terça-feira, 24 de junho de 2014

A poeta como A emancipação: Memórias do século XX





Existe ou não existe?

Mulheres não têm senão obrigações com o mundO do lAr, e no lar é que tem de se observar suas minúciAs, a poesiA que não se rebelA, mas comungA e caminhA com as determinações impostAs a elA. Uma das grandes questões da LiteraturA é se existe ou não uma literatura femininA. Não acreditamos nisto necessariamente como ideal; no entanto, as condições em que são colocadAs as mulheres ditAm sua limitação com o objeto. São os homens os donOs das grandes obrAs, dos grandes questionamentOs que dialogAm com as ideiAs do superior, do gigante destemidO, do belO e do que o refutA. A partir daí, tudo está postO - serão as rainhAs dos pormenores, das pedras preciosAs que as enfeitam, do doce sofrimentO (se também são objetos, onde caberiam no universO de doutores sua legitimidade?). Entendemos que o desdobrar dos tempos trazem novos caminhos neste sentidO, mas ainda é deste tipo de versO que falam tantas mulheres, por quê?. São as trazedorAs dos perfumes, das iguariAs, das fantasias? Até podem ser, mas nada que as coloquem apenas em um lugar. Mulher é múltiplA, e queremos seu feminino olhar para o mundo impresso no papel. O mundo de suas diversAs contradições internas, com as externAs que nos é comum, faria uma Literatura humanA, não um cânone de literatOs. Segue uma citação de Lya Luft sobre o discorrido:


"Não existe isso de homem escrever com vigor e mulher escrever com fragilidade. Puta que pariu, não é assim. Isso não existe. É um erro pensar assim. Eu sou uma mulher. Faço tudo de mulher, como mulher. Mas não  sou uma mulher que necessita de ajuda de um homem. Não necessito de proteção de homem nenhum. Essas mulheres frageizinhas, que fazem esse gênero, querem mesmo é explorar seus maridos. Isso entra também na questão literária. Não existe isso de homens com escrita vigorosa, enquanto as mulheres se perdem na doçura. Eu fico puta da vida com isso. Eu quero escrever com o vigor de uma mulher. Não me interessa escrever como homem." Lya Luft

Para tantA, trazemos algumAs autoras que tiveram suAs obrAs mais difundidAs:
 
Cora Coralina
Ana Lins dos Guimarães Peixoto Brêtas nasce a 20 de agosto de 1888. Aos 14 já começa a escrever seus primeiros textos literários. Aninha se coloca sob o pseudônimo Cora Coralina; publica seus escritos nos periódicos da cidade de Goiânia, mesmo sem escolaridade, já que estudou somente até a quarta série. Passa a frequentar assembléias do Clube Literário Goiano e redigir textos para a revista literária “Rosa”. Em 1911 foge para o estado de São Paulo com o advogado Cantídio Tolentino de Figueiredo Bretas. É em Jaboticabal que tem seus seis filhos (dois morrem ao nascer). Mora na capital e depois novamente no interior (Penápolis). Aos cinquenta anos é que se assume realmente com o poético nome de Cora. Sua vida foi sempre de cozinheira, doceira, dona de casa, senhora observadora, sonhadora. Desde a infância fitando os pormenores das louças da velha casa às variadas condições sociais com que se deparava. Em seu livro mais famoso “Poemas dos becos de Goiás e estórias mais”, passeia pela sua terra, pela infância, pelas mulheres (e nelas todas encontra um tanto de si), adotando uma fala simples, natural e sem grandes objetivos na forma... É nesta simpleza que tece suas rendas, suas cores que tanto nos toca ao lermos.



O Cântico da Terra

Eu sou a terra, eu sou a vida.
Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida.
Sou o chão que se prende à tua casa.
Sou a telha da coberta de teu lar.
A mina constante de teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado
e certeza tranqüila ao teu esforço.
Sou a razão de tua vida.
De mim vieste pela mão do Criador,
e a mim tu voltarás no fim da lida.
Só em mim acharás descanso e Paz.

Eu sou a grande Mãe Universal.
Tua filha, tua noiva e desposada.
A mulher e o ventre que fecundas.
Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.

A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.
Teu arado, tua foice, teu machado.
O berço pequenino de teu filho.
O algodão de tua veste
e o pão de tua casa.

E um dia bem distante
a mim tu voltarás.
E no canteiro materno de meu seio
tranqüilo dormirás.

Plantemos a roça.
Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho,
do gado e da tulha.
Fartura teremos
e donos de sítio
felizes seremos.

Misturando religiosidade, elementos rurais e a doçura de sua voz, nos embala em versos quentes e fraternos. Fala de esperança, reclama sua posição de mulher no mundo em diversos textos. É uma das poetas que mais questiona o termo “poetisa” como determinação sexista.

Mulher da Vida, minha Irmã.

De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades e
carrega a carga pesada dos mais
torpes sinônimos,
apelidos e apodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à-toa.

