A importância da leitura para formação do sujeito
Quando imaginamos o encontro com a leitura, muitas
vezes pensamos nos pais a lerem histórias infantis, nos avós, enfim na família.
Desde muito pequenos, recebemos incentivo à leitura de nossos familiares e
professores. É notável que as pessoas mais velhas de nossa família geralmente
têm o costume de narrar histórias fabulosas contadas pela mãe, avó,
professores. Esse processo de
transmissão de histórias contribui para que aquele que as escute se deslumbre,
acompanhe com vivacidade os contos, neles se espelhe.
Para Walter Benjamin (1994, p. 198), “A
experiência que passa de pessoa para pessoa é a fonte a que recorreram todos os
narradores. E, entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se
distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos”.
Isso se dá, pois, através desses contares, dessas narrativas orais, os seres
humanos em geral entram em contatos com valores sociais e culturais importantes
à sobrevivência em sociedade.
Lembremos então da literatura clássica, produzida
até o início da modernidade. Ela tinha um papel doutrinador ou, se preferirmos,
pedagógico. Isso quer dizer que obras literárias como Ilíada, Odisseia, entre
tantas outras, tinham não só a possibilidade, mas também o dever de ensinar aos
cidadãos que as experienciavam os principais valores necessários à vivência em
sociedade na Grécia antiga. No caso brasileiro, há também as peças teatrais de
José de Anchieta que, se por um lado eram uma representação lúdica aos índios
que as assistiam, por outro, doutrinava os principais valores de uma sociedade
necessariamente europeia e cristã, levando-os a assumirem novos valores – ou
seja, nesse caso as peças teatrais tiveram um papel subversor em relação aos
valores e cultura indígena, na tentativa de fazer os povos do Brasil
quinhentista a abandonarem, senão, a crerem que tudo o que lhes foi passado pelos
ancestrais era algo errado, indigno de ser cultivado.
Dentre os
vários livros que lemos durante a infância, alguns ressoam ainda hoje em nossa
idade adulta, o que aponta para a relevância deles em nossa formação enquanto
sujeitos críticos. Essas são obras que ficam guardadas na memória das crianças,
talvez por um aspecto mágico e maravilhoso, contribuindo para que elas adquiram
certo repertório sociocultural.
Em um momento da minha infância, quando eu devia
ter por volta de nove a dez anos, minha avó leu um livro que é marcante para
mim, Meu Pé de Laranja Lima, de José
Mauro de Vasconcelos. Lembro-me claramente a primeira vez que tive contato com
tal obra: meus pais haviam viajado e deixaram-me na casa dos meus avós maternos
– na fazenda. Como minha avó era e ainda é uma leitora (escritora) assídua, ela
nos disse que antes de dormirmos nos leria uma história: a história escolhida
foi O meu pé de Laranja Lima.
Na primeira noite descobrimos um pouco da história
de Zezé, um menino proveniente de uma família humilde, muito sapeca, que
gostava de brincar, pregar peças nas pessoas, que apanhava do pai por fazer
travessuras, mas que nunca deixava de sonhar, de viver em um mundo de magia que
ele criava para si e para seu irmão mais novo (Luís). Zezé, além de inventar um
fantástico zoológico no quintal, tinha um pássaro interior, conversava com as
coisas, com as plantas. A passagem que mais me marcou desta história foi a
seguinte:
No começo, por
cerimônia ou porque queria impressionar aos vizinhos, me comportava bem. Mas
uma tarde recheei a meia preta de mulher. Enrolei ela num barbante e cortei a
ponta do pé. Depois onde tinha sido o pé peguei uma linha bem comprida de
papagaio e amarrei. De longe, puxando devagarzinho parecia uma cobra e no
escuro ela ia fazer sucesso. (VASCONCELOS, 1978, p. 63).
Zezé havia criado habilmente uma cobra de pano
para assustar aos que passassem na rua. Isso foi motivo de muitos risos meus.
Entretanto, quando o pai dele descobriu que ele assustara uma mulher grávida,
lhe deu uma surra horrenda, que deixou a mim e a minha irmã um tanto tristes.
