “jornalismo histórico”. Após ler boa parte do primeiro volume - de um total de quatro - da monumental Saka no ue no Kumo (坂の上の雲), traduzida para o inglês como Clouds above the hill, série sobre a Guerra Russo-Japonesa (1904-05), publicada originalmente entre 1968-72, concordo plenamente com o historiador norte-americano.
Além das informações acima, descobri que Shiba san, em sua juventude, estudou na tradicional Universidade de Estudos Estrangeiros de Osaka (ex-Osaka Gaidai) que veio a se tornar, desde 2007, parte da Universidade de Osaka (Handai), e essa foi minha real motivação para escrever esta coluna, pois nela estou dando aulas desde 2010.
Quando jovem, no inicio da década de 1940, Shiba san estudou mongol na Universidade, mas teve de desistir do curso, em 1943, pois foi alistado no exército japonês e o enviaram para a região que hoje faz parte da China, a Manchúria, que naquela época era um estado-fantoche do império nipônico. Os fatídicos anos finais da guerra marcaram decisivamente a maneira pela qual o autor passou a enxergar o Japão e os seus conterrâneos japoneses.


Last but not least, na região oeste de Osaka há um belíssimo museu dedicado ao escritor, Shiba Ryotaro Memorial Museum. Quem assina o desenho do edifício do museu é o não menos famoso arquiteto Ando Tadao (1941), outra figura “osaquense” com uma trajetória de vida deveras significativa: de caminhoneiro e lutador de boxe a ganhador do prêmio Pritzker – comumente chamado de “Nobel” de Arquitetura, outorgado pela Fundação norte-americana Hyatt, em1995. Eis aqui um bom tema para uma próxima coluna, não?

Mata ne!! Até mais!


Todas as imagens publicadas na coluna possuem direitos autorais: Copyright ©2014AkitiDezem


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Rogerio Akiti Dezem é professor visitante de língua portuguesa e cultura brasileira da Universidade de Osaka, no Japão. Mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Matizes do Amarelo - A gênese dos discursos sobre os orientais no Brasil (Humanitas, 2005) entre outros livros.

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