Mulher da Vida, minha irmã.

Pisadas, espezinhadas, ameaçadas.
Desprotegidas e exploradas.
Ignoradas da Lei, da Justiça e do Direito.
Necessárias fisiologicamente.
Indestrutíveis.
Sobreviventes.
Possuídas e infamadas sempre por
aqueles que um dia as lançaram na vida.
Marcadas. Contaminadas,
Escorchadas. Discriminadas.

Nenhum direito lhes assiste.
Nenhum estatuto ou norma as protege.
Sobrevivem como erva cativa dos caminhos,
pisadas, maltratadas e renascidas.

Flor sombria, sementeira espinhal
gerada nos viveiros da miséria, da
pobreza e do abandono,
enraizada em todos os quadrantes da Terra.

Um dia, numa cidade longínqua, essa
mulher corria perseguida pelos homens que
a tinham maculado. Aflita, ouvindo o
tropel dos perseguidores e o sibilo das pedras,
ela encontrou-se com a Justiça.

A Justiça estendeu sua destra poderosa e
lançou o repto milenar:
“Aquele que estiver sem pecado
atire a primeira pedra”.

As pedras caíram
e os cobradores deram s costas.

O Justo falou então a palavra de eqüidade:
“Ninguém te condenou, mulher...
nem eu te condeno”.

A Justiça pesou a falta pelo peso
do sacrifício e este excedeu àquela.
Vilipendiada, esmagada.
Possuída e enxovalhada,
ela é a muralha que há milênios detém
as urgências brutais do homem para que
na sociedade possam coexistir a inocência,
a castidade e a virtude.

Na fragilidade de sua carne maculada
esbarra a exigência impiedosa do macho.

Sem cobertura de leis
e sem proteção legal,
ela atravessa a vida ultrajada
e imprescindível, pisoteada, explorada,
nem a sociedade a dispensa
nem lhe reconhece direitos
nem lhe dá proteção.
E quem já alcançou o ideal dessa mulher,
que um homem a tome pela mão,
a levante, e diga: minha companheira.

Mulher da Vida, minha irmã.

No fim dos tempos.
No dia da Grande Justiça
do Grande Juiz.
Serás remida e lavada
de toda condenação.

E o juiz da Grande Justiça
a vestirá de branco em
novo batismo de purificação.
Limpará as máculas de sua vida
humilhada e sacrificada
para que a Família Humana
possa subsistir sempre,
estrutura sólida e indestrurível
da sociedade,
de todos os povos,
de todos os tempos.


Patrícia Gavão - PAGU
Neste poema, um dos últimos que Pagu publica no jornal A tribuna em 1962, Está expresso o tormento da despedida que assaltava seu ser, ao se imaginar no final da vida por conta da doença, este poema revela seus tempos finais. Pagu tinha uma poesia livre quase beirando a prosa que a fazia expressiva como linguagem para o povo já que era por eles que dedicou sua vida.





(Fósforos de segurança)

Fósforos de segurança
Indústrias tais
Fatais.
Isso veio hoje numa pequena caixa
Que achei demasiado cretina
Porque além de toda essa história
De São Paulo – Brasil
Dava indicações do nome da fábrica.
Que eu não vou dizer
Porque afinal o meu mister não é dizer
Nome de indústria
Que não gosto nem um pouquinho
De publicidade
A não ser que
Isso tudo venha com um nome de família
Instituição abalizada
Que atrapalha a vida de quem nada quer saber
Com ela.
Ela, ela, ela.

Hoje me falaram em virtude
Tudo muito rito, muito rígido
Com coisinhas assim mais ou menos
Sentimentais.

Tranças faziam balanças
Nas grandes trepadeiras
Estávamos todos por conta de.

Nascituros espalhavam moedinhas
Evidentemente estavam brincando
Pois evidentemente, nos tempos atuais
Quem espalha moedas
Ou é louco, ou é porque
está brincando mesmo.                                       
O que irritou foi o porque

Canal

Nada mais sou que um canal
Seria verde se fosse o caso
Mas estão mortas todas as esperanças
Sou um canal
Sabem vocês o que é ser um canal?
Apenas um canal?

Evidentemente um canal tem as suas nervuras
As suas nebulosidades
As suas algas
Vereidazinhas verdes, às vezes amarelas
Mas, por favor
Não pensem que estou pretendendo falar
Em bandeiras
Isso não

Gosto de bandeiras alastradas ao vento
Bandeiras de navio
As ruas são as mesmas.
O asfalto com os mesmos buracos,
Os inferninhos acesos,
O que está acontecendo?
É verdade que está ventando noroeste,
Há garotos nos bares
Há, não sei mais o que há.
Digamos que seja a lua nova
Que seja esta plantinha voacejando na minha frente.
Lembranças dos meus amigos que morreram
Lembranças de todas as coisas ocorridas
Há coisas no ar…
Digamos que seja a lua nova
Iluminando o canal
Seria verde se fosse o caso
Mas estão mortas todas as esperanças
Sou um canal.

