Paulo Leminski: eu senti, estava lá e vou além
Na coluna de hoje quis lembrar de momentos inconsistentes em imagens vividas nas mãos e olhos da fotografia, fotografia que vê e sente.
Para quem fotografa é o prazer de ver, ver de novo, de novo em outros instantes, não naquele em que se viveu mas naquele que fica e se transmuda na medida que se faz e se desfaz.
O instante decisivo de Bresson mostra o que foi… como já dizia Barthes, fala do que foi, e num instante mágico em que se eterniza.
Como a eternidade vai além do tempo que em outros tempos se mostra, a nostalgia de quem viu, ouviu, respirou algo, que só existia nas mãos e nos olhos do fotógrafo, é reiventada.
A magia das imagens não mente pois quem por trás da câmera registrou estava lá, esteve lá e lá pode sentir, não o que o outro sentiu mas o que genuinamente sentiu o fotógrafo.
Para esses momentos escolhi alguns poemas de Paulo Leminski pois minhas imagens autenticamente não falam somente de mim mas também do outro, dos outros que em momentos assim, mesmo sozinhos viveram a poesia de ser.
E o sol estava lá - Foto: Katia Peixoto |
Bem no fundo
No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
Paulo Leminski
E a luz estava lá - Foto: Katia Peixoto |
Parada cardíaca
Essa minha secura
essa falta de sentimento
não tem ninguém que segure,
vem de dentro.
Vem da zona escura
donde vem o que sinto.
Sinto muito,
sentir é muito lento.
Paulo Leminski
…. e as pedras estavam lá. Foto: Katia Peixoto |
Não discuto
não discuto
com o destino
o que pintar
eu
assino.
Paulo Leminski
Sem título
Eu tão isósceles
Você ângulo
Hipóteses
Sobre o meu tesão
Teses sínteses
Antíteses
Vê bem onde pises
Pode ser meu coração.
Paulo Leminski
A lua no cinema
A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
a história de uma estrela
que não tinha namorado.
Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!
Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava pra ela,
e toda a luz que ela tinha
cabia numa janela.
A lua ficou tão triste
com aquela história de amor
que até hoje a lua insiste:
— Amanheça, por favor!
Paulo Leminski
E nesse lugar por um instante eu fui feliz. Em outros, mais tarde, serei eu. Foto: Katia Peixoto |
"Isso de ser exatamente o que se é ainda vai nos levar além"
Paulo Leminski
Autorretrato do além |
Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italianoprincipalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.
1 comentários:
Parabéns pelo artigo, Katia! Adorei suas fotos, e a ideia de usar os poemas do nosso querido Leminski, mais do que genial. abraço grande, Izabel.
16 de fevereiro de 2014 às 19:15Postar um comentário
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