OUTSIDER ARTISTS OF JAPAN
Alguma vez vocês contemplaram uma obra artística e se
perguntaram: “Será que a pessoa que produziu esta obra (i.e. o artista) tem a
mínima noção do que ela representa para os que a estão admirando? Será que o
autor, ao expressar o seu “eu interior” em forma de arte, quer nos passar alguma
mensagem? E, para a compreensão dessa
obra , até que ponto é relevante estar informado sobre quem a produziu?” Essas foram algumas das questões, sobre as
variantes subjetivas em relação à obra de arte que, de forma repetitiva, como
um agudo e melancólico estribilho, povoaram minha mente, numa fria e nublada
manhã de sábado. Isso ocorreu enquanto ia admirando uma exposição chamada no-r-malization; The world of Art Brut in
Japan, montada no interior de antigas residências, na pacata cidade de Ohmi-Hachiman
(近江八幡市),
à beira do Lago Biwa, na
prefeitura de Shiga, no início deste mês de março.
Minha motivação para escrever estas linhas para a
coluna, entretanto, não nasceu apenas no embalo das questões que povoaram minha
mente, mas do fato de que as obras que vi - posso dizer “senti” - foram
produzidas por pessoas com necessidades especiais. A maior parte dos autores é
de oriundos de diferentes localidades do Japão e fazem parte de um grupo denominado Outsider Artists in Japan, sob a coordenação da organização do
NO-MA (Borderless Art Museum)
inaugurado em 2004. Segundo Kenji Nishisawa, coordenador do setor de Bem-Estar
Social da prefeitura de Shiga e um dos diretores do NO-MA:
“(…)
the
art brut exhibitions have
transformed people’s perceptions of disabled versus able-bodied and also had an
impact on policies related to social welfare, culture, education, and local
communities. Shiga was one of the first prefectures to implement programs that
combine welfare and the arts. Today the prefecture considers art brut an integral part of its
culture, and provides support for a range of endeavors. It also played a
central role in the preparations for the “Art Brut Japonais” exhibition held in
Paris”
Realmente, o impacto para quem vê o conjunto da
exposição - local + instalações + obras + artistas - é instantâneo. Muito
diferente do que já vi no Brasil e nas minhas andanças mundo afora. O antigo e
o moderno se fundem, diluindo o que denominamos “tradição”.
As instalações se encontram em diferentes partes do
setor antigo da cidade, na realidade em seis pontos relevantes, que são
fenomenais, transitando entre a arquitetura de meados do período Edo
(1603-1867) e a do início do período Showa (sede do Borderless Art Museum NO-MA), resultando numa
atmosfera sui generis, inesperada,
mas harmônica. Apesar de muito parecida com as pequenas e antigas cidades
japonesas na periferia dos grandes centros ou no interior, que tenho visitado
nestes últimos quatro anos, Ohmi, quando se caminha pelas pacatas ruas da sua parte antiga, provoca a
sensação de, além de uma volta no tempo, um convite à contemplação.
Contemplação da maneira como os japoneses se apropriam de certos espaços urbanos,
adaptando-os, sem desfigurá-los e, de certa maneira, realçando o “banal”. Como,
por exemplo, ao utilizarem o interior das casas estilo Machiya (町屋/町家),antigas residências ou lojas construídas em madeira, surgidas em meados do período Heian
(795-1185) e que hoje estão, infelizmente, desaparecendo em todo Japão. Os elementos da arquitetura tradicional, sóbria
e harmoniosa ao se complementarem às obras expostas, de caráter colorido e
inusitado, acabam por produzir um resultado outsider.
Dentre os catorze artistas expostos, os três que me
chamaram mais atenção pelas suas obras foram os jovens e, a meu ver, talentosos,
Shinichi Sawada (1982), natural de Shiga, Marie Suzuki (1979), natural de
Nagano e Moriya Kishaba (1979), natural de Okinawa. Em obras completamente
diferentes entre si, seres misteriosos e espinhentos de cerca de 30-40 cm de
altura, moldados em barro, com destreza, no caso de Sawada san ou formados por
milhares de kanjis em infinitas séries, verdadeira fixação de Kishaba san. Mas
minhas obras favoritas foram as produzidas por Suzuki san, que iniciou seus
“chocantes” e coloridos desenhos em 2007. “Chocantes”, pois as telas dessa
jovem se compõem de seios, genitálias, corpos nus e obesos de adultos e de
crianças, meio desfigurados, figuras calvas, um mundo interior multicolorido que acaba por se chocar com o mundo exterior. Ela mesma tem
a noção de que seu estilo pode criar algum tipo de reação negativa nas pessoas,
preocupação que vem responder umas das questões que povoavam minha mente.
Vasculhando na internet, descobri, depois, que o
projeto Art Brut Museums também está
presente com exposições nas cidades de Kochi, Hiroshima e Kyoto. Se eu tivesse
tempo, com certeza, visitaria a todos!
Mata ne! Até a próxima!
Todas as imagens publicadas na coluna possuem direitos autorais: Copyright ©2014AkitiDezem
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Rogerio Akiti Dezem é professor visitante de
língua portuguesa e cultura brasileira da Universidade de Osaka, no Japão.
Mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Matizes
do Amarelo - A gênese dos discursos sobre os orientais no Brasil (Humanitas,
2005) entre outros livros. Além da História, sua outra grande paixão é a Fotografia http://akitidezemphotowalker.zenfolio.com/.
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