MADE IN OSAKA 6
Após quatro anos morando em Osaka, acho que
já posso me dar ao luxo de escolher os meus lugares prediletos. Antes de mais
nada, apenas a título de comparação entre as duas maiores cidades japonesas,
Osaka é bem diferente de Tóquio, em tamanho, ritmo, atmosfera. Na minha vivência
nipônica, vejo Tóquio como uma metrópole formada por áreas completamente
diferentes que se interligam, verdadeiros microcosmos caóticos, fascinantes, às
vezes muito impessoais... Já Osaka é também uma metrópole - em dimensões
menores -, mas com ares de província, meio sujinha, acanhada, embora
aconchegante, alegre, relaxada. (Com certeza essa comparação será tema para uma
próxima coluna).
O meu lugar favorito em Osaka é a
tradicional Shinsekai (“Novo Mundo”),
uma espécie de centro velho como aí em Sampa, só que bem menos suja e
“perigosa”. Área considerada há cem anos como “a mais moderna do Japão”,
Shinsekai possui um encanto ímpar, principalmente para os estrangeiros, que ali
encontram moradia e comida mais barata, e os japoneses mais velhos - com mais
de sessenta anos - nostálgicos da antiga Osaka do final dos anos de 1950. A gente
mais nova - com menos de quarenta - acha o lugar pouco aprazível, decaído e perigoso
(!!!). Shinsekai consta de uma lista na
internet como um dos “sete lugares mais perigosos do Japão” (http://www.japan-talk.com/jt/new/7-most-dangerous-neighborhoods-in-Japan).
O mais curioso é que já perambulamos pelas sete áreas citadas no link, em
nossas andanças pelo Japão, e para nós, oriundos da métropole paulista, a
sensação de periculosidade passou looooonge...
Eu gosto muito de dar umas voltas pelo sul
de Osaka (Naniwa) onde a cidade “nasceu” e acho uma pena que ela seja
considerada feia, suja e pouco atraente pelos japoneses de hoje. Muitos dos
meus alunos, na faixa dos dezenove-vinte anos, evitam ir até essa área ou nunca
estiveram lá; alguns deles chegaram a me dizer que essa parte de Osaka é
dominada pela yakuza... Na verdade, não se trata, talvez, de uma “noção” de
perigo, mas de uma “sensação”, da mesma espécie da que leva muitos estrangeiros
a “sentirem” o Japão como 100% seguro. A minha
sensação não chega a tanto, mas quase: uns 90%...
Voltando a Shinsekai: trata-se de um dos
principais pontos turísticos na região centro-sul de Osaka, e hoje está mais
para “velho mundo”, pois desde os anos 1960 ela foi literalmente “jogada para
escanteio”, urbanística e populacionalmente, em decorrência do crescimento e do
desenvolvimento ocorridos em outras áreas – principalmente ao norte - com a
Exposição Mundial de 1970.
A área fica a cerca de quarenta e cinco
minutos de metrô de onde moramos. Cheia de pequenos bares, karaokês, pachinkos (pinball vertical - mais explicitamente,
jogo de azar), cinemas pornô, vendedores de rua, algumas lojas beeem baratas e
restaurantes com guloseimas típicas de Osaka como takoyaki, okonomiyaki e koshikatsu. Próxima dali – a duas
estações de metrô -, se encontra uma das maiores e mais tradicionais zonas de
prostituição (que é proibida por lei...) do Japão: Tobita Shinchi.
O perfil dos habitantes e transeuntes da
área é, na sua maioria, de homens acima dos cinquenta anos. Por ali vivem muitos
aposentados, alguns sem-teto, desempregados e bêbados, a perambular pelas ruas
estreitas, próximas ao grande marco de Shinsekai e um dos cartões-postais de
Osaka: a Tsutenkaku (通天閣, “Torre que
alcança o céu”). Sou apaixonado por ela, com seus cento e três metros de altura,
em sua segunda versão, de 1956. A primeira, inaugurada em 1912 e inspirada na parisiense
Eiffel, elevava-se a sessenta e quatro metros e era considerada a segunda mais
alta da Ásia na época, fazendo parte de um complexo de diversões chamado
Shinsekai Luna Park. Infelizmente, ela foi parcialmente destruída por um incêndio
durante a Segunda Guerra e depois demolida.
Seja no deck de observação da torre, de onde
se descortina uma bela vista de Osaka, seja no interior dela, com um museu sobre
a história do monumento, a emoção de sentir o espírito osaquense é marcante na
Tsutenkaku. Mas o melhor, mesmo, é flanar pelas ruas e arcadas em torno da
torre, no fim da tarde. Ainda que você, como eu, nunca tenha vivenciado os anos
dourados da área, é impossível fugir a uma sensação de profunda nostalgia
despertada pelos cheiros e pelos gostos que ali se respiram e se saboreiam. Sem
se esquecer do ritmo característico das vozes dos sorridentes osaquenses, que, ali,
falam um pouco mais alto do que os japoneses costumam fazer em dialeto de
Kansai (Kansai ben). Tudo ali se harmoniza
no caleidoscópio nostálgico que toma de assalto sua alma, e até o tempo parece
fluir de forma diferente.
Foi após várias visitas a Shinsekai, em
diferentes dias e horários, que descobri a razão de ser esse cenário um dos
lugares prediletos de meu photo hero
- Daido Moryama - para fotografar...
Todas imagens publicadas na coluna possuem direitos autorais Copyright ©2014AkitiDezem
Links interessantes:
http://www.tsutenkaku.co.jp/Guide-pdf/miranha-guide-english.pdf
Rogerio Akiti Dezem é professor visitante de língua portuguesa e cultura brasileira da Universidade de Osaka, no Japão. Mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Matizes do Amarelo - A gênese dos discursos sobre os orientais no Brasil (Humanitas, 2005) entre outros livros. Além da História sua grande paixão é a Fotografia (http://akitidezemphotowalker.zenfolio.com/).
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