A poeta como A emancipação
Se separarmos a história da humanidade em gêneros, mulheres
de UM lado e homens de outrO, iremos nos deparar com um estado profundo de
clausura histórica concernentes À condição femininA. Tudo depois de postO O patriarcadO sempre foi (e ainda
é) contadO pelOs homens, que dispõem de força vencedora com privilégios para
abrir estE livro dA vidA e dAs oportunidades A hora que lhe aprouver.
A história da humanidade é A dA lutA de classes, distinguindo
portanto, O opressor e o(A) oprimido(A). A luta se acentuou na formação dO
capitalismo, deixando de UM lado quem detinha OS bens de produção, e de outrO,
quem só tinha força de trabalho para vender nO mercadO.
A mulher entra nestAs relações humanAs como ser
inferior, digna em muitos patamares históricos somente como reprodutorA dA
vida, rainhA dO lar nos seu termo mais esdrúxulo. Assim esta clausura foi
tomando dimensões inumanas, pois impediram o afloramento das potencialidades
femininas, as capacidades humanas no seu desabrochar mais amplo, como foi
permitido ao homem. Cabia À mulher O cárcere do espaço privado, o movimento da
espera, das amarras; foram vetados seus corpos, sua sexualidade, a
possibilidade de ter sonhos, de aprender. Difundiam a idéia de que os cérebros
femininos eram inferiores, portanto com capacidades de execução rebaixada. A
cultura judaico-cristã afirma e perpetua seus valores paternalistas em seus
dogmas e tenta provar em suas lógicas, tais veredictos misóginOs. É o caso do
escolásticO SantO Tomás de Aquino que diz que A mulher está abaixo dO homem
assim como O homem está abaixo de cristo.
Restava-lhe A felicidade, tal como era entendida
apenas quando podia se casar. Em sua grande maioria, As mulheres brasileirAs no
século XIX viviam enclausuradAs, em uma rígida indigência cultural. A primeira
bandeira que urgia ser levantada foi o direito básico de aprender a ler e a
escrever. O que estava postO até então para O aprendizadO delas eram uns poucos
conventos que as preparavam para ser boAs esposAs e algum ensino particular
voltadO às questões domésticAs e de servilismo. E foram estas pequenAs e poucAs
mulheres que dispuseram deste conhecimento tomando para si a tarefa libertadora
que tinham pela frente. Zahidé Muzart afirma que [...]
no século XIX, As mulheres que escreveram, que desejaram viver dA pena, que
desejaram ter umA profissão de escritorAs, eram feministas, pois só o desejo de
sair dO fechamento domésticO já indicava umA cabeça pensante e um desejo de
subversão. E eram ligadas À literatura. Então, nA origem, A Literatura femininA
no Brasil esteve ligadA sempre a um feminismo incipiente4.
4 (apud DUARTE, 2003)
Assim, a DeusA História sempre foi inimigA dAs mulheres,
não cantando seu vigor, SUA grandeza. Soterrados Os gritos ainda ecoam, mesmo
abafadOs, nOs muros canônicOs sobre Os quais se erguem nossA literatura
hipócrita e machista. Gritos estEs que entoarão nestA matéria. Dividiremos em
três partes. A poéticA femininA no século XIX, XX e XXI. Começaremos recuperando a produção destAs mulheres que quase
foram esquecidAs nA terra machA que Os olhos hão de comer (todAs foram engolidAs ao longO dA históriA).
Literatas com um peso fundamental para A trajetória dA mulher e dAs Letras nO
Brasil.
Poeta ou poetisa?
AO
substantivO em questão, paira sempre a dúvida de qual é A maneira corretA dO
vocábulo. Em termos linguísticOs, partindo da normatização dA língua, poetisa
adquire, para alguns autores, um caráter mais delimitativO nA definição dO
gênero... Entretanto, a questão alça
horizontes que vão para além das formalidades (sempre de raízes machistas que
são seu berço). Pensar poetisa simplesmente como questão de derivação sufixal é
nO mínimO ingênuO, visto que o espaço dA mulher dentro dA arte é sempre
história magrA (diante de tantA gordurA machA), e que a mulher na poesia ainda
é um sujeito (?) estereotipado, fadado às eternas ideias de
feminilidade/submissão, assumir-se enquanto POETA é um posicionamento
essencial, dialógico com A apropriação dA língua vivA, enquanto instrumento
social, não tê-lA como regras impostas dO altO; A mesmA e últimA flor-dO-Lácio
há também que se curvar à mulher e suas desamarras tão bem atadAs. Que fique
aos homens o “a”, acho que não quereriam O termo “poetO ou“poetiso”.
