MADE IN OSAKA 4
Caros
leitores, vocês se lembram das “lendárias” facas Ginsu, com os
seus “52 anos de garantia”?! Estrondoso sucesso de vendas nos EUA
– no Brasil também - entre o final dos anos 1970 e início dos
anos 1980, muito mais por causa de sua irresistível campanha
publicitária do que propriamente das suas qualidades como produto,
as facas Ginsu, apesar de o nome soar como uma palavra japonesa (na
realidade o nome não significa coisa alguma...) não têm nada de
nipônicas - são americaníssimas, produto de uma grande jogada de
marketing na terra do Tio Sam.
Mas
por que será que os marketeiros americanos usaram os japoneses como
inspiração?
Aí você, de bate-pronto, responde: “por causa da universalidade
dos samurais e suas espadas (katana)”.
Perfeita associação. E, ao falarmos do binômio Japão/cutelaria,
um nome surge, também de bate-pronto, na mente dos que vivem aqui em
Kansai
e também no resto do Japão: SAKAI
(堺市)
.
No
meu caso, entretanto, esse nome não “surgiu” de forma assim
automática em minha mente... Eu estava à procura de um omiyage
(“lembrancinha”) MADE IN OSAKA para o Embaixador e a Embaixatriz
brasileiros, que visitaram o nosso Departamento na faculdade na
semana passada, mas as únicas coisas que me ocorreram foram comidas
(i.e. takoyaki,
okonomiyaki)
ou cacarecos, nada muito estiloso. Essa “simplicidade” é uma das
características osaquenses.
Essa
não foi a primeira vez que enfrentei uma “certa dificuldade” em
comprar algo de Osaka para os amigos e visitas. Se comparado às
prefeituras vizinhas, como Hyogo, Nara, Shiga ou Quioto (aí é
covardia! rsss), Osaka seria o lugar menos indicado onde se comprar
alguma lembrança, que não seja comida, para presentear alguém. Foi
aí que, perguntando a amigos osaquenses “da gema”, eles me
sugeriram procurar pelas facas feitas na cidade portuária de Sakai.
Situada
ao sul de Osaka, a cidade de Sakai
produz, há mais de cinco séculos, soberbas lâminas para corte
(facas e espadas). Suas principais características são, além da
magnifica qualidade e forma, a maneira como a lâmina é
meticulosamente forjada por cada artesão espalhado pela cidade. Para
elucidar um pouco mais as razões pelas quais a cidade se tornou uma
das pioneiras na fabricação de excelentes lâminas para facas, é
necessário voltarmos no tempo. Vamos lá!
Entre
os séculos XV e XVI, a região de Kinki, mais especificamente, ao
sul da atual cidade de Osaka, era um dos pontos principais de
comércio do mundo exterior com o resto do Japão. A excelente
localização geográfica e a proximidade com as antigas capitais de
Nara e Quioto, fizeram com que o sul de Osaka e adjacências
prosperassem comercialmente no período Muromachi (1336-1573),
tornando-se, no período Edo (1603-1868) o grande pólo comercial
interligando o sul e o norte do arquipélago japonês. Até o jesuíta
espanhol Francisco Xavier passou por Sakai para visitar (e tentar
converter) seus ricos comerciantes e os senhores locais em 1550. Para
os interessados em Chanoyu
(Cerimônia do Chá), Sakai também é uma das referências no Japão,
pois foi lá que o filho de comerciantes Sen
no Rikyû,
o grande mestre japonês da cerimônia do chá, nasceu. Ao visitar a
cidade em uma ensolarada manhã de sábado pude notar alguns banners
referentes à cerimônia do chá e ao ilustre filho. O festival anual
de Chanoyu,
realizado durante o outono no Parque Ebisu, também conhecido como
Parque Xavier, é um dos maiores e mais belos do Japão.
Foi
o tabaco, introduzido pelos portugueses, o motivo principal pelo qual
alguns ferreiros da cidade decidissem produzir, além das já famosas
katanas,
pequenas facas para o corte preciso do fumo, já que as facas
nativas, então existentes, com suas lâminas impróprias,
dificultavam o corte do mesmo de maneira mais precisa e padronizada.
Por um longo tempo, a produção de excelentes facas (e tesouras
também) foi uma pequena parcela do total de lâminas, pois a demanda
era por katanas.
É importante lembrar que esses instrumentos de “guerra e arte”
produzidos de forma artesanal, são produtos, não só de excelente
matéria-prima, mas também de uma técnica única, passada de
geração para geração, demandando bastante tempo para que se
produzam poucas peças. Muitos estrangeiros aficionados por cutelaria
artesanal e colecionadores, sejam de espadas ou facas, realizam
verdadeiras peregrinações até Sakai,
referência mundial para esses artefatos cortantes e perfurantes.
Três
anos após a restauração Meiji, como parte do processo de
desconstrução do passado feudal (i.e. “modernização”), em
1871, o governo japonês proibiu o porte e a exibição em público
do daí-shô
(conjunto
de wakizashi,
espada curta e da katana,
espada longa), abolido totalmente em 1876. Era o fim da classe
samurai. Com a proibição, o know-how
de produção de katanas
foi transferido e adaptado à produção de facas e utensílios
menores de uso doméstico.
Além
das pequenas e tradicionais oficinas ainda remanescentes, as facas de
Sakai
podem ser encontradas nas grandes lojas de departamento como
Takashimaya
e Hankyu.
Existem vários tipos para diversas finalidades, como cortar carne ou
sashimi.Os
preços que pude verificar variam de acordo com o artesão, modelo e
a arte final, indo desde cerca de 6 mil até 50-70 mil ienes. Apenas
para se ter uma ideia, hoje mil ienes equivalem a cerca de 22 reais.
Acabei comprando, para presentear o Embaixador, um modelo sentoku
(de uso geral), com o nome do artesão gravado na lâmina e um belo
cabo em maneira negra envernizada, realmente uma obra-prima. Ah! Além
de possuir um corte diferente, as facas de Sakai
são
mais leves – com 1/3 do peso das similares europeias -, e esse é
um dos principais trunfos das facas nipônicas quando comparadas às
“rivais” alemãs e francesas.
Quando
presenteei com a faca, em nome do nosso Departamento, a simpática
Embaixatriz brasileira, Beátrice, ela ficou surpresa e feliz, e
agradeceu me dando uma moedinha de um iene (!!). Perguntei-lhe a
razão, e ela me disse que “quando se ganha uma faca de presente,
se dá em troca uma moeda, para não se quebrar/cortar a amizade”.
Não sabia disso! Depois fui “escarafunchar” no Google sobre esse
costume – francês, segundo a Embaixatriz - e descobri um acréscimo
à explicação dela: na verdade não se dá
uma faca de presente (pois traz azar...), mas se vende
a mesma, simbolicamente. Simbolismos franceses à parte, uma faca
dessas, principalmente para cortar sashimi,
é um magnífico presente! Fica a dica!
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©2014AkitiDezem
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Rogerio
Akiti Dezem é
professor visitante de língua portuguesa e cultura brasileira da
Universidade de Osaka, no Japão. Mestre em História Social pela
Universidade de São Paulo (USP), é autor de Matizes
do Amarelo - A gênese dos discursos sobre os orientais no
Brasil (Humanitas,
2005) entre outros livros. Além da História, sua grande paixão é
a Fotografia (http://akitidezemphotowalker.zenfolio.com/).
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