quarta-feira, 21 de maio de 2014

MADE IN OSAKA 4


Caros leitores, vocês se lembram das “lendárias” facas Ginsu, com os seus “52 anos de garantia”?! Estrondoso sucesso de vendas nos EUA – no Brasil também - entre o final dos anos 1970 e início dos anos 1980, muito mais por causa de sua irresistível campanha publicitária do que propriamente das suas qualidades como produto, as facas Ginsu, apesar de o nome soar como uma palavra japonesa (na realidade o nome não significa coisa alguma...) não têm nada de nipônicas - são americaníssimas, produto de uma grande jogada de marketing na terra do Tio Sam.
Mas por que será que os marketeiros americanos usaram os japoneses como inspiração? Aí você, de bate-pronto, responde: “por causa da universalidade dos samurais e suas espadas (katana)”. Perfeita associação. E, ao falarmos do binômio Japão/cutelaria, um nome surge, também de bate-pronto, na mente dos que vivem aqui em Kansai e também no resto do Japão: SAKAI (堺市) .
No meu caso, entretanto, esse nome não “surgiu” de forma assim automática em minha mente... Eu estava à procura de um omiyage (“lembrancinha”) MADE IN OSAKA para o Embaixador e a Embaixatriz brasileiros, que visitaram o nosso Departamento na faculdade na semana passada, mas as únicas coisas que me ocorreram foram comidas (i.e. takoyaki, okonomiyaki) ou cacarecos, nada muito estiloso. Essa “simplicidade” é uma das características osaquenses.
Essa não foi a primeira vez que enfrentei uma “certa dificuldade” em comprar algo de Osaka para os amigos e visitas. Se comparado às prefeituras vizinhas, como Hyogo, Nara, Shiga ou Quioto (aí é covardia! rsss), Osaka seria o lugar menos indicado onde se comprar alguma lembrança, que não seja comida, para presentear alguém. Foi aí que, perguntando a amigos osaquenses “da gema”, eles me sugeriram procurar pelas facas feitas na cidade portuária de Sakai
 
Situada ao sul de Osaka, a cidade de Sakai produz, há mais de cinco séculos, soberbas lâminas para corte (facas e espadas). Suas principais características são, além da magnifica qualidade e forma, a maneira como a lâmina é meticulosamente forjada por cada artesão espalhado pela cidade. Para elucidar um pouco mais as razões pelas quais a cidade se tornou uma das pioneiras na fabricação de excelentes lâminas para facas, é necessário voltarmos no tempo. Vamos lá!
Entre os séculos XV e XVI, a região de Kinki, mais especificamente, ao sul da atual cidade de Osaka, era um dos pontos principais de comércio do mundo exterior com o resto do Japão. A excelente localização geográfica e a proximidade com as antigas capitais de Nara e Quioto, fizeram com que o sul de Osaka e adjacências prosperassem comercialmente no período Muromachi (1336-1573), tornando-se, no período Edo (1603-1868) o grande pólo comercial interligando o sul e o norte do arquipélago japonês. Até o jesuíta espanhol Francisco Xavier passou por Sakai para visitar (e tentar converter) seus ricos comerciantes e os senhores locais em 1550. Para os interessados em Chanoyu (Cerimônia do Chá), Sakai também é uma das referências no Japão, pois foi lá que o filho de comerciantes Sen no Rikyû, o grande mestre japonês da cerimônia do chá, nasceu. Ao visitar a cidade em uma ensolarada manhã de sábado pude notar alguns banners referentes à cerimônia do chá e ao ilustre filho. O festival anual de Chanoyu, realizado durante o outono no Parque Ebisu, também conhecido como Parque Xavier, é um dos maiores e mais belos do Japão.
Foi o tabaco, introduzido pelos portugueses, o motivo principal pelo qual alguns ferreiros da cidade decidissem produzir, além das já famosas katanas, pequenas facas para o corte preciso do fumo, já que as facas nativas, então existentes, com suas lâminas impróprias, dificultavam o corte do mesmo de maneira mais precisa e padronizada. Por um longo tempo, a produção de excelentes facas (e tesouras também) foi uma pequena parcela do total de lâminas, pois a demanda era por katanas. É importante lembrar que esses instrumentos de “guerra e arte” produzidos de forma artesanal, são produtos, não só de excelente matéria-prima, mas também de uma técnica única, passada de geração para geração, demandando bastante tempo para que se produzam poucas peças. Muitos estrangeiros aficionados por cutelaria artesanal e colecionadores, sejam de espadas ou facas, realizam verdadeiras peregrinações até Sakai, referência mundial para esses artefatos cortantes e perfurantes.
Três anos após a restauração Meiji, como parte do processo de desconstrução do passado feudal (i.e. “modernização”), em 1871, o governo japonês proibiu o porte e a exibição em público do daí-shô (conjunto de wakizashi, espada curta e da katana, espada longa), abolido totalmente em 1876. Era o fim da classe samurai. Com a proibição, o know-how de produção de katanas foi transferido e adaptado à produção de facas e utensílios menores de uso doméstico.
Além das pequenas e tradicionais oficinas ainda remanescentes, as facas de Sakai podem ser encontradas nas grandes lojas de departamento como Takashimaya e Hankyu. Existem vários tipos para diversas finalidades, como cortar carne ou sashimi.Os preços que pude verificar variam de acordo com o artesão, modelo e a arte final, indo desde cerca de 6 mil até 50-70 mil ienes. Apenas para se ter uma ideia, hoje mil ienes equivalem a cerca de 22 reais. Acabei comprando, para presentear o Embaixador, um modelo sentoku (de uso geral), com o nome do artesão gravado na lâmina e um belo cabo em maneira negra envernizada, realmente uma obra-prima. Ah! Além de possuir um corte diferente, as facas de Sakai são mais leves – com 1/3 do peso das similares europeias -, e esse é um dos principais trunfos das facas nipônicas quando comparadas às “rivais” alemãs e francesas. 
Quando presenteei com a faca, em nome do nosso Departamento, a simpática Embaixatriz brasileira, Beátrice, ela ficou surpresa e feliz, e agradeceu me dando uma moedinha de um iene (!!). Perguntei-lhe a razão, e ela me disse que “quando se ganha uma faca de presente, se dá em troca uma moeda, para não se quebrar/cortar a amizade”. Não sabia disso! Depois fui “escarafunchar” no Google sobre esse costume – francês, segundo a Embaixatriz - e descobri um acréscimo à explicação dela: na verdade não se uma faca de presente (pois traz azar...), mas se vende a mesma, simbolicamente. Simbolismos franceses à parte, uma faca dessas, principalmente para cortar sashimi, é um magnífico presente! Fica a dica!
Todas imagens publicadas na coluna possuem direitos autorais Copyright ©2014AkitiDezem


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http://ajw.asahi.com/article/cool_japan/style/AJ201310250040


Rogerio Akiti Dezem é professor visitante de língua portuguesa e cultura brasileira da Universidade de Osaka, no Japão. Mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Matizes do Amarelo - A gênese dos discursos sobre os orientais no Brasil (Humanitas, 2005) entre outros livros. Além da História, sua grande paixão é a Fotografia (http://akitidezemphotowalker.zenfolio.com/).








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