O lugar dA poeta não se
dissociaria do dA mulher como um todo; logo, que meandros perpassam sua arte?
Vemos infelizmente que, as vozes poéticas ainda reproduzem seu paraíso idílico,
alguém que diz num falar trêmulo suas vontades emparedadas. Percorre, como bem
explicitado por Simone de Beauvoir em “O Segundo Sexo”, caminhos equivocados
para se encontrar: A narcisista, A amorosa ou A mística. Ela coze com Os fios
que já lhe impuseram, A roupinha dA boneca fragilizadA. Posta como coadjuvante
em suas histórias, seus retratos acabam, não rarO, por vislumbrar paisagens
internAs. O querer ser vaziO, se reduzir a nada, ceder-se aO amadO, divinizá-lO
ou fundir-se aos ídolOs sagradOs são todOs Os seus anseios. Ora solidão, ora
possessiva com aquelE que A possui, a concepção paternalista dO mundo onde
habita a influencia também nas inspirações, expiradas ainda em cárcere - faz-se
uma poesia inventiva, habilidosa e sensível (nenhuma surpresa para quem em
tantas tem de se desdobrar), voltada para o universo fecundo que há em si - por
acaso mais que O outrO, é mãe dO lar que mora e dA casa que é; é ness universo
que desenvolve a visão apurada, capaz de contemplar minúcias, de alimentar vida
ofegante e tantA morte em suas tentativas; é A faca de dois gumes de se
enxergar: não se vê somente o que se quer, mas os potenciais que há no interior
conferem-lhe A liberdade de acender chama e construir castelos de areia nO
escurO reinO dO opressOr. PoucAs são As que realmente põem em vista As mazelas
de fora; há muito que se ater àquelAs que lhe corroem por dentro.
Bárbara
Eliodora Guilhermina da Silveira (São João del rei-MG, 1759 –São
Gonçalo do Sapucaí-MG, 1819). Primeira poeta de que se tem notícia, se casa com
o poeta Alvarenga peixoto e a filha Maria Efigênia, é chamada de Princesa do
Brasil pelos inconfidentes mineiros. Sua poesia pertence ao movimento literário
arcadista característica deste período, haja vista sua relação próxima com o
também poeta Tomaz Antônio Gonzaga expoente deste movimento. Sua temática
central foi o sofrimento vivido pelos inconfidentes.
I.
Meninos,
eu vou ditar
As regras
do bem viver;
Não basta
somente ler,
É preciso
ponderar,
Que a
lição não faz saber,
Quem faz
saber é o pensar.
II.
Neste
tormentoso mar
De ondas
de contradições,
Ninguém
soletre feições
Que
soletre feições,
Que sempre
se há de enganar,
De caras e
corações
Há muitas
léguas que andar.
III.
Aplicai,
ao conversar,
Todos os
cinco sentidos,
Que as
paredes têm ouvidos
E também
podem falar;
Há
bichinhos escondidos
Que só
vivem de escutar.
IV.
Quem quer
males evitar,
Evite-lhe
a ocasião,
Que os
males por si virão,
Sem
ninguém os procurar:
Antes que
ronque o trovão
Manda a
prudência ferrar.
V.
Não vos
deixeis enganar
Por
amigos, nem amigas,
Rapazes e
raparigas
Não sabem
mais que asnear;
As
conversas e as intrigas
Servem de
precipitar.
VI.
Sempre vos
deveis guiar
Pelos
antigos conselhos,
Que dizem
que ratos velhos
Não há
modos de os caçar;
Não batais
ferros vermelhos,
Deixai um
pouco esfriar.
VII.
Se é tempo
de professar
De taful o
quarto voto,
Procurai
capote roto,
Pé de
banco de um bilhar,
Que seja
sábio piloto
Nas regras
de calcular.
VIII.
Se vos
mandarem chamar
Para ver
uma função,
Respondei
sempre que não,
Que tendes
em que cuidar;
Assim se
entende o rifão:
Quem está
bem deixa-se estar.
IX.
Deveis-vos
acautelar,
Em jogos
de paro e topo
Prontos em
passar o copo
Nas
angolinhas do azar;
Tais as
fábulas de Esopo,
Que vós
deveis estudar.
X.
Quem fala,
escreve no ar,
Sem pôr
vírgulas nos pontos,
E pode
quem conta os contos,
Mil pontos
acrescentar:
Fica um
rebanho de tontos
Sem nenhum
adivinhar.