Um peixe

Desenho de Pagu
Revista Antropofágica

Um pedaço de trapo que fosse
Atirado numa estrada
Em que todos pisam
Um pouco de brisa
Uma gota de chuva
Uma lágrima
Um pedaço de livro
Uma letra ou um número
Um nada, pelo menos

Desesperadamente nada.

Cecília Meireles
Cecília Meireles nasceu no bairro da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro, em 7 de novembro de 1901. Órfã aos 3 anos foi criada pela avó. Começou a escrever poesia aos 9 anos. A vida de Cicília foi marcada pelo silêncio e pela solidão, muitas catástrofes circundaram sua vida, seu pai morre três meses antes do seu nascimento, sua mãe três anos depois, Neste ínterim perde seus três irmãos. Esta carga traz para a autora muita sensibilidade e força para seus versos, estas marcas perpassaram toda sua obra. Diz Cecília:

“Essa foi sempre a área da minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. (...) Foi ainda nessa área que apareceram um dia os meus próprios livros, que não são mais do que o desenrolar natural de uma vida encantada com todas as coisas, e mergulhada em solidão e silêncio tanto quanto possível”.

Aos 19 anos tem seu primeiro livro de poesias impresso chamado Espectros, no qual vinha imprimido em seu interior elementos simbolistas, embora tenha também influência modernista, romântica e realista, razão pela qual sua poesia nos traz uma marca atemporal.
Além de poeta, Cecília foi professora em todos os graus, desempenhou um papel fundamental para a difusão da poesia infantil.

A AVÓ DO MENINO

A avó
vive só.
Na casa da avó
o galo liró
faz "cocorocó!"
A avó bate pão-de-ló
E anda um vento-t-o-tó
Na cortina de filó.
A avó
vive só.
Mas se o neto meninó
Mas se o neto Ricardó
Mas se o neto travessó
Vai à casa da avó,
Os dois jogam dominó.

O mosquito escreve

O mosquito pernilongo
trança as pernas, faz um M,
depois, treme, treme, treme,
faz um O bastante oblongo,
faz um S.

O mosquito sobe e desce.
Com artes que ninguém vê,
faz um Q,
faz um U, e faz um I.

Este mosquito
esquisito
cruza as patas, faz um T.
E aí,
se arredonda e faz outro O,
mais bonito.

Oh!
Já não é analfabeto,
esse inseto,
pois sabe escrever seu nome.

Mas depois vai procurar
alguém que possa picar,
pois escrever cansa,
não é, criança?

E ele está com muita fome.

Profunda conhecedora de línguas, falava Inglês, Espanhol, Francês, Alemão, Russo. Traduziu obras de Virginia Woolf, Federico Garcia Lorca, Rabindranath Tagore, Rainer Rilke e Emily Dickinson.

"Aqui está minha vida.
Esta areia tão clara com desenhos de andar
dedicados ao vento.
Aqui está minha voz,
esta concha vazia, sombra de som
curtindo seu próprio lamento
Aqui está minha dor,
este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança,
este mar solitário que de um lado era amor e, de outro, esquecimento."
- Cecília Meireles, do livro "Retrato Natural", 1949.




E nas horas vagas Cecília desenhava e pintava...

Esta pesquisA, inspirou um de nós, a elaborAr uma poesiA, vejAm só: 
 
APAGADAS, AINDA (R)EXISTEM

A ânsia da cura

O coração atado se pergunta
onde mora a poesia?
E as próprias cordas são agora alimento
e no fio trançado é que se afia o dente
é que a presa comprime a corrente.
A palavra, sempre muda e soluçada,
será agora banida do corpo, um corpo condicionado
encontrará funções: um estado
uma nova articulação dos membros comprimidos.
O que é que canto?
Nada que me faça pura e sereia
habitante do mar onde defecas.
A poesia veio, ela virá
e o novo abrigo lhe será MATERNO. O que se dirá?
O que se bem quiser, porque a boca-fêmea
que rasga a mordaça sabe falar
e em cada aresta de seu verso
vê-se o bálsamo que lhe curam as pústulas
e em autocura uma humanidade inteira
renasce da memória revivida
e de estrofes que açucaradas
nem sempre serão.
Serão também amargos os remédios
que fazem o vômito extravasar o peito.
Rafael Nunes de Sousa
 Até mais,



Lívia Marcelino Xavier. Bacharel e licenciada em Ciências Sociais FAFIL/CUFSA. Pesquisadora da área da literatura, estética e arte. 
Rafael Nunes de Sousa nascido em São Bernardo do Campo, em 25 de agosto de 1990. Estudou Comunicação das Arte do Corpo na PUC-SP e Letras na Fundação Santo André. É feminista, poeta e professor.


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