quarta-feira, 16 de julho de 2014

MADE IN OSAKA 6

 Após quatro anos morando em Osaka, acho que já posso me dar ao luxo de escolher os meus lugares prediletos. Antes de mais nada, apenas a título de comparação entre as duas maiores cidades japonesas, Osaka é bem diferente de Tóquio, em tamanho, ritmo, atmosfera. Na minha vivência nipônica, vejo Tóquio como uma metrópole formada por áreas completamente diferentes que se interligam, verdadeiros microcosmos caóticos, fascinantes, às vezes muito impessoais... Já Osaka é também uma metrópole - em dimensões menores -, mas com ares de província, meio sujinha, acanhada, embora aconchegante, alegre, relaxada. (Com certeza essa comparação será tema para uma próxima coluna).
O meu lugar favorito em Osaka é a tradicional Shinsekai (“Novo Mundo”), uma espécie de centro velho como aí em Sampa, só que bem menos suja e “perigosa”. Área considerada há cem anos como “a mais moderna do Japão”, Shinsekai possui um encanto ímpar, principalmente para os estrangeiros, que ali encontram moradia e comida mais barata, e os japoneses mais velhos - com mais de sessenta anos - nostálgicos da antiga Osaka do final dos anos de 1950. A gente mais nova - com menos de quarenta - acha o lugar pouco aprazível, decaído e perigoso (!!!).  Shinsekai consta de uma lista na internet como um dos “sete lugares mais perigosos do Japão” (http://www.japan-talk.com/jt/new/7-most-dangerous-neighborhoods-in-Japan). O mais curioso é que já perambulamos pelas sete áreas citadas no link, em nossas andanças pelo Japão, e para nós, oriundos da métropole paulista, a sensação de periculosidade passou looooonge...


Eu gosto muito de dar umas voltas pelo sul de Osaka (Naniwa) onde a cidade “nasceu” e acho uma pena que ela seja considerada feia, suja e pouco atraente pelos japoneses de hoje. Muitos dos meus alunos, na faixa dos dezenove-vinte anos, evitam ir até essa área ou nunca estiveram lá; alguns deles chegaram a me dizer que essa parte de Osaka é dominada pela yakuza... Na verdade, não se trata, talvez, de uma “noção” de perigo, mas de uma “sensação”, da mesma espécie da que leva muitos estrangeiros a “sentirem” o Japão como 100% seguro. A minha sensação não chega a tanto, mas quase: uns 90%...
Voltando a Shinsekai: trata-se de um dos principais pontos turísticos na região centro-sul de Osaka, e hoje está mais para “velho mundo”, pois desde os anos 1960 ela foi literalmente “jogada para escanteio”, urbanística e populacionalmente, em decorrência do crescimento e do desenvolvimento ocorridos em outras áreas – principalmente ao norte - com a Exposição Mundial de 1970.
A área fica a cerca de quarenta e cinco minutos de metrô de onde moramos. Cheia de pequenos bares, karaokês, pachinkos (pinball vertical - mais explicitamente, jogo de azar), cinemas pornô, vendedores de rua, algumas lojas beeem baratas e restaurantes com guloseimas típicas de Osaka como takoyaki, okonomiyaki e koshikatsu. Próxima dali – a duas estações de metrô -, se encontra uma das maiores e mais tradicionais zonas de prostituição (que é proibida por lei...) do Japão: Tobita Shinchi.
O perfil dos habitantes e transeuntes da área é, na sua maioria, de homens acima dos cinquenta anos. Por ali vivem muitos aposentados, alguns sem-teto, desempregados e bêbados, a perambular pelas ruas estreitas, próximas ao grande marco de Shinsekai e um dos cartões-postais de Osaka: a Tsutenkaku  (通天閣, “Torre que alcança o céu”). Sou apaixonado por ela, com seus cento e três metros de altura, em sua segunda versão, de 1956. A primeira, inaugurada em 1912 e inspirada na parisiense Eiffel, elevava-se a sessenta e quatro metros e era considerada a segunda mais alta da Ásia na época, fazendo parte de um complexo de diversões chamado Shinsekai Luna Park. Infelizmente, ela foi parcialmente destruída por um incêndio durante a Segunda Guerra e depois demolida.


Seja no deck de observação da torre, de onde se descortina uma bela vista de Osaka, seja no interior dela, com um museu sobre a história do monumento, a emoção de sentir o espírito osaquense é marcante na Tsutenkaku. Mas o melhor, mesmo, é flanar pelas ruas e arcadas em torno da torre, no fim da tarde. Ainda que você, como eu, nunca tenha vivenciado os anos dourados da área, é impossível fugir a uma sensação de profunda nostalgia despertada pelos cheiros e pelos gostos que ali se respiram e se saboreiam. Sem se esquecer do ritmo característico das vozes dos sorridentes osaquenses, que, ali, falam um pouco mais alto do que os japoneses costumam fazer em dialeto de Kansai (Kansai ben). Tudo ali se harmoniza no caleidoscópio nostálgico que toma de assalto sua alma, e até o tempo parece fluir de forma diferente.
Foi após várias visitas a Shinsekai, em diferentes dias e horários, que descobri a razão de ser esse cenário um dos lugares prediletos de meu photo hero -  Daido Moryama - para fotografar...



  Todas imagens publicadas na coluna possuem direitos autorais Copyright ©2014AkitiDezem


Links interessantes:

http://www.tsutenkaku.co.jp/Guide-pdf/miranha-guide-english.pdf



Rogerio Akiti Dezem é professor visitante de língua portuguesa e cultura brasileira da Universidade de Osaka, no Japão. Mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Matizes do Amarelo - A gênese dos discursos sobre os orientais no Brasil (Humanitas, 2005) entre outros livros. Além da História sua grande paixão é a Fotografia (http://akitidezemphotowalker.zenfolio.com/).

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