XI.
Com Deus e
o rei não brincar,
É servir e
obedecer,
Amar por
muito temer,
Mas temer
por muito amar,
Santo
temor de ofender
A quem se
deve adorar!
XII.
Até aqui
pode bastar,
Mais havia
o que dizer;
Mas eu
tenho que fazer,
Não me
posso demorar
E quem
sabe discorrer,
Pode o
resto adivinhar.
Narcisa Amália (1852-1924) Fluminense; Traz no bojo de sua poesia a resistência, foi a
primeira jornalista profissional do Brasil. Movida por grande sensibilidade
social, combateu a opressão da mulher, o regime escravista; é o que mostra um
trecho do poema “Miragem”:
“Meu Deus, quando há-de esta raça
Que, genuflexa, rebrama,
Erguer-se de pé ungida,
Das crenças livres na chama?”
A liberdade é um dos temas favoritos de Narcisa.
Guiada por ideias europeias liberais, ela coloca sua pena a serviço dos
princípios democráticos progressistas, da modernização das estruturas da nação
e da elevação do nível cultural e material da população. Em “Pesadelo”, ela faz
referência à Revolução Francesa e reafirma seu ideal:
Salve ! oh ! salve Oitenta-e-nove
Que os obstáculos remove !
Em que o heroísmo envolve
O horror da maldição !
Rolam frontes laureadas
Tombas testas coroadas
Pelo povo condenadas
Ao grito – Revolução !
No pedestal da igualdade
Firma o povo a liberdade,
Um canto a fraternidade
Entoa a voz da nação
Que em delírio violento
Fita altiva o firmamento
E adora por um momento
A deusa – Revolução
Buscava com sua poesia uma identidade nacional e,
sobretudo, uma identidade feminina, uma poesia uterina que imprime as vozes ao
lugar de onde foi arrancada a mulher da vida social. Mulher a frente de seu
tempo, funda um jornal em 1884, chamado Gazetinha onde publica textos em favor
da abolição da escravatura, em defesa da mulher e dos oprimidos.
POR QUE SOU FORTE
Dirás que é falso. Não. É certo. Desço
Ao fundo d’alma toda vez que hesito…
Cada vez que uma lágrima ou que um grito
Trai-me a angústia – ao sentir que desfaleço…
E toda assombro, toda amor, confesso,
O limiar desse país bendito
Cruzo: – aguardam-me as festas do infinito!
O horror da vida, deslumbrada, esqueço!
É que há dentro vales, céus, alturas,
Que o olhar do mundo não macula, a terna
Lua, flores, queridas criaturas,
E soa em cada moita, em cada gruta,
A sinfonia da paixão eterna!…
- E eis-me de novo forte para a luta.
Narcisa tinha uma poesia vigorosa e engajada. Vítima
de maledicência, principalmente pelos homens, já que a palavra não deveria ser
um instrumento de afirmação da mulher; só as funcionais frases feitas, quase
não-ditas, mas murmuradas nas alcovas. Sua morte aconteceu sem se ver sua luta
vencida.
AUTA DE SOUZA (1876-1901) Nasceu em Macaiba, RN e publicou apenas
um livro: Horto (1900) A vida de Auta é digna de se tomar nota. Sofredora desde
os três anos de idade. Perde a mãe e alguns anos mais tarde o pai. Aos sete anos já sabia ler e escrever, graças a um professor amigo e
aos oito anos de idade "lia para as crianças pobres, para humildes
mulheres do povo ou velhos escravos as páginas simples e ingênuas da História
de Carlos Magno". Sofre mais uma da
vida, o irmão vai ser juntar aos pais em
um grave acidente com uma lamparina de querosene. Ela por sua vez cresce
profunda amante das palavras, porém contrai a doença do século: Tuberculose que
a mata aos 24 anos. Sua poética é marcada por este sofrimento, traz o
sentimento de religiosidade nos seus versos e era chamada de “A COTOVIA MÍSTICA
DAS RIMAS".
TUDO PASSA
I
Aquela moça graciosa e bela
Que passa sempre de vestido escuro
E traz nos lábios um sorriso puro,
Triste e formoso como os olhos dela…
Diz que su’alma tímida e singela
Já não tem coração: que o mundo impuro
Para sempre o matou… e o seu futuro
Foi-se n’um sonho, desmaiada estrela.
Ela não sabe que o desgosto passa
Nem que do orvalho a abençoada graça
Faz reviver a planta que emurchece.