Percebi, através da leitura deste excerto que nem todas as brincadeiras são
válidas, principalmente, se causam algum tipo de transtorno a outras pessoas.
A segunda e todas as outras noites foram altamente
esperadas pelos espectadores para saber mais um capítulo desta obra, até o dia
em que a história havia terminado. Eu me diverti muito com as peripécias de
Zezé e Luís, aprendendo a ler, explorando o mundo que os rodeava, e também
chorei com as dificuldades encontradas por estes garotos e família, chorei
quando Zezé apanhava, quando a família tinha fome. Quando cresci uma das
primeiras obras que comprei foi esta de José Mauro de Vasconcelos, eu a li
novamente e senti (e sinto) nela todo aquele sabor da infância e da casa da
minha avó. É perceptível que, o autor,
na concepção de sua obra, tem um pacto com o leitor, quer que ele se
identifique com a história e seja tocado por seus escritos:
É, assim, no amor pela
procriação, pela criação, que escritor escreve e é nesse amor -dele- que
estamos imersos quando lemos, pois o que também procuramos é o belo, algo que
seja capaz de nos fazer conceber aquilo de que estávamos prenhes há muito tempo
e sobre o quê nada sabíamos. Dá-se o amor pela leitura. Opera-se em nós também
uma criação do pensamento e das demais virtudes (LOPES, 1995, s.p).
E ler muitos e variados textos contribui para que
o leitor tenha várias óticas e perspectivas a respeito da realidade, não tendo
ou tomando determinado livro como doutrinador de uma verdade absoluta. Isso é
importante, pois, possibilita àquele que lê ter um domínio críticos de suas
opiniões e não ser manipulado por determinados textos.
No processo de leitura, como
nos diz Roland Barthes (2004), o leitor se torna parte integrante e
indispensável, que escreve e reescreve o que lê e que, dessa maneira, dá um
significado à palavra escrita. O texto ficcional faz do leitor, criador e
matéria indispensável de sobrevivência. Vale ressaltar que, na medida em que lê
e dialoga com o texto, o leitor acaba por assimilar valores, ideias, ideais, afinal,
ele é, de alguma forma, influenciado em sua educação e levado a por em prática
alguns dos valores apreendidos através da reflexão que a leitura literária lhe
proporcionou.
Ler é trocar informações com o texto, é interagir
com ele, escutar conselhos, discordar, enfurecer, abrandar. A leitura é algo
extremamente ativo, na qual o leitor reconstrói o sentido do texto, dá sentido
às partes e preenche as lacunas que faltam ser preenchidas.
A literatura, bem como a leitura são extremamente
importantes na vida de todo sujeito, de todo ser humano, já que “[...] pode
favorecer o encontro coma alteridade (alteridade de temas, alteridade de modos
de se expressar, alteridade de critérios de avaliação)” (ABREU, 2006, p. 111).
A literatura pode dar liberdade, conhecimento, informação e isso já é
suficiente para defender o ensino através da leitura de obras literárias.
Referências
ABREU, Márcia. Cultura
Letrada: literatura e leitura. São Paulo: Editora UNESP, 2006.
BARTHES, Roland. Aula. 12ª ed. Trad. Leila Perrone-Moisés.
São Paulo: Cultrix, 2004.
LOPES, Eliana Marta Teixeira. Leitura: prazer e
saber (1995). In: http://www.unicamp.br/iel/memoria/projetos/ensaios/ensaio26.html
Acesso em 27. Mar. 2013.
VASCONCELOS, José Mauro de. O meu pé de Laranja Lima. 29ª ed. São Paulo: Edições Melhoramentos,
1978.
Rodrigo Corrêa Machado é colunista da ContemporARTES desde 2009, quando a revista foi criada. Juntamente com Ana Dietrich é coordenador desse periódico. Ele é professor substituto de literatura portuguesa na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutorando em Estudos de Literatura pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em Letras pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e licenciado em Letras por esta mesma instituição. Seus interesses perpassem a Literatura em geral e, com ênfase especial na poesia portuguesa.
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