quinta-feira, 7 de agosto de 2014

A importância da leitura para formação do sujeito



Quando imaginamos o encontro com a leitura, muitas vezes pensamos nos pais a lerem histórias infantis, nos avós, enfim na família. Desde muito pequenos, recebemos incentivo à leitura de nossos familiares e professores. É notável que as pessoas mais velhas de nossa família geralmente têm o costume de narrar histórias fabulosas contadas pela mãe, avó, professores.  Esse processo de transmissão de histórias contribui para que aquele que as escute se deslumbre, acompanhe com vivacidade os contos, neles se espelhe.

Para Walter Benjamin (1994, p. 198), “A experiência que passa de pessoa para pessoa é a fonte a que recorreram todos os narradores. E, entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos”. Isso se dá, pois, através desses contares, dessas narrativas orais, os seres humanos em geral entram em contatos com valores sociais e culturais importantes à sobrevivência em sociedade.

Lembremos então da literatura clássica, produzida até o início da modernidade. Ela tinha um papel doutrinador ou, se preferirmos, pedagógico. Isso quer dizer que obras literárias como Ilíada, Odisseia, entre tantas outras, tinham não só a possibilidade, mas também o dever de ensinar aos cidadãos que as experienciavam os principais valores necessários à vivência em sociedade na Grécia antiga. No caso brasileiro, há também as peças teatrais de José de Anchieta que, se por um lado eram uma representação lúdica aos índios que as assistiam, por outro, doutrinava os principais valores de uma sociedade necessariamente europeia e cristã, levando-os a assumirem novos valores – ou seja, nesse caso as peças teatrais tiveram um papel subversor em relação aos valores e cultura indígena, na tentativa de fazer os povos do Brasil quinhentista a abandonarem, senão, a crerem que tudo o que lhes foi passado pelos ancestrais era algo errado, indigno de ser cultivado.

 Dentre os vários livros que lemos durante a infância, alguns ressoam ainda hoje em nossa idade adulta, o que aponta para a relevância deles em nossa formação enquanto sujeitos críticos. Essas são obras que ficam guardadas na memória das crianças, talvez por um aspecto mágico e maravilhoso, contribuindo para que elas adquiram certo repertório sociocultural.

Em um momento da minha infância, quando eu devia ter por volta de nove a dez anos, minha avó leu um livro que é marcante para mim, Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos. Lembro-me claramente a primeira vez que tive contato com tal obra: meus pais haviam viajado e deixaram-me na casa dos meus avós maternos – na fazenda. Como minha avó era e ainda é uma leitora (escritora) assídua, ela nos disse que antes de dormirmos nos leria uma história: a história escolhida foi O meu pé de Laranja Lima.

Na primeira noite descobrimos um pouco da história de Zezé, um menino proveniente de uma família humilde, muito sapeca, que gostava de brincar, pregar peças nas pessoas, que apanhava do pai por fazer travessuras, mas que nunca deixava de sonhar, de viver em um mundo de magia que ele criava para si e para seu irmão mais novo (Luís). Zezé, além de inventar um fantástico zoológico no quintal, tinha um pássaro interior, conversava com as coisas, com as plantas. A passagem que mais me marcou desta história foi a seguinte:

No começo, por cerimônia ou porque queria impressionar aos vizinhos, me comportava bem. Mas uma tarde recheei a meia preta de mulher. Enrolei ela num barbante e cortei a ponta do pé. Depois onde tinha sido o pé peguei uma linha bem comprida de papagaio e amarrei. De longe, puxando devagarzinho parecia uma cobra e no escuro ela ia fazer sucesso. (VASCONCELOS, 1978, p. 63).

Zezé havia criado habilmente uma cobra de pano para assustar aos que passassem na rua. Isso foi motivo de muitos risos meus. Entretanto, quando o pai dele descobriu que ele assustara uma mulher grávida, lhe deu uma surra horrenda, que deixou a mim e a minha irmã um tanto tristes. Percebi, através da leitura deste excerto que nem todas as brincadeiras são válidas, principalmente, se causam algum tipo de transtorno a outras pessoas.