Flávia! nas almas juvenis, formosas,
Berço sagrado de jasmins e rosas,
O coração não morre: ele adormece…
A potiguar marca sua obra com ferro em brasa, o mesmo
que repousou sua pele cheia de sofrimento e dor. Fala de seus caminhos
tortuosos, das perdas que teve no decorrer de sua curta existência- retratos
não raros na vida dA Mulher nordestinA. No texto a seguir, observa-se ela e o
irmão que caminham sós as longas distâncias vazias que o sertão oferece.
Note-se também os aspectos arcaicos da língua da época.
CAMINHO DO SERTÃO...
A meu irmão João Cancio
Tão longe a casa!... Nem siquer alcanço
Vêl-a, atravéz da matta. Nos caminhos,
A sombra desce... E, sem achar descanço,
Vamos, nós dois, meu pobre irmão, sosinhos!
E' noite, já! Como, em feliz remanso,
Dormem as aves nos pequenos ninhos...
Vamos mais devagar... de manso e manso,
Para não assustar os passarinhos.
Brilham estrellas... Todo o céo parece
Rezar de joelhos a chorosa prece,
Que a Noite ensina ao desespero e à dôr...
Ao longe, a Lua vem dourando a treva,
Thuribulo immenso, para Deus eleva
O incenso agreste da jurema em flor.
Vídeo sobre autora:
Francisca
Júlia da Silva (1871-1920) Poeta paulista do Vale do Ribeira produziu
sua obra com cunho Simbolista e Parnasiano. Sua poesia era famosa por ser
“impassível”. Grande parte dela era demasiadamente espiritualizada com uma
perscepção aguçada de mistério.
VÊNUS
Branca e
hercúlea, de pé, num bloco de Carrara,
Que lhe
serve de trono, a formosa escultura,
Vênus,
túmido o colo, em severa postura,
Com seus
olhos de pedra o mundo inteiro encara.
Um sopro,
um quê ele vida o gênio lhe insuflara;
E
impassível, de pé, mostra em toda a brancura,
Desde as
linhas da face ao talhe da cintura,
A
majestade real de uma beleza rara.
Vendo-a
nessa postura e nesse nobre entono
De Minerva
marcial que pelo gládio arranca,
Julgo
vê-la descer lentamente do trono,
E, na
mesma atitude a que a insolência a obriga,
Postar-se
à minha frente, impassível e branca,
Na régia
perfeição da formosura antiga.
Abusando
das riquezas de vocábulo, tem voz firme e aguda, perfeccionista com a
metrificação do verso, imprime nele elementos mitológicos e pagãos, além de
colocar-se com superioridade e impetuosidade vetados ao sexo frágil. Em 1899
publica o Livro da Infância, destinado às crianças de escolas públicas do
estado. Tinha como intenção começar uma literatura destinada ao público
infantil, pioneira neste tipo de empreendimento.
DE VOLTA
DA GUERRA
Aqui me
vou... Quanta afflicção me invade
Andando a
passo, vagarosamente...
Que
angustiosa, que intima saudade
Da minha
gente!
O céu é
negro, o passaredo * mudo,
O ambiente
que me envolve é tão pesado!
Como tudo
está triste, como tudo
Tão
transformado!
Esta
estrada que sigo é longa e recta,
Pedregosa,
sem fim e sem abrigo;
E eu
caminho por ella, de muleta,
Como um
mendigo.
Quando fui
para a guerra, ó sol nascia ;
Fiquei com
os olhos humidos de pranto ;
Minha
esposa, meus filhos nesse dia
Choraram
tanto !
Maria Firmina dos Reis, nasceu
em 1885 em São Luís do Maranhão. Negra, Pobre, Filha Bastarda. Dedicou-se ao ensino das Letras. Ao
magistério, único trabalho bem visto para as mulheres na época. Paralelamente
às atividades, possuiu participação constante na imprensa local, publicando
diversas, poesias, crônicas e contos. Aos 34 anos, em 1859 publica o que vinha
a ser o primeiro romance abolucionista brasileiro, e o primeiro romance da
literatura afro-brasileira. As temáticas que perpassam sua obra, são de mulher
indignada com sua condição de negra e de mulher no período escravocrata. O romance
Úrsula não foi publicado sob o nome de Maria Firmina dos Reis e sim sob o
pseudônimo, como era muito comum em seu tempo:“Uma Maranhense”. Já no prólogo,
a autora afirma que “pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher, e
mulher brasileira, de educação acanhada e sem o trato e conversação dos homens
ilustrados”. A escritora funda a primeira escola mista e gratuita do Maranhão.