A segunda e todas as outras noites foram altamente esperadas pelos espectadores para saber mais um capítulo desta obra, até o dia em que a história havia terminado. Eu me diverti muito com as peripécias de Zezé e Luís, aprendendo a ler, explorando o mundo que os rodeava, e também chorei com as dificuldades encontradas por estes garotos e família, chorei quando Zezé apanhava, quando a família tinha fome. Quando cresci uma das primeiras obras que comprei foi esta de José Mauro de Vasconcelos, eu a li novamente e senti (e sinto) nela todo aquele sabor da infância e da casa da minha avó.  É perceptível que, o autor, na concepção de sua obra, tem um pacto com o leitor, quer que ele se identifique com a história e seja tocado por seus escritos:

É, assim, no amor pela procriação, pela criação, que escritor escreve e é nesse amor -dele- que estamos imersos quando lemos, pois o que também procuramos é o belo, algo que seja capaz de nos fazer conceber aquilo de que estávamos prenhes há muito tempo e sobre o quê nada sabíamos. Dá-se o amor pela leitura. Opera-se em nós também uma criação do pensamento e das demais virtudes (LOPES, 1995, s.p).

E ler muitos e variados textos contribui para que o leitor tenha várias óticas e perspectivas a respeito da realidade, não tendo ou tomando determinado livro como doutrinador de uma verdade absoluta. Isso é importante, pois, possibilita àquele que lê ter um domínio críticos de suas opiniões e não ser manipulado por determinados textos.

No processo de leitura, como nos diz Roland Barthes (2004), o leitor se torna parte integrante e indispensável, que escreve e reescreve o que lê e que, dessa maneira, dá um significado à palavra escrita. O texto ficcional faz do leitor, criador e matéria indispensável de sobrevivência. Vale ressaltar que, na medida em que lê e dialoga com o texto, o leitor acaba por assimilar valores, ideias, ideais, afinal, ele é, de alguma forma, influenciado em sua educação e levado a por em prática alguns dos valores apreendidos através da reflexão que a leitura literária lhe proporcionou.

Ler é trocar informações com o texto, é interagir com ele, escutar conselhos, discordar, enfurecer, abrandar. A leitura é algo extremamente ativo, na qual o leitor reconstrói o sentido do texto, dá sentido às partes e preenche as lacunas que faltam ser preenchidas.


A literatura, bem como a leitura são extremamente importantes na vida de todo sujeito, de todo ser humano, já que “[...] pode favorecer o encontro coma alteridade (alteridade de temas, alteridade de modos de se expressar, alteridade de critérios de avaliação)” (ABREU, 2006, p. 111). A literatura pode dar liberdade, conhecimento, informação e isso já é suficiente para defender o ensino através da leitura de obras literárias.

Referências

ABREU, Márcia. Cultura Letrada: literatura e leitura. São Paulo: Editora UNESP, 2006.

BARTHES, Roland. Aula. 12ª ed. Trad. Leila Perrone-Moisés. São Paulo: Cultrix, 2004.

LOPES, Eliana Marta Teixeira. Leitura: prazer e saber (1995). In: http://www.unicamp.br/iel/memoria/projetos/ensaios/ensaio26.html Acesso em 27. Mar. 2013.

VASCONCELOS, José Mauro de. O meu pé de Laranja Lima. 29ª ed. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1978.

Rodrigo Corrêa Machado é colunista da ContemporARTES desde 2009, quando a revista foi criada. Juntamente com Ana Dietrich é coordenador desse periódico. Ele é professor substituto de literatura portuguesa na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutorando em Estudos de Literatura pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em Letras pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e licenciado em Letras por esta mesma instituição. Seus interesses perpassem a Literatura em geral e, com ênfase especial na poesia portuguesa.


0 comentários:

Postar um comentário

Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.