A escola causa um escândalo tendo de ser fechada tempos depois de sua formação.
Sua voz tão contundente na prosa não acompanhou tamanha força em sua
poesia, considerada menor pensando em termos de luta. Assim sua poesia traz marinada
a temática do amor e da ternura.
O MEU DESEJO
A um jovem poeta guimaraense
A um jovem poeta guimaraense
Na hora em que vibrou a mais sensível
Corda de tu’alma – a da saudade,
Deus mandou-te, poeta, um alaúde,
E disse:Canta amor na soledade.
Escuta a voz do céu, – eia, cantor,
Desfere um canto de infinito amor.
Canta os extremos duma mãe querida,
Que te idolatra, que te adora tanto!
Canta das meigas, das gentis irmãs,
O ledo riso de celeste encanto;
E ao velho pai, que tanto amor te deu,
Grato oferece-lhe o alaúde teu.
E a liberdade, – oh! poeta, – canta,
Que fora o mundo a continuar nas trevas?
Sem ela as letras não teriam vida,
menos seriam que no chão as relvas:
Toma por timbre liberdade, e glória,
Teu nome um dia viverá na história.
Canta, poeta, no alaúde teu,
Ternos suspiros da chorosa amante;
Canta teu berço de saudade infinda,
Funda lembrança de quem está distante:
Afina as cordas de gentis primores,
Dá-nos teus cantos trescalando odores.
Canta do exílio com melífluo acento,
Como Davi a recordar saudade;
Embora ao riso se misture o pranto;
Embora gemas em cruel soidade…
Canta, poeta, – teu cantar assim,
Há de ser belo enlevador enfim.
Nos teus harpejos juvenil poeta,
Canta as grandezas que se encerram em Deus,
Do sol o disco, – a merencória lua,
Mimosos astros a fulgir nos céus;
Canta o Cordeiro, que gemeu na Cruz,
Raio infinito de esplendente luz.
Canta, poeta, teu cantar singelo,
meigo, sereno com um riso d’anjos;
Canta a natura, a primavera, as flores,
Canta a mulher a semelhar arcanjos.
Que Deus envia à desolada terra,
Bálsamo santo, que em seu seio encerra.
Canta, poeta, a liberdade, – canta.
Que fora o mundo sem fanal tão grato…
Anjo baixado da celeste altura,
Que espanca as trevas deste mundo ingrato.
Oh! sim, poeta, liberdade, e glória
Toma por timbre, e viverás na história
Eu não te ordeno, te peço,
Não é querer, é desejo;
São estes meus votos – sim.
Nem outra cousa eu almejo.
E que mais posso eu querer?
Ver-te Camões, Dante ou Milton,
Ver-te poeta – e morrer.
[ CANTOS À BEIRA MAR, São Luís do Maranhão, 1871, pags. 33-35 ]
[ CANTOS À BEIRA MAR, São Luís do Maranhão, 1871, pags. 33-35 ]
AH! NÃO POSSO
Se uma frase se pudesse
Do meu peito destacar;
Uma frase misteriosa
Como o gemido do mar,
Em noite erma, e saudosa,
De meigo, e doce luar.
Ah! se pudesse!… mas muda
Sou, por lei, que me impõe
Deus!
Essa frase maga encerra,
Resume os afetos meus;
Exprime o gozo dos anjos,
Extremos puros dos céus.
Entretanto, ela é meu
sonho,
Meu ideal inda é ela;
Menos a vida eu amara
Embora fosse ela bela.
Como rubro diamante,
Sob finíssima tela.
Se dizê-la é meu empenho,
Reprimi-la é meu dever:
Se se escapar dos meus
lábios,
Oh! Deus, – fazei-me
morrer!
Que eu pronunciando-a não
posso
Mais sobre a terra viver. [CANTOS À BEIRA MAR, São
Luís do Maranhão, 1871, pags. 45-4]
Continuamos estA pesquisa para A próximA atualização dA coluna Ecos da Urbanidade, com As poetas dO século XX.
Até lá!
Lívia Marcelino Xavier. Bacharel e licenciada em Ciências Sociais FAFIL/CUFSA. Pesquisadora da área da literatura, estética e arte.
Rafael Nunes de Sousa nascido em São Bernardo do Campo, em 25 de agosto de 1990. Estudou
Comunicação das Arte do Corpo na PUC-SP e Letras na Fundação Santo André. É feminista, poeta e professor.
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